quinta-feira, 10 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7921: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (14): Celebrando os meus 25 anos

1. Mensagem José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 7 de Março de 2011:

Caros Camaradas
Eis o aniversário que mais me marcou em toda a vida. Foi o 25.º e muito
gostaria eu de o voltar a viver.

Um abraço do
Silva da Cart 1689


Memórias boas da minha guerra (14)

Celebrando os meus 25 anos

Embora me considere amigo de festas, a verdade é que não sou muito de aniversários. E então, tratando-se dos meus, nem se fala. Todavia, como o meu 25.º aniversário foi agradavelmente marcante, sinto vontade de o partilhar.


Cais de Impungueda, Cufar

21.Fev.1968 (Excursão e convívio)

A CART 1689 seguiu em coluna militar de Catió para Cufar. O destino era participar na Op Diabo Negro, nas matas de Nhere e Melinde, na zona de Bedanda. Além da nossa CART 1689, participaram a CART 1687, a CCAÇ 6, Pelotões de Milícias n.ºs 140 e 143 e uma Esq. de Canhões S/R.

Chegados a Cufar, toca a “partir mantenha” com os nossos irmãos da CART 1687, ali “enclausurados” desde o início até ao fim da comissão. Não me lembro do jantar, mas recordo bem (até pelas fotos “indecorosas”, apanhadas em flagrante “delitro” e não publicáveis, para não ferirem susceptibilidades), que foi uma farra até às tantas. Entre aquela malta do mesmo Batalhão 1913 (CARTs 1687 e 1689) havia, ainda, outras ligações através dos Rangers Paz, Branquinho, Nora e Silva, que cedo aceleraram o ambiente.

Eu sabia que iria fazer os 25 anos durante esta Operação. Podia ter solicitado uma atenção ao Capitão para ser dispensado. Mas não o fiz. Por três razões:
Primeiro, porque nos 10 meses passados, ainda não tinha falhado uma única Operação.
Segundo, porque sentia que o meu pelotão precisava de mim, por razões que não convirá aqui referir e
Terceiro, porque gostava de combater medos e superstições.

Não disse nada e entreguei-me à farra como se estivesse a descarregar emoções para uma partida sem regresso. E, parece, que não estava só nesse sentimento.


Passagem por Nhere

22.Fev.1968 (Turismo fluvial e passeio turístico pelos arredores)

As tropas entraram em LDGs no cais Impungueda, rumo a Bedanda. Num barco da coluna fluvial seguiam, à vista de todos, 6 caixões novos (para as possíveis “necessidades”), como mandavam as estatísticas, pois, segundo os programadores de tais Operações (cómoda e seguramente instalados em Bissau), Operação em que não morressem, pelo menos 4 militares, não era uma grande Operação.

A saída de Bedanda, a pé, e já em progressão para combate, estava apontada para as primeiras horas da madrugada e era preciso dormir um pouco, até porque, o desgaste da noite anterior já se fazia sentir. Cada um procurou dormir à sua maneira. Porém, o calor húmido, o cheiro a suor e sem mosquiteiro, colocou-nos à mercê dos milhões de mosquitos, que são os habitantes predominantes destas regiões do sul, depois do anoitecer. Ora, como é óbvio, isso não facilitava nada o desejado repouso. Eu já havia dado voltas e mais voltas, tentando dormir e não via maneira de me safar. Foi então que, ao ver iluminados pelo luar, os caixões (já descarregados do barco), tive a ideia de me meter dentro de um para fugir aos mosquitos.
Assim fiz. E para poder respirar, deixei o canto direito da cabeceira do futuro morador, ligeiramente aberto e “filtrado” com o lenço que costumava trazer ao pescoço. Assim consegui dormir um bom bocado.


Cambança com águas baixas

23.Fev.1968 (Hotel, caminhada, e caça com visita guiada)

O Mafamude, com os seus cento e tal quilos, que não conseguia dormir, veio fumar um cigarro cá para fora, sentando-se em cima do caixão. E como a tampa não estava bem assente, ele ajustou-a. Quando o ar me começou a faltar, não devo ter levado muito tempo a reagir. Nessa altura, já o Mafamude ressonava de bruços sobre o caixão. Acordei aflito e comecei a bater fortemente no tecto da improvisada “suite”, até que o Mafamude, estremunhado, perdido de sono e assustado, levantou-se e gritou:

- F... Já nem os mortos me deixam dormir em paz!

Tentou-se um itinerário diferente do utilizado em Operações anteriores mas, como os guias se desorientaram, rumou-se a sul, para apanharmos a estrada Bedanda – Guilege.

Durante as progressões, passamos por várias clareiras e esperava-se a todo o momento o contacto com o IN, o que, estranhamente, não aconteceu. A frente da coluna atingiu o trilho de Nhere – Caboxanque, por volta das 10h30 e pelas 13h00 fazia-se a abordagem de Nhere, que estava abandonado. Após a sua destruição, fomo-nos instalar próximo dos acessos de Guilege e de Caboxanque, até que, por volta das 17h00, o avião (PCV) deu ordem para o regresso para Bedanda. Penso que o IN não nos contactou, talvez devido à grande dimensão e aparato bélico das NT.

