sexta-feira, 22 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4399: Em busca de... (74): O caboverdiano Leão Lopes, meu antigo camarada de Bambadinca, BENG 447, 1970/72 (Benjamim Durães)


Guiné > Zona Leste > Bafatá > "Foto tirada no dia 30 de Março de 1971 em Bafatá, onde o grupo foi jantar, para celeberar os meus 24 anos. Na foto, e da esquerda para a direita temos: Leão e ex-esposa Lucília; Durães, Fernando Cunha (Soldado condutor), Rogério Ribeiro (1º Cabo Enfermeiro), Braga Gonçalves e ex-esposa Cecília; Isabel e o marido José Coelho (Furriel Enfermeiro), e o 1º Cabo Condutor José Brás".

Foto (e legenda): © Benjamim Durães (2009). Direitos reservados

1. Mensagem que o Benjamim Durães (ex-Fur Mil, Pel Rec Inf, CCS/BART 2917, 1970/72) mandou, em 19/05/2009, ao seu antigo camarada de Bambadinca, o ex-Fur Mil, BENG 447, Leão Lopes:

Boas Tardes,

Leão Lopes, não sei como te devo tratar, se por Excelentíssimo Ex-Ministro da Cultura de Cabo Verde, Pintor, Cineasta, Presidente da OGN Atelier Mar, Professor Universitário, Engenheiro, etc, etc., ou simplesmente por ex-Camarada de Bambadinca.

Desde 2006 que andava à tua procura e só este ano, no 3º Encontro-Convívio da CCS do BART 2917, que se realizou em Viana do Castelo no passado dia 16 de Maio (*), me disseram que te encontravas em Cabo Verde e que havias sido Ministro da Cultura, pelo que através a Internet lá te consegui localizar.

O nosso próximo encontro será em Coruche, no dia 27 de Março de 2010.

Tanto eu, com os ex-camaradas de Bambadinca, Isaías Rocha (Fur Sapador), José Coelho (Fur Enfermeiro), Braga Gonçalves (Alf Cav), Fernando Cunha (Soldado Condutor do Comandante do BART 2917), José Brás (1º Cabo Condutor do 2º Cmdt), gostaríamos de saber notícias tuas e saber se te deslocas com frequência a Portugal.

Para te recordares dos elementos que acima cito, junto uma fotografia tirada em Bafatá no dia 30 de Março de 1971, num jantar de aniversário dos meus 24 anos, que passo a identificar: da esquerda para a direita, Leão, Durães, Fernando Cunha, 1º Cabo Enfermeiro Rogério Ribeiro, Braga Gonçalves, José Coelho e José Brás.

Eu tenho um quadro pintado por ti em 1971, em Bambadinca.

Aconselho-te a consultar no Internet no site do Luís Graça & Camaradas da Guiné no Blog http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/ , onde podes ver muitas imagens e histórias passadas em Bambadinca.

O Luís Graça, na encarnação de Bambadinca, era conhecido por Henriques (hoje, Luís Graça), era Furriel da CCAÇ 12 (1969/71).

Um Abraço
BENJAMIM DURÃES

2. Resposta do Leão Lopes:

Caro Durães,

Ainda me visto de Leão Lopes, apenas isso. Mas o ex-camarada de Bambadinca envaidece-me e é uma grande honra responder por ele.

Não imaginas a emoção que ainda sinto por este reencontro. Já ninguém poderá duvidar que eu também lá estive. Vocês existem e a memória colectiva também. Eu próprio duvidei por vezes desta parte da minha história, quando alguns episódios vividos se confundiam com uma projecção ficcional não tendo por perto quem mos pudesse reavivar, corrigir, confirmar.

Imagina que eu me lembro sempre do nosso capelão Arsénio Puim, do dia em que a PIDE o levou, da minha / nossa revolta. E como eu gostaria de o reencontrar para lhe dar o abraço que não pude dar-lhe nesse dia. A PIDE tinha-me levado antes o Joãozinho e mais outros dos melhores operários nativos que eu tive no destacamento de engenharia. Destes nunca mais soube.

Há alguns anos estive em Bambadinca e, nas ruínas do que foi nosso quartel, encontrei Mariana, a nossa lavadeira, que me avivou na memória muita coisa difusa e talvez esquecida. Por exemplo, que eu pintei o retrato de um camarada. Quem seria?

