terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5467: FAP (40): Em defesa da honra da minha dama, na Op Lança Afiada (Jorge Félix)




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Cópia da caderneta de voo do Jorge Félix: Março de 1969 > BA 12 > Grupo Operacional >


Fotos:  © Jorge Félix (2009). Direitos reservados







1. Mensagem do Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil, Heli Al III, BA 12, BIssalanca, 1968/70:


Assunto - Fiofioli e FAP


Caro Luis,
 

Lido o P5456, "Esta noite fomos ao Fiofioli" (*), duas notas em abono da tão mal tratada FAP. Não é o excelente texto do António Costa que tem o meu reparo, são as tuas
"Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

15 de Outubro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)"

Voltamos á "Operação Lança Afiada", e pq também pedes: "Seria interessante ouvir, entretanto, o depoimento de camaradas do BCAÇ 2852 que participaram na Op Lança Afiada. ...",  cá estou. novamente
.

Julgo já ter falado nisto, mas como as tuas sugestões não vão parar à minha versão da "Lança Afiada" (**),  aqui vai para que fique associada quando se falar na dita operação.

Há um relatório:



Fonte: Extractos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 58-61. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf), onde sobre a FAP está escrito o seguinte:

8. Apoio aéreo

a.Ligação Ar-Terra

Foi relativamente boa.

b.Resultados da acção aérea

Não houve propriamente acção aérea se por acção aérea se pretende significar: apoio aéreo pelo fogo. Só no dia 12 de Março, o helicanhão actuou na margem oposta do Rio Corubal contra a tabanca de Inchandanga Balanta. E em 14 de Março, a FA [ Força Aérea ] bombardeou a mata de Fiofioli, não tendo as NT notado no dia seguinte quaisquer vestígios deste bombardeamento.

Não se teve conhecimento de outras acções aéreas pelo fogo.

c. Apoio aéreo

Inicialmente o apoio aéreo, no que respeita a reabastecimentos, revelou-se deficiente. O facto de não ter sido cedido o heli ao Comandante da operação, dificultou a acção de comando e influiu nos rendimentos dos meios à disposição, pois previra-se que esse heli colaboraria com o das evacuações e com o dos reabastecimentos.

Além disso, a coordenação levou o seu tempo a rodar, o que é naturalíssimo pois não tem havido muitas operações como esta.

Em terceiro lugar, os meios aéreos não deram inicialmente o rendimento que se esperava, uns por avarias, outros por serem desviados para outras missões e outros por estarem na altura das inspecções e revisões.

A situação quanto ao apoio aéreo era a seguinte em 13 de Março de 1969, às 13H45 (MSG 735/I/BCAÇ 2852):

- 1 DO estava avariado havia 2 dias;
- O outro DO só começou a trabalhar às 10H00;
- O heli trabalhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau;
- O outro heli seguira às 08H00 directo de Bafatá para Bissau (parece que podia ter ido ficar a Bissau na véspera);
- O helicanhão saira para Bissau às 10H30, só regressando no dia seguinte às 11H00;
Os helis que haviam seguido para Bissau só foram substituídos cerca das 11H00 ; só depois desta hora, portanto, se regularizou o serviço de reabastecimentos e evacuações.

No dia 13 a actividade dos meios aéreos fornecidos para a operação foi a seguinte:

- A DO levantou de Bafatá para a área 9 [ Mina – Gã Júlio ]às 07H20 com o Comandante do Agrupamento Táctico Sul, o Major Negrão da FA e o Cap Lopes que ia assumir o comando do Dest G e ficou no Xitole; à tarde foi para Bissau;

- Os 2 helis levantarm às 07H30 com o comandante da operação para Bambadinca (serviço normal);

- O helicanhão, saído da zona de operações em 11 de Março, às 10H30, e regressado a 12, às 11H00, fez escolta ao heli de Sexa Comandante-Chefe; não prestou serviço à operação, que se tivesse conhecimento;

- A DO chegou de Bissau, foi a Piche buscar o Coronel Neves Cardoso para uma reunião em Bambadincas onde chegou às 11H00; à tarde voltoiu a levar a Piche o mesmo oficial.

