sábado, 17 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9619: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (6): A propósito da autenticidade da ata da reunião de Cacine, de 29 de julho de 1974, entre uma delegação das NT e um delegação do PAIGC, onde se decidiu da sorte dos nossos camaradas guineenses (António J. Pereira da Costa)

1. Texto de António J. Pereira da Costa [, Tozé, para os camarigos,], elaborado a pedido dos editores. Tem data de 14 do corrente, e é relativo ao assunto versado no poste P9602 (*):

Camaradas (**):


Este documento parece-me o rascunho da acta da reunião [, em Cacine, entre uma delegação portuguesa chefiada pelo brig grad Carlos Fabião e uma delegação do PAIGC]. Parece-me ser "autêntico", isto é, produzido em 29 de julho de 19744. Não estando assinado, é difícil ir mais longe.

Como nele se vê, são tratados diversos temas e não apenas a questão do Batalhão de Comandos Africanos.


O PAIGC parece querer assumir o controlo do Batalhão e saber, de antemão, que a FLING não é nada mas interessa-lhe que ela seja qualquer coisa...

É evidente o clima de desconfiança reinante no Batalhão. Uns ainda pensavam que o PAIGC estaria disposto a integrá-los na sociedade e a esquecer o sucedido. Daí a referência aos cursos de formação profissional acelerada (impossíveis, como se sabe). Outros adivinhavam que isso não sucederia e que maus tempos estavam para chegar.


O PAICG assume realmente que alguns elementos do Batalhão eram socialmente irrecuperáveis. Para além do Marcelino [da Mata] (***) [, aqui, à esquerda, em foto do nosso camarigo José Casimiro Carvalho],  não há mais nomes, talvez porque tinha havido uma reunião como os oficiais do BCmds e o Partido não se quereria referir a eles abertamente.

Contudo, como se vê, não há a menor intenção do PAIGC de que os constituintes do BCmds fossem considerados como portugueses, o que implicaria a sua expulsão imediata do país e, mais que provável, perda de nacionalidade.

Por mim, e doa a quem doer, o PAIGC agiu de má fé. Ao pretender desarmar o BCmds queria simplesmente anular uma muito possível rebelião (muito sangrenta, mas destinada ao fracasso), atitude que se pode considerar como normal numa força política que ascende ao poder, descobrindo que agora é que os seus problemas iam começar, a sério.

Numa segunda fase trataria - como o fez - de os eliminar, social ou mesmo fisicamente. Não creio que "a população" estivesse interessada em hostilizar ou maltratar o pessoal do BCmds. A generalidade da população tinha mais em que pensar do que andar à "caça ao comando". Só excepcionalmente poderiam surgir situações de violência entre elementos do BCmds e pequenos grupos ou elementos isolados da população.

Para mim, esta foi uma consequência (sempre previsível) da "guineização da guerra". Em qualquer situação semelhante, há sempre uma boa parte da população de um país que está na oposição à força vencedora, ou porque "colaborou com o inimigo" ou "recebeu apoio dele". São os vencidos das guerras civis ou os colaboracionistas. Mesmo quando há uma "reconciliação" (e tantas tem havido), há sempre "dificuldades de integração" que a historiografia normalmente esquece, por não merecer investigação e ter pouco valor como tema para a literatura...

Finalmente acho estranhíssimo que este documento tenha sido encontrado no emissor da Buraca da Rádio Renascença [, dinamitado por forças da CCP 121, em 7 de novembro de 1975]. Como terá ele ido lá parar? Com que fim? Simples curiosidade do possuidor que, depois, sentiu os dedos a queimar e largou? Foi bom que não se tenha perdido. Creio que o AHM [, Arquivo Histórico Militar,] deverá ser depositário deste e doutros documentos similares que por aí andam.

Quando penso na quantidade de arquivos das companhias e batalhões que hoje não conseguimos localizar, pergunto-me para onde poderão ter ido. Posso admitir que a documentação das ultimas unidades se possa ter "perdido" ou ter sido elaborada com muito menos cuidado, mas relativamente às mais antigas, não entendo. De posse dessa documentação poderíamos desenvolver estudos que nos permitiriam reconstituir coisas tão complexas como a evolução táctica no "nosso" sector. Enfim procuremos...

Um Abraço e peço desculpa por me ter alargado
António José Pereira da Costa

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de março de 2012 >
Guiné 63/74 - P9602: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (4): Documentação referente a negociações entre Portugal e o PAIGC com vista à desmobilização das tropas africanas que combateram por Portugal (Carlos Filipe)

(**) Último poste da série > 15 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9612: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (5): Lista de oficiais CEM do QG do CTIG (Luís Gonçalves Vaz)

(***) De acordo com Carlos Fabião no seu depoimento sobre a descolonização da Guiné, de 11 de abril de 2002, no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida, Marcelino da Mata, embora comando, não pertencia formal ou organicamente ao Batalhão de Comandos Africanos (Fabião refere-se a dois BCmds, certamente por lapso, ao julgamos saber): 

(...) Manuel de Lucena: Portanto, as milícias viviam no seio das populações. Mas Spínola também fez comandos especiais negros.