Sim, lembro-me de alguns de vocês. De ti, do Braga Gonçalves, do Coelho, do Brás. Lembro-me do Vinagre, de Coruche (?) com quem fiz algumas traquinices inventando coisas para driblar o tempo. Chegamos a ser sócios numa moto e nunca contei a ninguém que por um triz teriam hoje que me juntar aos homenageados no minuto de silêncio dos vossos encontros. Sabem dele?

Ainda canto Zeca Afonso e as músicas popularizadas por Adriano Correia de Oliveira que nos ajudavam a resistir e a manter a moral acima de tudo.

As minhas condolências pelo Rebelo.

Parabéns a Luís Graça pelo blog. Um belíssima iniciativa, um belo slogan, um esforço de trabalho imenso.

Um dia destes, numa das minhas passagens por Portugal, tentarei abraçar-vos.

Muito obrigado pela fotografia e por me teres procurado e achado.

Até breve,

Leão Lopes

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região .

Do lado esquerdo da imagem, para oeste, era a pista de aviação (1) e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o
Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste). Vê-se ainda uma nesga do heliporto (2) e o campo de futebol (3).

A CCAÇ 12 começou também a construir um campo de futebol de salão (4), com cimento roubado à engenharia (à tua engenharia, Leão!), nas colunas logísticas para o Xitole.De acordo com a fotografia, em frente, pode ver-se o conjunto de edifícios em U: constituía o complexo do comando do batalhão (5) e as instalações de oficiais (6) e sargentos (8), para além da messe e bar dos oficiais (8) e dos sargentos (9).

Apesar do apartheid (leia-se: segregação sócio-espacial) que vigorava, não só na sede dos batalhões, como em muitas unidades de quadrícula, uns e outros, oficiais e sargentos, tinham uma cozinha comum (19).

Do lado direito, ao fundo, a menos de um quilómetro corria o Rio Geba, o chamado Geba Estreito, entre o Xime e Bafatá. O aquartelamento de Bambadinca situava-se numa pequena elevação de terreno, sobranceira a uma extensa bolanha (a leste). São visíveis as valas de protecção (22), abertas ao longo do perímetro do aquartelamento que era todo, ele, cercado de arame farpado e de holofotes (24). A luz eléctrica era produzida por gerador... Junto ao arame farpado, ficavam vários abrigos (26), o espaldão de morteiro (23), o abrigo da metralhadora pesada Browning (25). Em 1969/71, na altura em que lá estivemos, ainda não havia artilharia (obuses 14).

A caserna das praças da CCS (11) ficava do lado oeste, junto ao campo de futebol (3). Julgava-se que o pessoal do pelotão de morteiros e/ou do pelotão Daimler ficava instalado no edifício (12), que ficava do outro lado da parada, em frente ao edifício em U. Mais à direita, situava-se a capela (13) e a secretaria da CCAÇ 12 (14). Creio que por detrás ficava o refeitório das praças.

Em frente havia um complexo de edifícios de que é possível identificar o depósito de engenharia (15) e as oficinas auto (16); à esquerda da secretaria, eram as oficinas de rádio (17).

Do lado leste do aquartelamento, tínhamos o armazém de víveres (20), a parada e os memoriais (18), a escola primária antiga (19) e depósito da água (de que se vê apenas uma nesga).

Ainda mais para esquerda, o edifício dos correios, a casa do administrador de posto, e outras instalações que chegaram a ser utilizadas por camaradas nossos que trouxeram as esposas para Bambadinca (foi o caso, por exemplo, do Alf Mil Carlão, nosso camarada da CCAÇ 12, e mais tarde, o major BB, o Fur Mil Leão Lopes, do BENG 447, o Fur Mil Enf Coelho, da CCS/BART 2917).

Esta reconstituição foi feita pelo Humberto Reis, completada por mim (LG).

Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


3. Comentário de L.G.:


Meus caros Benjamim Durães e Leão Lopes:

Estou aqui em pulgas para ver a foto que o Benjamim não me chegou a mandar ontem e onde estás tu, Leão. Queria ver se te reconhecia, pela pinta. Tenho uma ideia tua, mas não juro... (Decepção: A imagem chegou-me agora, de manhã, mas estás de costas, de perfil).

