sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10522: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (1): 1º e 2º episódios: tempos de Mafra, EPI, CSM


Mafra > EPI > CSM [ Curso de Sargentos Milicianos] > BI do soldado instruendo Veríssimo Ferreira, emitido em 25 de abril de 1964




Guiné > Bissau > CCS/GG > BI do fur mil Veríssimo Ferreira, emitido em 14 de julho de 1966.

Fotos: © Veríssimo Ferreira (2012). Todos os direitos reservados.



1. Comentário do Veríssimo Ferreira, ex.fur mil,  CCAÇ 1422 (Farim, Mansabá, K3, 1965/67), à  sua apresentação na Tabanca  Grande (*):

Caro Amigo Luís Graça:

Obrigado pela deferência e até o meu ego está enorme. Aqui o tabanqueiro 581 está felicíssimo por poder estar convosco. A dificuldade maior vai ser o "tu" mas lá chegarei.

Sobre a historieta, real mas com algumas graçolas pelo meio, que não ofenderão, espero, vai já no 7º episódio. (Outras realidades, dolorosas e muito existem, mas não sei se consigo falar nisso.) O Luís Graça, quer que as remeta para o facebook? è que ainda não consigo metê-las no email, ou vai lá buscar-mas ao meu mural?

O meu email é (...).


 
2. Resposta do editor, em 8 do corrente:

Camarada: Somos da mesma geração, idade, dorminos nos mesmos buracos, bebemos a mesma água da bolanha, corremos os mesmos riscos... o que é preciso mais para nos tratarmos por tu ?... O Carlos Vinhal vai completar a tua ficha, o teu email é só para uso interno... Deves usar este endereço de correio eletrónico para comunicar connosco... Para já podes continuar a usar o Facebook, eu depois vou lá buscar o material. Mas tens que aprender o usar o mail e "anexar ficheiros" (seja texto ou fotografia)... Um abração. LG



3. Novo mail do Veríssimo, datado de 10 do corrente:

Assunto: CONSEGUI [mandar um mail] e dizem que burro velho não aprende línguas.~


 
4. Os melhores 40 meses da minha vida > 1º e 2º episódios (Mafra, EPI, Curso de sargentos Milicianos)


por Veríssimo Ferreira 


1º Episódio

E vai daí... Por edital, soube que me deveria apresentar em Mafra, na Escola Prática de Infantaria, a fim de frequentar o Curso de Sargentos Milicianos. 

Saí de Ponte de Sôr, pela matina e no comboio. Chegado a Lisboa, pedi informações para ir para o Martim Moniz, local donde sairia a camioneta para Mafra.  A confusão, nesta louca cabecinha, era mais que muita (1ª vez na grande cidade) e habituado que estava a ver muita gente junta, aquando das feiras, pensei:
- Há por aqui uma como a nossa de Outubro!!!

Bom, mas lá fui ter e parti para o destino...e cheguei enquanto no entretanto comi as duas sandes que a minha querida mãe preparara para a viagem.
Mafra, surpreendeu-me, quando logo ali mirei, o Mosteiro.
-Um quartel ? -  pensei.

Na entrada, havia um enorme grupo de juventude de cabelinhos cortados à inglesa curta e que esperava e a eles me juntei. Lá chegou a minha hora e preenchidos que foram uns papéis, mandaram-me para o alfaiate que tirava medidas olhando-nos de alto abaixo, o que significou que recebi umas roupitas bem bonitas por acaso... um bivaque onde cabiam duas cabeçorras, duas camisas cinzentas nº 54 e eu até aí, usava 42, dois pares de calças que me chegavam dos pés à cabeça, duas botas 47 e eu calçava 41....e por aí fora.

Na caserna, assim chamavam ao quarto luxuoso, um 5º andar e 183 degraus para subir, onde me colocaram, para me não sentir só deixaram-me acompanhado por mais 151 recrutas que se tornaram meus amigos.

2º episódio

...No dia seguinte, reuniram-nos num espaço rectangular, que ainda hoje existe, lá atrás do convento e a que chamaram e chamam "A parada".

Éramos, talvez, aí uns três mil recrutas, entre os que iam frequentar os cursos de Oficiais e Sargentos, Milicianos, palavra esta que poderemos traduzir desta forma: jovens que após regresso da guerra, serão dispensados do serviço militar obrigatório e passam à disponibilidade, ou seja, ainda poderão ser chamados para a tropa, se houverem alterações à ordem pública. (seja lá o que isso for)

Juntaram-nos depois, sentados no chão e rodeando o Oficial Instrutor, cá fora, ali ao lado esquerdo de quem entra, e esclareceram-nos sobre as normas nem vigor, para contactos eventuais, com os residentes civis e também como distinguir os postos militares.

Ficámos a saber que a coisa começava desta forma: O início e por aí fora:  Recrutas,  1º cabo, Furriel, Sargento, Aspirante, Alferes, Tenente, Capitão, etc. etc. General, Marechal; finalmente...  1º Cabo Miliciano!