- A DO chegou de Bissau, foi a Piche buscar o Coronel Neves Cardoso para uma reunião em Bambadincas onde chegou às 11H00; à tarde voltoiu a levar a Piche o mesmo oficial.

Em 14 os helis chegaram a Bambadinca às 08H30 e só aqui é que se abasteceram (pelo menos um). Podiam tê-lo feito em Bafatá. No entanto, a situação melhorou por vários motivos. Primeiro, porque se acabou com os recomplementos. Segundo, porque a selecção natural fez baixar o número de evacuações. Terceiro, porque os meios aéreos ficaram mais tempo na zona da operação. Quarto, porque a coordenação ar-terra ganhou experiência e tornou-se por isso mais eficiente.
.....
c) A inicial deficiência do apoio aéreo podia ter acarretado consequências graves se o IN tivesse reagido com maior agressividade." [ o meu filho teria escrito -LOL].




Noutra altura enviei uma foto da minha caderneta de voo, dos dias em que estive envolvido na operação Lança Afiada, hoje vou redigir o que lá está e junto fotos [vd. acima].

Dia 12 de Março de 1969 Hel AlIII nº 9279 DESP- Bs-Buba-Bambadinca 2 ater 1:40 horas
Dia 12/3/09 TGER-TEVS- Bambadinca-ZOPS-Bambadinca. 5 Aterragens 1:40 horas
Dia 12/3/09 TGER-TEVS- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragens 35 minutos.
Dia 12/3/09 TGER-TEVS- Bambadinca-Mansambo-Zops 10 aterragens 1:20 horas
Dia 12/3/09 TGER-TEVS- Bambadinca-Zops-Bambad 2 aterragem 30 minutos
Dia 12/3/09 DESP- Bambadinca- Bafata 1 aterragem 15 minutos

Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9275 DESP Bambadinca -Bissau 1 aterrag 50 minutos
Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9279 DESP Bafata Bambadinca 1 aterrag 15 minutos
Dia 13/3/69 TGER- TEVS-Bambadinca- ZOPS (3x) 10 aterrag 1:45 Horas
Dia 13/3/69 TGER-Bambadinca-Zops- Bambadinca 2 aterrag 30 minutos
Dia 13/3/69 TGER Bambadinca ZOPS-Bambadinca 2 aterragens 25 minutos
Dia 13/3/69 TGER Bambadinca-ZOPS-Bafatá 10 aterragens 1:50 horas

Dia 14/3/69 Hel AlIII 9276 AESC Bafatá-Bambadinca-Zops 4 aterragens 2:10 Horas

Dia 15/3/69 Hel AlIII 9279 TEVS- Bafatá-Bambadinca-BS 3 aterrag 1:25 Hora
Dia 15/3/69 DESP-Bs- Bambadinca 1 aterrag  45 mint
Dia 15/3/69TGER-TEVS Bambadinca-Zops 16 aterragens 2:20 Horas
Dia 15/3/69 TGER-TEVS Bambadinca-Zops 10 aterrag  2:oo horas
Dia 15/3/69 DESP Bambadinca-Bafatá 1 aterrag 15 minutos

Dia 16/3/69 DESP Bambadinca Bafatá Bambadinca 2 aterrag 2:00 Horas
Dia 16/3/69 Av DO27 3470 DESP Bamb-Bafat-Bambadinca 2 aterragens 30 minutos

Dia 18/3/69 AlIII 9276 TMAN BS Zops (2x) BS 5 aterg 45.

(esta operação no dia 18 já não é em Bambadinca, e o voo em DO27 foi talvez de apoio ás Forças terrestes, navegação, orientação pelo ar.)

