segunda-feira, 16 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9756: História da CCAÇ 2679 (49): A maneira mais prática de fazer prova de aptidão para conduzir viaturas auto (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 2 de Abril de 2012:

Boa tarde Carlos,
O Tito Martins é meu amigo desde antes da vida militar. Por mero acaso, fizemos a tropa sempre juntos. Sei que ele nutre por mim uma boa amizade. Dele, tenho a certeza, que é um grande camarada. O texto não o vai surpreender, porque já o conhece, mas acho interessante para publicação.
Se não houver oposição, agradeço.

Um grande abraço, extensivo ao tabancal.
JD


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (49)

 O Zé Tito Martins tinha andado em lições de condução com o Pedro, que exasperava perante a patente falta de jeito do aprendiz. Ao fim de algum tempo, atinando com as mudanças do Unimog, mais ou menos familiarizado com o funcionamento do acelerador e as funções dos travões, experimentado o ponto de embraiagem com sucesso (apesar da planura do terreno), dadas as necessárias explicações sobre as luzes de sinalização, o Zé estava considerado apto para se submeter a exame. Com sorte, passaria. Marcada a data, faltava aprazar o transporte. Por coisa do destino aterrou em Bajocunda um DO com um piloto que o candidato conhecia, e prontificou-se a levá-lo para Bissau. Autorizado, o Zé correu a buscar a mala quase enorme com as necessárias coisinhas para os dias da deslocação.

Mas a avioneta ainda se deslocou a Copá, conforme o plano de voo. E aí começou a malfadada aventura da deslocação a Bissau. No banco de trás, juntamente com alguma carga, o Zé depositou a mala, acomodou-se ao lado do piloto, e à medida que subia no ar, já se sentia no céu durante os dias de estadia em Bissau, afiambrado em mariscos convenientemente refrescados com muita cervejinha, sob os jacarandás que davam sombra e cores às esplanadas.

Em Copá, porém, apresentou-se uma evacuação urgente de uma senhora que tinha dado à luz um nado-morto e ainda tinha a placenta. Na circunstância, tinha direito a acompanhante, e à luz da política por uma Guiné Melhor, a evacuação afigurava-se prioritária. As duas pessoas ocupavam o exíguo espaço livre, pelo que o Zé Tito teve que ficar em Copá, mais longe do que Bajocunda relativamente ao objectivo de chegar à capital da província. Na urgência inesperada, foi enviado um rádio a Bajocunda a solicitar uma coluna para transporte do infeliz militar, que já tinha uma perspectiva de não chegar a tempo para o exame de condução. Em Bajocunda, o capitão Trapinhos mandou-o levar onde levam as galinhas, com a justificação de que a actividade operacional da Companhia não podia sacrificar-se às necessidades de um furriel em desvio de rota.

Com a tomada de conhecimento da resposta, o Zé vagueava pela aldeia com a esperança de dissipar pensamentos penosos. Inopinadamente, encontrou o Zé Grande, um elemento do Pel Caç Nat 65 (mais tarde cooptado pelo Marcelino da Mata), a quem indagou o que estava ali a fazer. Tinha lá catota, porque tinha esposas em dois ou três lugares. Perguntou-lhe quando regressava a Bajocunda, ao que o Grande respondeu, que no dia seguinte. Como? Viajava de bicicleta. Então, muito ajuizadamente, o Tito pediu ao Grande para lhe arranjar uma bicicleta. E arranjou.