Saí de Bambadinca em Março de 1971. Se vieste com a CCS do BART 2917, em Maio de 1970, devemos ter convivido cerca de 9/10 meses... Eu pertencia à CCAÇ 12, independente, subunidade de intervenção, com soldados do recrutamento local, oriundos do chão fula (Badora, Corubal, Cossé)...

Independentemente das partidas que o tempo, inexorável, e a (des)memória nos pregam, é um prazer muito grande reencontrar, mesmo que através da blogosfera, um camarada de Bambadinca, da bela Bambadinca daqueles bons velhos tempos (... apesar de tudo, tínhamos 23/24 anos, tínhamos sonhos, tínhamos o mundo à nossa frente, eramos inconformistas e inconformados, generosos, rebeldes, queríamos viver e respirar em liberdade...).

Sei que hoje és uma figura incontornável da cultura da tua terra, Cabo Verde, a que me ligam amizades de hoje e afectos do passado... Prometo procurar-te quando um dia destes for ao mítico Mindelo, onde o meu pai foi militar, expedicionário, entre 1941 e 1943... Até lá convido-te a partilhar a nossa Tabanca Grande, onde não há portas nem janelas nem muito menos arame farpado... (O termo Tabanca Grande é uma dupla homenagem a Cabo Verde e à Guiné-Bissau, e deve-te ser familiar: ao escolhê-lo, fui também traído por um dos célebres temas - Tabanka - do ex-Gupo Musical de Cabo Verde, Os Tubarões, nas décadas de 1970/80, de que eu era fã).

Benjamim, desculpa o abuso, mas o recado para o Leão Lopes fica dado. Morabeza. Mantenhas. Uma Alfa Bravo para os dois. Luís

PS - Leão: Pede-me, adicionalmente, o Durães (, o grande Durães, que tem sido o motor, o cimento, o pivô, o elo de ligação da malta de Bambadinca daquela época), que lhe remetas uma fotografia actual e que lhe indiques o teu telefone fixo e o teu telemóvel, além da morada completa para que passes a constar da listagem, para futuras convocatórias dos encontros anuais da CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Se decidires tornar-te tabanqueiro, manda-me também duas fotos tuas, uma antiga e outra actual, além de uma história/estória passada ou actual, como mandam as boas regras do nosso blogue...

Quanto ao Puim, o nosso capelão, estive há dias a falar com ele, ao telefone (durante mais de um hora), e convenci-o a juntar-se a nós... Para surpresa minha, ele esteve em Bambadinca até Maio de 1971 (perfezum ano de Guiné!), não tendo sido preso em 1 de Janeiro de 1971, pela PIDE/DGS, como eu julgava e está escrito nos nossos postes...

Foram os majores do BART 2917, o BB e o AC (sendo então comandante o Ten Cor Polidoro Monteiro, já falecido) que lhe comunicaram, de papel na mão, que ele era uma personna non grata em Bambadinca e no CTIG e que tinha meia hora para fazer a mala e apresentar-se em Bissau... A ordem vinha de Bissau (sabe-se lá de quem...da PIDE/DGS ? do Com-Chefe ?).

O nosso capelão, sob o olhar dorido do sacristão e do Alferes Machado, lá foi sozinho, sem se poder despedir de ninguém, expulso como um cão, a caminho do helicóptero que estava à espera dele, e que o levou até Bissau... Ele, o piloto e o mecânico, sem qualquer escolta...

É uma história ainda mais triste e deprimente do que eu imaginava: nem sequer foi preso directamente pela PIDE/DGS, em flagrante delito,no exercício do seu múnus espiritual... Um dia destes eu conto o resto, e ele confirma.

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Nota de L.G.:

(*) V. postes de 18 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4372: Convívios (131): CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), com o Arsénio Puim e os filhos do Carlos Rebelo (Benjamim Durães)

19 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4378: Arsénio Puim, o regresso do 'Nosso Capelão' (Benjamim Durães, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72)

Vd. último poste da série de 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4358: Em busca de... (73): BAC1, CART 1692, CART 1427, 1966/68 (Tony Grilo)

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