Entre os dias 12 e 16 de Março voei 23:00 Horas na ZOPS da operação Lança Afiada.

Depois de comparar o registrado na minha caderneta tenho que concluir que o relatorio "Batalhão de Caçadores nº 2852" [Bambadinca, 1968/70], acerca da Operação Lança Afiada, tem muitas inverdade que desta vez não vou destacar. Julgo que basta o testemunho da minha participação para verificar quanto de exagero há na apreciação á prestação das FAP naquela operação.

Quando se falar da Operação Lança Afiada, gostaria que juntasses as informações que te enviei, e estou convencido que não fui o ínico a voar para a Lança Afiada.
A FAP não necessita da minha defesa, mas sinto necessidade de a defender.

(...) Caro Luis,  recebe os Votos de um Bom Natal que são extensivos a todos os "Tertulianos". Jorge Félix

(quando reli o email passei os olhos pela foto junta e lembrei que no dia 7 de Março com base em Catií fui alombar ao Quitafine ond haviam quatro anti-aéreas. No dia 5 passei por Buba e Zops, e para terminar, entre dois whiskies fui no dia 1 a Aldeia Formosa fazer uma TEVS. Hoje vou sonhar com Fiofioli em cor de rosa)


2. Comentário de L.G.:


Como te disse, Jorge, o relatório tem a chancela do então Cor Hélio Felgas, já falecido como Maj Gen Ref. Tem ‘picardias’ em relação à FAP; transcrevi o relatório; agora é altura de acrescentarmos outros depoimentos como o teu… Houve 110 evacuações… Imagino a tua trabalheira… (***)
_______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 13 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5456: Memórias de um Capitão (António Costa) (1): Esta noite fomos ao Fiofioli

(**) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)


(***) Iniciada em 8 de Março de 1969 com a duração de 11 dias, a Op Lança Afiada foi uma das grandes operações que se realizaram na época , ainda no início do consulado do brigadeiro António Spínola (1968-73), um mês depois da trágica retirada de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969.

A Op Lança Afiada envolveu cerca de 1300 homens, entre militares, milícias e carregadores. Houve cerca de duas dúzias e meia de flagelações das NT por parte dos guerrilheiros, os quais no entanto se furtaram ao contacto directo. As populações sob controlo do IN no triângulço Xime-Bambadinca-Xitole passaram, com alguma segurança, para o lado do rio Corubal. Os fuzileiros não puderam ou quiseram participar nesta operação, que também não envolveu outras tropas especiais (comandos e páras). Foi, pois, uma operação só com tropa macaca, embora a nível de regimento, sendo comandada por um coronel (Hélio Felgas). Quase um terço dos efectivos eram carregadores.

Pensava-se que em Mina, junto ao Rio Corubal, estaria sedeado o Comando do Sector 2, da estrutura político-militar do PAIGC. Pensava-se também que havia um grande hospital, com médicos e enfermeiras... cubanos!

Do ponto de vista militar, a operação foi um bluff... Em contrapartida, houve inúmeras evacuações (n=110) dos nossos combatentes, devido a problemas de desidratação, desnutrição, esgotamento físico e stresse psicológico... É interessante a análise do autor do relatório sobre os sucessos e os insucessos desta megaoperação de...limpeza.

Tratando-se de uma fotocópia de um documento dactilografado e possivelmente policopiado a stencil, com data de 1970, há erros e omissões [no relatório, de que se publicam alguns excertos] que eu procurei colmatar ou corrigir, sempre que possível. Também substituímos algumas abreviaturas para tornar o texto mais legível para os paisanos ou os que não fizeram tropa nem estiveram na Guiné.

A Op Lança Afiada foi talvez uma das maiores e mais dramáticas operações terrestres que se realizou na Guiné, ou pelo menos na Zona Leste, quer pelo número de efectivos envolvidos (cerca de 1300 homens, sendo cerca de 800 militares mais 380 carregados, enquadrados por 100 milícias), quer pelo número elevado de heli-evacuações (mais de 100), devido não tanto a baixas provocadas pelo IN como sobretudo a casos de fadiga extrema, insolação, doença e ataque de abelhas.

