terça-feira, 10 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9725: Nós da memória (Torcato Mendonça) (20): Leio

1. Segundo texto, de três, que o nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) enviou em mensagem do dia 26 de Março de 2012 para integrar os seus "Nós da memória":


NÓS DA MEMÓRIA - 20
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

Leio

Leio, nesta segunda-feira de Carnaval, a recensão do livro “Os Últimos Guerreiros do Império”, feita pelo MBS. Não li o livro antes. Eram tempos de “apagar a memória”, de não falar sobre o que vi e vivi. Podia ter falado mais mas, ainda hoje, prefiro ter contenção nas palavras. Li e falei pouco. Este e outros livros foram-se. Agora leio esta recensão. Após a leitura, paro no tempo e altero a saída. Volto a ler algumas declarações e sinto uma disposição diferente.

E agora?

Tens que resolver o que fazer. Ou esperas a segunda parte da recensão, pois este assunto está a mexer demasiado contigo, ou comentas?

Faço um comentário, em nota breve. Depois se verá. Sou português deixo para depois… Relevo agora, depois de ler a segunda parte, o que mais comigo mexeu então e agora. O Coronel Hélio Felgas, diz:

Neste final de 1968 a situação militar na Guiné chegou a um ponto tal que só muito dificilmente, e com muito optimismo, se poderá antever uma melhoria significativa

Realize-se uma operação em larga escala e veja-se o resultado: uns mortos e uns feridos, umas armas apreendidas, uns acampamentos destruídos e que mais? Mais nada. Se ao inimigo não convier o contacto, basta esconder-se no mato e esperar que as nossas tropas se retirem. Ele lá ficará e reaparecerá quando quiser...

Lembras-te?

Estive no Agrupamento Sul. Creio que estiveste no Agrupamento Norte. (Op. Lança Afiada) Era uma operação de “dois em um”. Tive oportunidade de falar com o Coronel Hélio Felgas, quando fui evacuado para a “Base de Apoio” em Mansambo. Ainda hoje me irrita ter sido evacuado. Ainda hoje me irrita ter caído naquela emboscada, ao alvorecer, e termos sofrido quatro feridos a serem evacuados com urgência. Ficamos sempre amarrotados por nós mas, principalmente, por eles. Ao fim do dia fui eu, pouco me lembro. Recordo o héli ter aterrado em Mansambo e ser socorrido pelo 1.º Sargento e pelo médico. Deixemos isso.

Naqueles dois dias falamos um pouco, o Coronel e eu. Conheci-o melhor então. Claro que ele não falou sobre o que acima transcrevi. Falamos da Operação…

Depois voltei à Lança Afiada e ele também. Não sei se no mesmo dia se no seguinte. Era o Fiofioli e a sua mata cerrada. O santuário ou o tigre de papel, mas foi duro muito duro e veio a acontecer o que ele previu. O que ele aqui diz e eu atrevo-me a transcrever um pouco, aconteceu.

Transcrevi, com o respeito pelo autor do livro e da tua recensão. Só para dizer que tinha razão o Coronel. Ele sabia. O General também o sabia.

O tempo foi degradando tudo e continuo com dúvidas, muitas. Porque não foi feito algo diferente?
São dúvidas que, ainda hoje como outrora, me atormentavam e atormentam. Tocas nisso e eu reajo.

Assisto a certas discussões sobre a guerra na Guiné e não entendo. Talvez entenda e não valha a pena sobre isso falar. Irrita!

Ainda as declarações de João Seco M. Mané:

O Fuzileiro Comando João Seco Mamadu Mané, foi Segundo Comandante de um grupo de 25 homens na 3.ª Companhia de Comandos, queixa-se das barbaridades dos fuzilamentos dos Comandos:

No mês de março de 1975 começaram as prisões. Foi um mês negro para os Comandos. Eu fui preso. E fui torturado. Como muitos outros camaradas. Obrigaram-nos a carregar pneus gigantescos, pneus de Berliet, com jantes e tudo. Era uma das torturas, mas havia outras: como pendurar uma pessoa pelos pés, e dar-lhe chicotadas. Dentro da prisão obrigavam as pessoas a andar despidas, só com as cuecas… Houve camaradas que estiveram presos, 6, 7 e 8 anos. Alguns já tinham sido fuzilados e os familiares continuavam a levar-lhes comida e cigarros. Às vezes, os guardas pediam cigarros, as famílias estranhavam, diziam que eles não fumavam e eles respondiam que tinham passado a fumar, já estavam mortos...

Revolta, não? É outro tema que me desagrada profundamente.

Foi bom não ter estado lá em 74. Aceitava o que o Poder Politico e a Hierarquia determinavam e a mais não era obrigado. Os meus camaradas portugueses eram os militares, nascidos aqui ou lá, os que comigo combateram. Os outros eram o inimigo. Podiam ser patriotas Guineenses, Portugueses não! A escolha foi deles e mais não digo. Não.

Acrescento só que respeito o Povo das Tabancas, outrora ou hoje, estando connosco ou os que estavam em áreas com forte implantação do PAIGC. As suas diferenças étnicas, culturais, o seu completo distanciamento da maneira de ser ou estar dos zés portugas mas a afabilidade, a sua compreensão pela situação e não só. Ia longe.

Agora espero a segunda parte da recensão. É aborrecido ler aos soluços …
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9710: Nós da memória (Torcato Mendonça) (19): Pare, Escute e Olhe

1 comentário:

José Botelho Colaço disse...

Torcato transcrevo parágrafo do teu poste.
...Realiza-se uma operação em larga escala e veja-se o resultado: uns mortos, umas armas apreendidas, uns acampamentos destruídos e que mais? Mais nada. se ao inimigo não convier o contacto, basta esconder-se no mato e esperar que as nossas tropas retirem . Ele lá ficará e reaparecerá quando quiser.
Esta pergunta fazia o mais simples militar ou civil, foi este o retrato da operação Tridente no Como em 1964.
Comentava-se que eles tinham deixado atravessar a mata do Cassaca para a tropa portuguesa pensar que eles estavam totalmente dizimados. Verdade ou não?
Mas a operação terminou a 23 de Março, com a retirada total de Cauane e Caiara 24 e na manhã de 26 vi eu com os meus olhos que a terra há-de comer ou o forno crematório reduzir a cinzas passar numa pequena clareira que dava acesso à mata do Cassaca vários elementos negros, a surpresa foi tão rápida que nem tempo para dar um tiro nós tivemos.
No dia 1de Abril de 1964 atacaram o aquartelamento do Cachil e em meados de Abril numa tentativa de ir á mata do Cassaca uma força nossa composta por fuzileiros, Comandos e apoiada por 2 aviões T6 foi repelida sofrendo vários feridos.
Não é novidade a opinião do Sr. General Hélio Felgas, o que parece indesmentível é que não aprendiam que após o fim da operação o comportamento a seguir tinha que ser diferente.

Um abraço.
Colaço