Os guias, que anteriormente não sabiam o percurso, eram agora uns exímios caminhantes. Numa bolanha estavam vacas a pastar e, em poucos segundos, começou o ataque às vacas, de metralhadora, por parte dos milícias, que, de faca de mato em punho, logo acorreram para um animal, caído, furado de balas. Tal como as formigas apareciam imediatamente quando deixávamos cair um lata de conserva, assim esses milícias caíram sobre a vaca. Não levou dois minutos até que cada milícia reaparecesse na coluna com o seu pedaço de vaca às costas, a escorrer sangue ou fezes. Cena incrível! Eu levava uma pequena máquina fotográfica e consegui captar alguns instantâneos.

Porém, adiante, numa cambança, a maré estava muito cheia e não me apercebi da profundidade. Chegando-me a água ao pescoço e molhada a máquina, as fotos ficaram estragadas.
Chegados a Bedanda, foi só festejar. Quando fui dormir, “ela”, a “Ricardina”, envolveu-me de tal ordem que não me lembro de mais nada. Que rico aniversário!


Havia motivos para festejar

24.Fev.1968 (Relax e serviço de voluntariado)

A manhã ia alta quando oiço uns gritos de criança. Mal abri os olhos, vejo-me na enfermaria, em cima de uma maca e o Enfermeiro a aviar os doentes nativos.

- Senhor Doutor - disse ele virado para mim – tem aqui uns casos para resolver.

E eu, meio atordoado ainda, levei uns tempos a decidir o que fazer. Levantei-me a custo e abeirei-me da zona de consultas.

- Então, que problemas temos hoje? – disse eu, mostrando interesse e competência para ajudar.

E seguiram-se várias consultas que, quanto a mim e, ao contrário do que as “más línguas” possam ter dito, só ajudaram os doentes e o Enfermeiro, que se queria ver livre deles rapidamente. Lembro-me de algumas:

- Dotor corpo está musse. Pergunto-lhe: - Em que trabalhas? Mim cá trabalha. Só leva o criança na mãe na bolanha pescar – responde ele.

- Então, se não fazes puto e estás cansado, estás f..... Oh Enfermeiro, dê uma injecção a este gajo, para ele arrebitar.

- Dotor a mim ter manga de frio – dizia outro. - Chega-te para uma fogueira: - respondi. - Sim mas sempre frio nas costa: - respondeu ele.

Então, receitei-lhe:

- Olha, faz outra fogueira e coloca-te no meio das duas.

Quanto às mulheres grandes, com micoses nas mamas caídas e às bajudas, com micoses na catota, receitei sempre a composição 1214, que dava para tudo, até para queimar os tomates. E a nossa tropa que o diga.


25.Fev.1968 (Lar doce Lar)

No regresso a Catió, por Cufar e Camaiupa, não houve problemas. Nem percebemos como foi possível, pensando nos riscos que passávamos quando efectuávamos este tipo de deslocações. Chegado a “casa”, lido o correio, tomado o colossal banho, oiço as queixas do meu macaco que andava em litígio com o nosso “senhorio”, o Capitão (da CCS) “Ternicotim Ternicotão”. Dizia ele em idioma sagui:

- O f.d.p. do capitão continua a querer expulsar-me. - E, na esperança de que eu lhe fosse pedir contas, salta-me para o ombro e acompanha-me até à messe onde, com os habituais camaradas, participámos em mais uma sessão de gastronomia, garbosamente preparada pelo nosso “Doutor Berguinhas”, à custa de mais um cabrito apaixonado pela nossa “Princesa”.(Ver Post 6795).


Nota: 
Se algum elemento pertencente aos agrupamentos militares aqui referidos, vier a fazer qualquer alusão aos sacrifícios e tal e tal e tal, que sofreu durante esses dias “maravilhosos”, julgo que deve ser objecto de participação criminal. Espero também que nenhum deles tenha sido louvado exclusivamente por nos ter acompanhado, quer dizer, ter acompanhado a CART 1689 por estas andanças.

Silva da CART 1689
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7864: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (13): Dom Quixote de Lapin

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro José Ferreira da Silva,

Parece que está "cientificamente" provado que quem olha o lado bom da vida tem - no mínimo - cem anos de expectativa de vida... em boa forma.
Deves ser mesmo uma pessoa bem disposta. Continua.
Um abraço,
Carlos Cordeiro

Silva disse...

Obrigado Cordeiro
Penso que o que conta é dsfrutar-se do que a vida nos dá de melhor. Há milhentas pequeninas coisas que muito podem ajudar-nos a sorrir. E se pudermos junto dos outros, contribuir para isso, o ambiente é feliz. Todos temos problemas, maiores ou menores e todos indesejáveis. Todavia, há quem tenha mais apetência/jeito/feitio que outros, para os disfarçar ou contrariar. Fui criado em ambiente muito humilde, cujas limitações me fizeram ver o bem e o belo em coisas insignificantes. É certo que por vezes abuso um bocado mas os meus amigos toleram-me. Até aqui, no nosso blogue.
Um abraço do Silva

Ze de Lamego. disse...

Caro Ze F,adorei as tuas "notas"Quero apenas dizer-te que es um tipo fixe.Mais comentarios para quê?Todos sabemos que es o Maior.
Nunca serás esquecido! Desejo-te tudo do melhor Apanha um forte ABRAÇO

Ze de Lamego

Luci Brito disse...

Parabéns amigo,e continue essa pessoa querida,e grande amigo..
Um abraço saudoso desta amiga..😘🌷