Ao dia seguinte, o Tito, o Grande e outro elemento daquele Pelotão de Caçadores Nativos, fizeram-se ao caminho pela picada arenosa e algo esburacada que ligava as duas localidades. Eram mais de vinte quilómetros. O Tito, bom avaliador do risco vestia uma túnica fula, e com a mala atada ao selim, fazia manobras infrutíferas para se manter sobra a bicicleta, pois à dificuldade da veste, também a mala escorregava para o lado da roda neutralizando o esforço das tentativas de equilíbrio. Resultado: fez a viagem a pé, mas chegou a Bajocunda, e surpreendeu toda a gente. À chegada, dirigiu-se à cantina onde virou umas basucas para dessedentar-se. Depois foi falar com o solícito capitão, que ao pedido para o levar a Pirada, deu logo o nega. Mas o Tito não desarmava à primeira, com insistência tentava fazer ver ao capitão que tinha pressa para chegar a Bissau. O outro, mula, não parecia partilhar das mesmas preocupações. Mas o Tito, com todo o jeito do mundo, não lhe dava espaço de manobra e, delicadamente, insistia que tinha que chegar a Pirada, de onde seria mais fácil arranjar transporte. Finalmente, condescendeu o temorato capitão, talvez para evitar sugestões da atitude persistente do miliciano.

Chegado a Pirada clandestinamente começou a colher informações sobre a possibilidade de atingir Nova Lamego, na medida em que se afigurava não haver DO's a passar por ali. Mas um comerciante local deslocava-se essa noite para o Gabú, e prontificou-se a levar o candidato até àquela localidade. Sentado ao lado do camionista pensou nas virtudes de conhecer os meandros em confronto, que dispensavam picagem e escolta. Chegou a tempo para na manhã seguinte apanhar o avião para a cidade prometida. Uffa! A tropa entrou no Nord Atlas e sentou-se nas magnificas cadeiras ao longo do avião. Depois entraram os civis, homens e mulheres da população local. Sentavam-se no chão, ou ao colo dos militares. Sortudo, o Zé Tito viu uma alegre gorducha dirigir-se para ele e sentar-se sobre as pernas, provocando-lhe dores, quando frequentemente remexia o abundante corpinho, e deixando-o narcotizado sempre que lhe encostava o sovaco na cara. Chegaram bem, felizmente, e o Tito cumpriu um desígnio da psico.

Em presença do alferes examinador, companheiro de turma no Nun'Alvares, por onde os manos Tito Martins tinham feito passagem, este indagou-lhe porque não tinha requerido exames de motociclos, de pesados, de helicópteros e aviões, ao que o Zé respondeu não ter especial interesse. "Burro! Sempre foste burro, o pior da turma, que eu aqui passava-te isso tudo, e nunca se sabe!..." replicou o examinador. "Bom, vamos lá fazer o exame. Toma aí o volante". O Zé, desconhecedor das artérias viárias daquela capital, respondeu-lhe para ser o amigo a conduzir, já que mal identificava a cidade. Compreensivelmente, o alferes conduziu o Tito até à baixa. Quando passavam por uma esplanada, lembraram-se de comemorar o encontro, para mais com mariscos tão famosos como os de Bissau. Comeram e beberam com a facilidade de dois jovens de sucesso, e o grande apetite que o clima inóspito sempre provoca. Conforme o relato pagou a mais alta patente.

Depois da confraternização, e de terem pago a devastação, o examinador disse ao Tito para (finalmente) conduzir a viatura. Novamente o Tito revelou grande sensatez e sugeriu: "já agora conduzes tu".

Regressou a Bajocunda com a barriguinha cheia e a carta de condução passada pela autoridade militar e competente. Já na vida civil comprou um Honda 360 que não arriscava conduzir, até que o bondoso sogro, que não conduzia, se propôs andar com ele pelos espaços mais largos da vila, na prática das manobras automobilistas, enquanto o desmobilizado não revelasse competência para se aventurar a solo naquele género de actividade.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9723: História da CCAÇ 2679 (48): Entre as NT não havia apenas gente movida pelo espírito cristão (José Manuel Matos Dinis)

1 comentário:

Luis Faria disse...

José Dinis

Ao que sei,uma estória de muitos,não fossem os percalços da viagem -que se pode dizer turística -e o amigo examinador substituir o examinando e ainda para mais pagar a lancharada!!!É demais e na certa rara.

Com carta tirada aos 18 anos,pensei e tentei na Guiné tirar a de mota e camião,mas nao consegui devido,acho, aos meus "afazeres"e disposições.Pena não ter por Bissau um amigo como o do Zé Tito...teria pedido a carta por correspondência!

Um abraço