Contentíssimo fiquei.... Então não é que o filho do meu pai, Eu, iria alcançar o mais alto posto, lá para Agosto e já especialista de infantaria e 1ª classe em metralhadora Dreyse 7,9 ? e 3ª classe em espingarda 7,9? e 1ª classe em comportamento? e atirador, terminada a instrução complementar?

Aparvalhado ainda, com o facto de ontem ter visto, Lisboa, aviões dos grandes e barcos a atravessar um rio a que ouvi chamarem Tejo e ter ainda a possibilidade de, e também, pela 1ª vez, poder ir ver o mar...as praias da Ericeira e mais agora esta notícia, plena de responsabilidades...

Olhem,f iquei de tal maneira entontecido... que julgo não ter voltado a ser o humano normal de antes.

Continências e divisas, foram-nos sabiamente mostradas, bem como o manejo duma espingarda, o seu desmanchar em bocados.e a consequente limpeza sem precisar, com o escovilhão.

No 3º dia e após o pequeno almoço, começou a preparação para que pudéssemos vir a ser militares disciplinados, bravos, heróicos e que acima de tudo voltássemos inteiros.

Corridinhas na tapada, rastejar no meio da trampa, percursos de combate, saltos para o galho, jogos de brutóbol, tiro na carreira do dito, actividades desportivas com vários empecilhos no meio, audição dos gritos estridentes e ameaçadores dos monitores do pelotão... enfim, toda uma panóplia útil que só mais tarde entendemos ter sido preciosa para que aqui e agora estejamos ainda semi-vivos e, ah, sempre acompanhados pela fiel Mauser e de capacete enfiado... no local próprio de enfiar capacetes.

Regressávamos depois e quase na hora do repasto almoçaral. Íamos, à suite, tomar um banhito rápido, mudar de fato, e proceder, se caso disso, a qualquer necessidade fisiológica ( eu, na época, dava-lhes outros nomes mas depois aprendi esta, da fisio... qualquercoisa e pronto...tornei-me fino...)

As retretes eram mais que modernas: três ao todo, para 152 à rasca. Tinham um buraco no chão, redondo, sem assentos, mas ladrilhadas e asseadas, tá claro. A mim, lembravam-me sempre, lá a margem direita do rio Sôr, onde durante anos dei "à calça" e,  não havendo papel, utilizava as ervas viçosas nascidas por ali, sem eira nem beira.

Só que, certa vez, pasmem!, uma urtiga veio anexa. A tremenda e incomodativa irritação borbulhenta provocada fez -me "arrepiar caminho" e comecei a usar pedras não bicudas, no local a limpar...

Toca a corneta e ala que são horas de almoço. Boas refeições,  sim senhor, e até vinho havia e da cor que entendêssemos, embora eu achasse que aquilo era mais água...e cânfora, substância que, e ao que diziam, transformava em eunucos, embora provisoriamente, quem bebia a zurrapa.

Aconteceu-me...mas quem me mandou ser sequioso e guloso? Voltei ao normal, podem crer, tomando como base que não tenho, nem nunca tive reclamações.

 (Continua)
_______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de  3 de outubro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10473: Tabanca Grande (363): Veríssimo Ferreira, natural de Ponte de Sôr, ex-fur mil, CCAÇ 1422 (Farim, Mansabá, K3, 1965/67)

3 comentários:

Luís Graça disse...

Veríssimo:

Não és o primeiro camarada nem serás o último a vir a terreiro dizer (ou escrever) que aquele (o tempo da tropa e da guerra na Guiné) foi o melhor tempo da(s) sua(s) vida(s)...

Vou esperar pelo resto dos "episódios" para perceber melhor o título que escolheste para a tua série. Para já, os meus parabéns por teres conseguido mandar o primeiro email... É isso mesmo: nunca é tarde para a gente aprender... LG

JACARE do PANTANAL disse...

Luís é meu IRMÃO e portanto todos o são. Não andei na Guiné mas conheço o soba dessa Tabanca. A Ele me ligam outros momentos da vida partilhada nesta passagem terrena. Já temos reserva para entrar noutra galáxia que esta FEDE. Da comunhão da tapada tivemos os Javalis que visitaram os participantes da sardinhada da Ericeira que proporcionei aos Distribuidores da Larangina C /Trina sem Borbulhas quando fiz o lançamento da Familiar e dos abores de maça e ananás. Daqui vai o meu abraço para o Prosador V que contaminou os peixes do rio que sabiam a pouco, para o Bloguista Luís de olhos abertos e para os que Têm conseguido enganar a megera da gadanha e vão SÓ RINDO quando podem.
Mário Jacaré, Arteiro do Quintal de curta passagem pelos arredores de Mafra.

manuel maia disse...

Camarigo,



Felicito o "conde da pedreira" pela entrada pela porta grande deste espaço guinéu. Abraço.