terça-feira, 9 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4485: Memória dos lugares (29): Beli e Madina do Boé, CCAÇ 1589, 1966/68 (Armandino Alves)


Caro amigo Luís Graça,

Na apresentação do Poste 4468, dava como anos de intervenção da minha Companhia na Guiné, 1968/70, quando na verdade é 1966/68.

Não me admiro do lapso, pois, pelo que tenho lido, parece que todos os camaradas que estiveram lá nestes anos, 1966/68, já morreram. Eu já estive quase, mas cá me vou aguentando.

Quanto ao tempo que passei na Guiné não é muito o que tenho para contar. Logo a seguir ao desembarque, em 5 de Outubro de 1966 e depois de me apresentar na minha Companhia estacionada em Stª Luzia (600), fomos fazer uma incursão para os lados de Nhacra.

Depois de muito andar e nem sequer o IN cheirar, quando chegámos ao local onde as viaturas nos deviam ir recolher, deparámos com um Unimog que tinha caído do pontão de troncos ao rio que, felizmente, nessa altura do ano, só levava água que nos dava pelo peito.

Ora toda a gente foi para dentro do rio incluindo o Cmdt da Companhia e, à força de braços, lá conseguimos recolocar o “bicho” na estrada.

Depois seguimos para o aquartelamento de Nhacra, que estava sobre o comando do Capitão Carlos Fabião. Era um dos oficiais de que se falava nessa altura pois, quando era atacado pelo IN, ia às tabancas que circundavam o quartel e, se não lhe dissessem de onde tinha vindo o IN, ele, ou os seus oficiais, não tinham problemas em disparar sobre o pessoal, para eles falarem.
Se era para o ar ou para as pessoas, é que eu não sei.

Ali descansamos uns dias tendo voltado a Bissau.

Passados mais uns dias fomos destacados para fazer segurança a uma coluna que ia partir do Batalhão de Engenharia, com destino a Mansoa. Quando a coluna arrancou em marcha lenta pela estrada, que levava a Mansoa, uma das viaturas da frente avariou.

Num dos Unimogs da coluna seguiam vários colegas da companhia, indo dois deles sentados no banco atrás e levando como habitualmente o taipal deitado para baixo, prontos para saltarem para o chão o mais rapidamente possível, em caso de ataque do IN. Só que tiveram azar, pois o veículo que seguia atrás, era um auto-tanque de água e, como o condutor ia a conversar com o Alferes sentado a seu lado, quando deu fé da paragem, devido ao veículo avariado, travou a fundo, mas o balanço da água impulsionou-o para a frente e, este por sua vez, foi bater nas traseiras do Unimog.

Disto resultou que um dos soldados ficasse logo sem uma das pernas e, outro soldado, ficou com as pernas partidas, sendo de imediato evacuados para o HM 231, em Bissau. O primeiro depois de socorrido, foi evacuado para o Hospital da Estrela, em Lisboa, e nunca mais soube nada dele. O segundo voltou, passado algum tempo, à Companhia.

Passados uns meses, em Fá Mandinga, apareceu um Médico que vinha fazer a avaliação do estado físico deste último soldado. Como o nosso Furrel Enfermeiro tinha saído da Companhia, por ter sido castigado, tive de ser eu a confirmar o veredicto do Médico, que me disse que o ia passar para os serviços auxiliares do exército.

Foi então que eu disse, para o médico, que isso era o mesmo que o mandar passar a operacional, obrigando-o a participar em todas as operações que houvessem na Companhia. Ele perguntou-me porquê. E eu expliquei-lhe, que eu tinha sido apurado para os Serviços Auxiliares do Exército, e ali estava a fazer a mesma coisa, que os outros camaradas-de-armas faziam nas operações.

Ele ripostou logo, que não podia ser, e eu disse-lhe para dizer isso ao meu Capitão. Foi o que ele fez e, por esse motivo, nunca mais fui escalado para fazer patrulhas sequer.

De pouco me valeu, pois eu fui para Béli e a restante Companhia para Madina.

Felizmente que Béli só foi atacada 4 vezes (era atacada de 3 em 3 meses), e só numa delas com forte intensidade de tiroteio de armas ligeiras.

Não sei como era o caminho para a fronteira, mas não devia ser bom, pois nunca ouvimos armas pesadas.

Sabíamos que o PAIGC tinha um acampamento muito perto, pois de madrugada víamos o helicóptero deles. Além de silencioso só lhe víamos a luz que ele projectava para o solo onde ia aterrar. Nunca o vimos de dia.

