terça-feira, 2 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3161: Tugas, italianos, suecos, guineenses... Estereótipos e preconceitos (António Rosinha)

Guiné > Região, possivelmente do sul, controlada pelo PAIGC > Visita de uma delegação escandinava às regiões libertadas > Novembro de 1970 > Foto nº 1 > Elementos das FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo). A Suécia foi, até há pouco tempo, um dos grandes amigos da Guiné-Bissau... Em 2005 decidiu supender a ajuda, técnica e financeira, à Guiné-Bissau, depois de uma longa tradição de cooperação bilateral, que remontava à luta pela independência nacional... (LG)


Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI).



1. Mensagem do nosso amigo tertuliano António Rosinha, ex-Furriel Miliciano em Angola (1961) e que, como civil, trabalhou na Guiné-Bissau, entre 1979/84, como topógrafo da TECNIL (1).


Sempre tive muita curiosidade de saber o ponto de vista de terceiros sobre as nossas colonizações, escravaturas, andanças pelos sete mares, enfim, curiosidade em saber como os outros vêem Lo terror de los mares, e não ia perder a oportunidade da convivência na Guiné, (1979-1993) com holandeses, italianos, alemães, franceses, suecos, brasileiros, espanhois, equatorianos, azerbeijãos, lituanos, e fico por aqui...

Já em 1960, eu vira no ex-Congo Belga a profusão e confusão de nacionalidades, quando daquela independência, mas aí eu era novato e não tinha curiosidade nem tinha começado ainda a nossa guerra.

Era eu Cabo Miliciano em Noqui, fronteira de Angola com o Zaire, mal sabia eu que era o princípio da nossa guerra mas também o princípio da confusão que ainda hoje dura no Zaire, Ruanda e Burundi.

Mas como dizia, sobre o que terceiros pensavam sobre as nossas andanças, vou contar, por agora, apenas três casos passados na Guiné:

O primeiro passa-se com um engenheiro de uma empresa italiana que me fiscalizava numa obra do prolongamento e modernização do aeroporto de Bissau em 1980. Quando já nos identificávamos razoavelmente, esse engenheiro (Pesce, de seu nome), homem viajado, falando portunhol razoável, aborda-me isoladamente com o seguinte diálogo:
- Russinha - italianizou - eu nunca tinha ouvido falar deste país, Guiné, antes deste trabalho, mas onde fica isto?

Fui ao mapa e com dificuldade localizei e fui ver a história.
- E agora, Russinha, me responde, é verdade que os portugueses estiveram aqui 500 anos?

Ainda eu não tinha acabado de gaguejar sem conseguir responder, já me fazia outra pergunta:
- Russinha, 500 anos num país destes, a fazer o quê?.

De facto tanto tempo ali, custava muito a explicar, de repente. Mas dou hoje os parabéns ao italiano pela pergunta. Mas hoje, passados quase trinta anos, tinha muitas respostas.

Outro caso em 1988 com uns jovens noruegueses e dinamarqueses, de uma ONG, Ajuda do povo para o povo, APP.

Publicavam e vendiam estes jovens um livro com muita qualidade de papel e fotos, sobre a actividade deles na Guiné: Faziam escolas de adobe, talvez os guineenses já se tivessem esquecido como se fazia o adobe, ensinavam na escola, muitas coisas.

Desfolhei o livro e impressionaram-me duas fotos que retratavam o ponto de vista deles sobre nós, o Tuga.

Vou descrever o melhor possível as fotos e respectivas legendas:

Numa primeira foto um jovem loiríssimo e branquíssimo com um serrote na mão, cortando uma tábua e, observando este gesto, um jovem escuríssimo que só se viam os olhos arregalados e os dentes na boca aberta, admiradíssimo com o gesto que via... E numa foto ao lado, o mesmo jovem escuríssimo com o mesmo serrote na mão, cortando a mesma tábua, e ao lado o loiríssimo com um olhar e um sorriso de satisfação. E a seguinte legenda: Ensinamos hoje, o que os portugueses não ensinaram em quinhentos anos.

Como choro hoje não ter comprado este livro. Mas ainda deve haver algum exemplar por Bissau ou nas mãos de alguém daquele tempo.

Outro caso pelos anos 1992/93 com uma senhora sueca que fizera amizade com um cooperante português e que tertuliava com os tugas, por afinidade, pelos 2 ou 3 cafés dos bares ou hoteis que funcionavam em Bissau. Acontecia que havia na cooperação militar uns tantos oficiais e sargentos portugueses que, por norma, vestiam à civil quando estavam fora da sua actividade. Mas aconteceu aparecerem completamente fardados, desempenados, todos garbosos, pelo local do café onde o grupinho habitual nos encontrávamos na companhia da senhora sueca. Esta levantou-se da mesa indignada, ficámos de boca aberta, a ouvi-la vociferar, que não havia direito andarem ali aqueles nazis, etc, etc. Foi preciso muita presença do amigo tuga dela para a segurar.
Como sei um pouco daquilo que fiz em muitos anos de trópicos, sei avaliar o que a gente dos trópicos beneficiou com imensas tribos do mundo inteiro.

Gostaria de descrever como é fazer [acção] psicossocial à sueca. Outro dia.

Um abraço para todos os tertulianos,
António Rosinha
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Notas de CV

(1) Vd. postes de:

29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1358: Nostalgias (1): No cais do Xime, dois velhos Unimog pedindo boleia a algum barco (António Rosinha, ex-topógrafo da TECNIL)

14 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2178: Efemérides (6): 24 de Setembro de 1973... Quo Vadis, querida Guiné ? (António Rosinha / Leopoldo Amado)

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2201: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (2): Eu estava lá em 1961 e lá fiquei até 1975 (António Rosinha)

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2274: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (6): Luís Cabral, os assimilados e os indígenas (António Rosinha)

8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2420: Notas de leitura (6): Amílcar Cabral, um lusófono fazedor de utopias (António Rosinha)

23 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2976: Fórum Guileje (16): Como está a lusofonia em Bissau ? (António Rosinha / Luís Graça)

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3035: Efemérides (9): 33.º aniversário da independência de Cabo Verde (António Rosinha/Carlos Vinhal)

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