Esta operação, em que as NT varreram toda a região da margem direita do Rio Corubal, entre este rio e a linha Xime-Xitole, durante 11 dias (de 8 a 19 de Março de 1969), teve um impacto mais psicológico do que militar, apesar da destruição de importantes meios de vida e infra-estruturas, necessários à guerrilha e às populações sob o seu controlo (animais domésticos, arroz, casas, escolas, hospitais de campanha...).

Esta operação pôs à prova (e revelou os limites de resistência, física e psicológica, de) os militares portugueses, num terreno e num clima duríssimos. Basta citar uma das conclusões do relatório, que temos vindo a publicar:

"A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra".


O próprio autor do relatório não se coibe de comentar: "(...) processava-se a selecção natural: os mais fracos não resistiam à fadiga, ao calor e à deficientíssima alimentação proporcionada pelas rações de combate tipo normal. Por outro lado a falta de água era um tormento que só quem já sofreu pode avaliar".

As forças que entraram, vitoriosas, em Fiofioli, no dia 15 de Março de 1969, constituíam o Agrupamento táctico sul, baseado no Xime e comandado pelo Ten Cor Jaime Tavares Banazol: Dest F > CART 2339 (Mansambo); Dest G > CCAÇ 2405 (Galomaro); Dest H > CART 2413 (Xitole); Dest I > CCAÇ 2406 (Saltinho).

Recorde-se que a companhia de Galomaro, a CCAÇ 2405, pertecente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70),  tinha justamente acabado de sofrer, em 6 de Fevereiro de 1969, a perda de 17 homens, na trágica travessia do Rio Corubal, em Cheche, aquando da retirada das NT em Madina do Boé.

Por sua vez, o Agrupamento táctico norte, baseado no Xitole e comandado pelo Ten Cor Manuel M. Pimentel Bastos, era constituído por: Dest A > CART 2338 ; Dest B > CART 1746 (Xime); Dest C > CART 1743 ; Dest D > CCAÇ 2403 (Fá Mandinga).

O comandante da força era o Coronel Hélio Felgas (já falecido como Maj Gen, conhecido especialista em questões geopolíticas africanas, e na já na altura autor de um livro sobre "A guerra da Guiné", de 1967, comandante do comando operacional de Bafatá - no meu tempo era o COP 2-, mas que, segundo creio, não morria de amores por Spínola).

É extenso o relatório da Op Lança Afiada em que, durante 11 dias, de 8 a 19 de Março de 1969, a região delimitada pela margem direita do Rio Corunal e a linha Xime-Xitole foi palco de uma orgia de fogo e de destruição de todos os meios de vida encontrados pelas nossas tropas: arroz, porcos, vacas, galinhas, escolas, livros, cadernos, hospitais, tabancas, moranças... 

A Lança Afiada foi sobretudo a maior "churrascada" que alguma vez se fez na Guiné, durante a guerra colonial: tudo o que era porco, leitão ou galinha foi consumido, in loco, pelos esfomeados tugas que deitaram fora as suas intragáveis rações de combate...

A realização de uma operação desta envergadura era justificada pelo facto de a região ser "considerada uma zona de refúgio e preparação do IN": a profundidade continental da região, a sua espessa arborização (excepto na franja marginal do Rio Corubal), a falta de trilhos e caminhos, a grande distância a que ficam os aquartelamentos mais próximos (Xime, Mansambo e Xitole), eram apontadas pelos especialistas militares como as principais razões da existência, permanência e "relativa tranquilidade" (sic) da guerrilha do PAIGC na região, praticamente desde o princípio da guerra, em 1963.