Mas como eles não se metiam connosco, nós também não nos metíamos com eles.

O pior de Béli era a época das chuvas, pois durante esse tempo nenhuma DO lá aterrava e, quando os mantimentos acabavam, tínhamos que “improvisar” alimentos.

Fora disso nem me queixo muito.

Um abraço para todos do,

Armandino Alves
Ex 1º Cabo Enf da CCaç 1589 (1966/68)
__________

Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

13 comentários:

Luís Graça disse...

Armandino:

Essa história do helicóptero'turra' interessa-nos... Como que se depreende do teu depoimento, a tal base do PAIGC só poderia ser em território da Guiné-Conacri...

Alguma vez viste, com os teus próprios olhos, este misterioroso (e silencioso) helicóptero ? E se sim, quantas vezes ? Ele vinha a essa base do PAIGC com alguma frequência ? Nunca entrou em território da Guiné portuguesa ? Vocês nunca alertaram a FAP ?

Por outro lado, como era o terreno à volta de Béli ? Era como o de Madina, rodeado de colinas ?

Sè bem vindo ao nosso blogue e que os irãs, que protegem a nossa Tabanca Grande, também sejam bonzinhos para ti...

Muita saúde e longa vida. Luíd

António Matos disse...

Tento ser sempre o mais pragmático possível perante a vida e as suas diatribes ;
Tento sempre arredar o inverosímil como justificação de realidades incompreensíveis ;
Tento sempre a argumentação "científica" perante a hipótese do "milagre" ;
Tenho dificuldade em perceber os mundos paralelos ;
Igualmente fervilho com helicópteros silenciosos ou choros de bébés que se não ouvem !
Mesmo assim, também eu ouvi muitas vezes da existência desses helicópteros com uma luzinha vermelha lá pelos lados de Bula ....
Nunca os "ouvi" ( eram silenciosos ) nem vi ( deviam ser invisíveis ) mas nunca mais tinha ouvido falar da sua existência .
Até hoje.
Seriam gambuzinos ?
Um abraço,
António Matos

Carlos Vinhal disse...

Já no meu tempo (1970/72) se falava de aeronaves espiãs, silenciosas, que só voavam de noite. Como eram silenciosas e andavam com as luzes apagadas, era impossível vê-las. Que queriam elas ver?
Nunca nos acreditámos na sua existência, mas de vez em quando olhávamos para o ar.
Um abraço
Vinhal

Anónimo disse...

Começo a ficar admirado com a frequência com que tenho lido versões de helicópteros silenciosos deslocando-se durante a noite, inclusivé bem perto da área e na mesma época em que lá estive, como diz o Carlos. Mas também o pessoal de Bula já falou.
Sinceramente não me lembro de ter ouvido nada semelante.
Mas fico intrigado.
Se os nossos Heróis da FAP, não voavam de noite, será que os de Conakry possuiam aparelhos mais evoluidos e melhor equipados para voo nocturno do que as NT?
Um Abraço
Jorge Picado

Unknown disse...

Armandino responde:

Não foi uma nem duas vezes que ele foi avistado. De onde vinha náo sabemos,só de noite e por volta das três da manhã.Só quando acendia a luz é que se dava por ele. Baixava e desaparecia atrás das árvores entre Béli e Madina do Boé. Não se dava pela sua partida pois devia descolar com as luzes apagadas. Como eu só fazia cabo da guarda calhou-me vê-lo e os sentinelas virados para esse lado também o viram. Mas de que valia falar? Como
ainda hoje ninguém acredita.É bom
lembrar que a tecnologia deles era russa e por não acreditarem é que levaram com os Strella

Unknown disse...

Luís graça desculpa que me esqueci de dizer que o terreno tinha uma ligeira inclinaçao à saída do aquartelamento e tirando isso era plano e rodeado de mangueiros. isto o que se avistava de dentro do arame farpado pois nunca saímos de lá a nao ser para cortar árvores para os abrigos. Comunicar à FAP? As únicas vezes que a FAP pôs lá
os pés foi quando tiveram que evacuar um furriel que deu um tiro num pé e ficou sem dois dedos. Até a DO ia lá uma vez por mês e era preciso que não chuvesse.Ele entrava no tosso território pois devia vir abastecer essa célula ou outra coisa qualquer pois como digo nunca fomos incomodados desse lado

Armandino Alves

Anónimo disse...