Carlos Fabião: Sim, sim, mas esses comandos é uma coisa à parte. Tropas africanas havia: primeiro a guarnição normal, eram quatro companhias de caçadores. Tudo o resto era reforço. Tínhamos quatro companhias de caçadores normais. Tínhamos dois batalhões de
comandos africanos, tínhamos uma bateria de artilharia.

Manuel de Lucena: Os dois batalhões de comandos africanos eram tropa especial?


Coronel Fabião: Tropa especial. E então havia uma outra tropa muito mais especial, que eram gajos que combatiam à paisana e em grupos muito pequeninos, comandados pelo Marcelino da Mata, de quem eu sou muito amigo. O Marcelino da Mata, que era um
guerreiro como eu nunca vi, pegava em quinze homens e ia com eles. Estava aqui um acampamento, e a gente dizia assim: «Vocês vão ser lançados aqui, destroem o acampamento e fogem para ali. Ali estão os helicópteros a recolher. Quem não chegar, não chegou». O Marcelino ia com os seus homens, desembarcavam aqui, entravam
por aqui, limpavam isto tudo, depois iam para ali, os helicópteros iam chegando. Esta era a tropa especial para acções especialíssimas. Iam à República da Guiné com a maior facilidade, como um tipo vai aqui à esquina beber café.


Luís Salgado Matos: A logística dessa tropa era a dos comandos africanos?


Carlos Fabião: Era. Havia um posto de comando que orientava aquilo tudo, que era o Marcelino da Mata. Não. Era o Almeida Bruno e o António Ramos. Depois, eram as tropas especiais, eram companhias de caçadores com indivíduos vindos da metrópole.(...)

6 comentários:

Anónimo disse...

Em 74 existiam duas companhias de comandos oriundos da então metrópole e três companhias de comandos africanos.

As duas companhias de comandos (brancos)eram comandadas pelos então capitães Matos Gomes e Raul Folques.

O Marcelino da Mata actuava autonomamente com cerca de 30 homens e às vezes menos, normalmente vestidos com camuflados e armamento utilizado pelo paigc, e o próprio Marcelino juntamente com outros também por vezes vestiam à civil, tudo dependia da acção a realizar.
Eram uma espécie de S.A.S. ou força Delta.
Sem tirar qualquer mérito ao Marcelino e seus homens,é preciso realçar que tanto o próprio como alguns dos seus homens falavam várias línguas locais e por isso passavam facilmente por guerrilheiros do paig..

Em gadamael estava a Ccaç 20 com vários elementos que tinham pertencido aos comandos africanos.

Já aqui disse algures num comentário que os assassinatos perpetrados pelo paigc depois da independência, já estavam desde há muito previstos pelo paigc, só esperaram pela ocasião mais favorável.
Alguns foram mortos depois de estarem presos vários anos.
Os motivos foram por simples vingança e também por receio do perigo que poderiam constituir quando a população começou a ficar descontente com a política seguida pelo paig.
Da nossa parte, penso que não foi só alguma ingenuidade, mas também e principalmente uma forma de nos descartarmos da responsabilidade moral que tínhamos perante os nossos concidadãos na altura.

C.Martins

manuelmaia disse...

Caro Pereira da Costa,


Claro que o PAIGC estava de má fé,tanto como a delegação portuguesa que fez o« papel de Pilatos.
Não era constituída por meninos de coro que desconheciam os meandros da guerra.
A falta de sentido de estado e Pátrio evidenciada pela delegação dita portuguesa ( prestaram-se ao papel de colaborar no crime hediondo que seria perpetrado contra os militares africanos ao
serviço de Portugal...) ficará nos anais da história no dia em que a investigação permitir o acesso à verdade,nua e crua,que tem vindo a ser escamoteada por militares,políticos e historiadores comprometidos...
abraço

António Martins Matos disse...

Caro amigo
Gostei da tua reflexão/comentário.
Um abraço
AMM

Anónimo disse...

Correcção

A CCP121 foi uma sub-unidade do BCP12/ZACVG, extinto em DEZ74.
A força que actuou na Rádio Renascença, em NOV75, era composta por 60 homens, colocados no DGAFA e comandados por um oficial que nunca esteve na Guiné.

SNogueira

Luís Graça disse...

Obrigado, Nogueira, pela correção.

Li essa informação (inexata) num trabalho académico, da autoria de Nelson Costa Ribeiro, docente no Curso de Comunicação Social e Cultural da Faculdade de Ciências
Humanas da Universidade Católica Portuguesa.

Trata-se de um artigo publicado na revista "Lusitânia sacra", 2ª série, 12 (2000) 267-314.

Disponível aqui:

http://repositorio.ucp.pt/
bitstream/10400.14/4447/1/LS_S2_12_NelsonCRibeiro.pdf

Unknown disse...

Caros amigos, compreendi perfeitamente e nada tenho a apontar o facto de os editores terem colocado um link, que levasse a algum conhecimento dos acontecimento da RR. Foi aquele como poderia possivelmente ser outro.
Devo contudo dizer que o texto RR contem algumas omissões e algumas verdades não de todo correctas.
Eu vivi 24/24 horas toda a ocupação da RR.

Um abraço para todos e para cada um
Carlos Filipe
ex-CCS BCAÇ3872 Galomaro/71