E foi com relativa ordem, calma e segurança que o o PAIGC conseguiu, antes da chegada das NT, transferir para a margem esquerda do Rio Corubal as populações (balantas e beafadas) que viviam sob o seu controlo e administração, enquanto as NT lançavam o seu cilindro compressor sobre este, até então, santuário do IN (região libertada, na terminologia do PAIGC)...

No relatório, não se esconde o número e a importância das tabancas que viviam sob a bandeira do PAIGC, fora portanto do controlo da "soberania portuguesa", em pleno coração da Guiné, ao longo da parte superior do Rio Corubal: Ponta Luís Dias, Mangai, Tubacutá, Mina, Cancodea, Satecuta, Fiofioli... Nunca se dão números sobre as populações, mas a leitura do relatório sugere-nos uma ideia da sua grandeza:

(i) "Os Dest A e B aproximaram-se de Tubacutá (área 5). Durante a noite anterior ouviram um motor dum barco fazendo travessias do Rio Corubal na região entre Queroane e Fiofioli. O movimento durara desde as 19H00 do dia 12 e as 4H00 do dia 13";

(ii) "Os Dest C e D continuaram destruindo a enorme tabanca de Ponta Luís Dias, com uma grande escola onde havia muitos livros e cadernos";

(iii)"Por seu lado, o Dest C, às 7H30, destruíra cinco canoas em local com indícios de ter tido grande movimento durante a noite";

(iv) "Os Dest C e D atacaram a enorme tabanca de Mangai, também recém abandonada, tendo começado a destruir as moranças, muitas toneladas de arroz e centenas de animais domésticos (incluindo vacas)";

(v) "Os Dest F e G avançaram sobre Cancodea Balanta enquanto os Dest H e I passaram para Candodea Beafada. Todos capturaram e consumiram (sic) centenas de animais domésticos, começando também a destruir as 2 tabancas (onde havia escolas importantes e grande quantidade de arroz";

(vi) [No Fiofioli] o Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc.";

(vii) "Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos"...

Constata-se também a enorme diferença do esforço que era pedido à tropa-macaca, por comparação com as forças especiais (que, estranhamente, não participaram nesta operação)... Por outro lado, os meios aéreos eram escassos e a descoordenação parecia ser  grande...

Os resultados finais acabavam por ficar aquém das expectativas dos responsáveis militares e não justificar o emprego de meios tão vultosos e caros: 5 guerrilheiros mortos (confirmados), "17 nativos capturados, na sua maior parte mulheres" (sic), para além da apreensão de material de guerra (muitos milhares de munições de armas ligeiras) e da destruição das tabancas abandonadas...

Só numa viagem de duas horas, o helicóptero gastava tanto (30 contos) como os vencimentos mensais dos quatro alferes de uma companhia... Ora nesta operação, para além dos reabastecimentos periódicos de água (absolutamente vitais), os helicóperos tiveram que fazer 110 evacuações (por ferimentos em combate, mas sobretudo insolações, ataques de abelhas, stresse, doença), para além das viagens de regresso com os recomplementos (oficiais, sargentos e prças que vieram substituir os camaradas evacuados)...

Não admira, por isso, que esse tipo de operação de limpeza acabe por ser abandonada pela equipa de estrategas de Spínola. Tinha, além disso, uma grande impacto negativo na população nas "regiões libertadas": afinal de contas, eram elas as grandes vítimas destas "operações de limpeza"... As crianças, as mulheres e os idosos, cujo apoio era preciso conquistar... através da acção psico-social e não do terror.

Isso talvez explique por é que do outro lado do Rio Corubal, na margem esquerda, não havia forças emboscadas ou prontas a intervir para cortar a retirada do IN, acossado pelos tropas envolvidas na Op Lança Afiada... O autor do relatório, visivelmente incomodado e até irritado, refere-se várias vezes a este "buraco na rede", consentido (ou até querido) por Bissau... No preâmbulo do relatório pode ler-se:

"O IN sabe que detecta facilmente qualquer tentativa de aproximação das nossas Forças Terrestres. Se a aproximação terrestre é difícil, a actuação das FN [Forças Navais] parece facilitada pela existência do Rio Corubal. E a tal ponto que, em estudo realizado por este Comando, a área da margem direita do Rio Corubal, desde a Ponta do Inglês a Cã Júlio, foi considerado uma área que devia ser batida pelas NT em operação conjunta de meios navais e helitransportados"...