Caro Camarada Armandino
Sobre os Helis está tudo dito e naquela zona, basta ver a Carta da Guiné, estavam só dois quartéis Béli, que viria a ser abandonada em 1968 e Madina abandonada em 69 Depois a margem esquerda do Corubal era o que se sabe. Se eles tinham um heli as Info. ou a FAP sabem.
Mas eu só te queria dizer que o então Capitão Carlos Fabião era um militar exemplar ( era porque já faleceu).Mesmo tiros para o ar...agora tiros para a população?? Sabes dizia-se muita treta principalmente aos periquitos.Fala mais da vida em Béli. Um abraço Torcato

Anónimo disse...

Sobre um «helicóptero deles» [PAIGC], nas imediações transfronteiriças do sudeste da Guiné que, por diversas vezes teria sido "avistado" por militares do 1ºPel/CCac1589 (acantonado em Béli no período 25Mar67-12Fev68), e aos subsequentes quatro comentários ao citado texto, recorda-se que o "tema" foi brevemente referenciado no P2155 (editado por LG em 30Set2007).
MR (AS)

Anónimo disse...

Caro Armandino
Tenho para mim que a hipótese do helicóptero é pouco verosimil. Porque naquele tempo, tenho dúvidas, como ainda hoje, que houvesse um aparelho voador silencioso. Nem há notícia da evolução desses aparelhos.Quanto à navegação noturna, naquela época, se era impeditiva para a FAP, não deixaria de ser para o IN.
Também não parece que a URSS fosse usar um aparelho experimental naquela região, pois isso também exigiria staff e equipamentos adequados, conjunto que, certamente, não seriam deslocados para Conakri.
E como não acredito em viagens de extra-terrestres, algum fenómeno tem que estar ligado a essa revelação.
Talvez o pessoal da FAP e da meteorologia possa dar uma achega ao assunto. Mas como revelação dos nossos sentimentos e da forma como alimentávamos o imaginário, isso sim, o texto tem autenticidade.
Abraços
J. Dinis

Benito Neves disse...

Caro Armandino:
Li agora este post sobre a tua chegada ao 600 e a vossa incursão para os lados de Nhacra, com a queda de um unimog ao rio quando passava sobre um pontão de troncos. Não pretendo pôr em dúvida a tua vivência mas um pontão de troncos sobre um rio para os lados de Nhacra? Eu saí de Nhacra para Catió no dia 6 de Junho de 1966 e de Bissau até à ponte de Mansoa a estrada era toda alcatroada. O único braço de rio que, neste percurso, separava a ilha de Bissau da parte continental, era em Ensalmá, onde havia uma ponte móvel. Patrulhei todas as 18 tabancas da área de Safim e as 31 da área de Nhacra e não me recordo de qualquer pontão de troncos sobre um rio. Poderás, se ainda te recordas, de concretizar melhor o local onde se deu o acidente?
Um abraço
Benito Neves
CCav. 1484 (Nhacra e Catió)

Colaço disse...

Mais uma dica sobre o helicóptero silencioso: Também não é novidade para mim, porque em 1964 quando estava no Cachil naquelas noites sossegadas, calmas em que só se ouvia o barulho das aves nocturnas e uns certos barulhos,gritos,que nunca cheguei a perceber se eram macacos ou pessoal indígena.
Vi por várias vezes a tal luz no ar ao longe que aparecia, desaparecia, quer dizer não era constante, mas som de motor não era audível.
Um alfa bravo Colaço.

Unknown disse...

Caro amigo Benito Neves

Se não era rio era bolanha e com bastante água. Como se chamava o
sítio não faço a minima ideia primeiro porque estava na Guiné à
mia dúzia de dias segundo porque não
se perguntava para onde se ia. Os camiões transportavam-nos como gado
e quando paravam recebia-mos ordem de formar em fila indiana e depois eram horas e horas a calcorrear aquelas bolanhas escorregando, caindo e levantando cheios de lama e continuar a avançar. Mas que era um passadiço era e como cá onde á água é rio posso ter confundido.

Unknown disse...

Caro amigo Vinhal

Vamos terminar com a história do Héli. Não vale a pena bater no ceguinho. Pois se ainda hoje há quem
não acredite que o homem foi à Lua
apesar de ter sido transmitido na TV,porque motivo onde acreditar em nós
Armandino Alves
Ex 1º Cabo Enfº
C Caç 1589