Ora, o que o Coronel Hélio Felgas não conseguiu fazer foi essa grande operação conjunta de forças terrestres, navais e helitransportadas, que bem poderia ser a cereja no bolo da sua carreira militar... Regressadas as NT aos quartéis, no dia 19 de Março de 1969, o Rio Corubal lá continuou "interdito", como dantes, à nossa navegação...

Eu, pelo menos, no período em que andei por aquelas bandas (Julho de 1969/Fevereiro de 1971) nunca lá tomei banho e todas as vezes que nos aproximámos das suas margens fomos corridos a tiro, morteirada e roquetada... E a nossa valente marinha de guerra também nunca lá mais voltou a pôr uma lança de desembarque (grande, pequena ou média...).

Em Abril e Maio de 1969, a guerrilha mostrava de novo os dentes, no triângulo Xime- Bambadinca - Xitole ), pondo os oficiais superiores do BCAÇ 2852 à beira de um ataque de nervos... Dois meses depois da Op Lança Afiada, era a própria sede do sector L1, Bambadinca, que era atacada em força, durante 40 minutos, pela primeira e única vez durante toda a guerra...

Foi, obviamente, uma resposta taco a taco. As consequências também foram mais psicológicas do que militares. Mas não deixaram de ter implicações nas carreiras dos militares do quadro que detinham o comando do BCAÇ 2852, os quais foram todos (ou quase todos) punidos por Spínola e despachados para casa, por alegada incompetência... (Sobre esta "flagelação", o documento sobre a história do BCAÇ 2852 dedica aopenas 3 linhas telegráficas, em contraste com as dezenas de páginas escritas sobre a Op Lança Afiada)...

De qualquer modo, não deixa de ser curiosa, deliciosa mesmo, e até reveladora de alguma familiaridade com a literatura maoísta da época (!), a expressão usada pelo autor do relatório, quando conclui, com ar triunfal, depois da conquista do Fiofioli no Dia D + 7 (15 de Março de 1969) o seguinte: "o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel"!...

A operação, comandada pelo coronel Hélio Felgas (o patrão do Agrupamento 2947, mais tarde comando operacional de Bafatá, COP 7, se não me engano), coadjuvado por dois tenentes-coronéis, Jaime Banazol (liderando o Agrupamento Táctico Sul, com mais de 500 homens que partiram do Xitole e de Mansambo) e Manuel Pinto Bastos (comandante do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), que encabeçava o Agrupamento Tático Norte (com cerca de 750 homens, que partiram do Xime). Ao todo 1300, entre soldados metropolitanos, milícias e carregadores...

Foi uma das últimas grandes "operações de limpeza", realizadas no primeiro ano de Spínola, enquanto Governador Geral e Comandante-Chefe (que fez questão de estar presente, junto das NT, no Dia D + 9, ou seja, 17 de Março de 1969, partilhando inclusive o transporte naval que levou os nossos esgotadíssimos camaradas da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês, no regresso ao Xime.

Apesar dos elevados meios humanos e materiais envolvidos, a correlação de forças não se modificou e, depois de um rápido processo e reorganização, a guerrilha voltava a obrigar as NT a acantonarem-se nos seus aquartelamentos onde flutuava a bandeira verde-rubra (Bambadinca, Xime, Mansambo e Xitole) e destacamentos dispersos. A população civil, sob a administração do PAIGC, terá sido a grande vítima desta megalómana e descoordenada operação.

Os soldados portugueses serviram, por sua vez, de cobaia num teste de resistência, a que o autor do relatório, sem despudor, chama processo de "selecção natural" (sic)... Num total de 700 e tal homens metropolitanos (o resto eram milícias e carregadores, habituados às duras condições do terreno), conclui-se que um sétimo fora mal seleccionado para o TO da Guiné, já que no decorrer da operação teve de ser evacuado, de helicóptero, por "insolação, ataque de abelhas e doença" (sic).

É o próprio relatório a reconhecer que, nesta época (tempo seco), as temperaturas andarvam entre os 39 e os 44 graus, à sombra, e entre os 55 e os 70º ao sol, e que nesas condições, (i) a guerra tinha que parar das 10 da manhã às 16h da tarde, precisando um soldado metropolitano de 8 a 10 litros de água (!)...

Nesta operação em que os guerrilheiros e a população por eles controlada passaram simplesmente para o outro lado do Rio Corubal (com os cães, os porcos, as galinhas...) (não havia páras, comandos nem fuzos do outro lado...), o verdadeiro inimigo das NT foi, de facto, a desidratação, além dos problemas alimentares: o tipo de rações que deram aos nossos soldados (a ração dita normal) era tão má que provocava uma sede horrível: ao segundo dia, já não se comia; ao terceiro, começava a haver problemas...

Tratou-se de uma operação onde se foi a lugares míticos, como a mata do Fiofioli, junto ao Corubal, mas ninguém encontrou médicos e enfermeiras cubanas... Hospitais de campanha, sim, mas já abandonados, uns meses antes. Destruiram-se muitas toneladas de arroz, mataram-se milhares de animais, queimou-se tudo o que era tabanca e culturas... Em contrapartida, houve 24 flagelações do IN, mas os guerrilheiros seguiram as regras da guerrilha: retirar quando o inimigo, ataca: atacar, quando o inimigo retira... O autor do relatório, irritado, queria que os tipos do PAIGC se apresentasse de peito feito às balas e dessem luta...

O mais caricato e divertido desta operação é que o pessoal deitou fora as rações de combate e desatou a comer leitão assado no espeto!

Este é um cínico relato da dura condição da guerra da Guiné, vista pelo lado dos tugas. Por outro lado, há críticas veladas, do autor do relatório, ao Comandante-Chefe, ao Quartel General e à Força Aérea (que se teria comportado como uma verdadadeira prima dona, segundo Hélio Felgas, que não esconde a sua irritação e frustração...).

Há coisas, pouco abonatórias paras as NT, que se passaram neste operação e que eu deixo à atenção e consideração dos tertulianos e demais visitantes deste blogue. Cada um de vós que faça a sua leitura desapaixonada... Aqueles de nós, que foram operacionais, rever-se-ão mais facilmente no cenário que foi o da Op Lança Afiada... Sobre o desempenho dos actores, já não vale a pena assestar as baterias da crítica... Felizmente que a guerra acabou! War is over, baby!

Para uma correcta localização das povoações ao longo da margem direita do Rio Courbnal, consulte-se o mapa, dos Serviços Cartográficos do Exército, relativo ao Xime, disponibilizado, mais uma vez, pelo nosso amigo e camarada Humberto Reis, ex-furriel miliciano da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71). O mapa do Xime deve ser complementado por outros como Fulacunda, Xitole e Bambadinca, também disponíveis on line.

Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros... Esse ataque ficou célebre: a malta de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS...

Um caso exemplar, divertido e hilariante, da guerra da Guiné... A sorte dos nossos camaradas de Bambadinca foi os canhões s/r terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uma semana depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de 18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados no Sector L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda estavam sem pinga de sangue...
- Podíamos ter morrido todos - dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã...

Fomos depois nós, para lá, com os nossos nharros  [fulas], e em 18 meses nem um tirinho (em Bambadinca): que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, que já estava "libertada"... Eu faria o mesmo, na minha terra...

Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico: "Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros".

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