quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10600: Vídeos da guerra (11): Sete anos no bacalhau em alternativa aos dois anos no ultramar: o filme A Outra Guerra (Portugal, 2010, 48')




"A outra guerra", filme documentário, realizado por Elsa Sertório e Ansgar Schäfer, em 2010. Trailer inserido no You Tube pela distribuidora, Kintop.

Vídeo (1' 09''): Alojado em You Tuve > KintopPT (2011) (Reproduzido aqui com a devida vénia)

"Uma viagem no Crioula recordando as fainas do bacalhau em plena guerra colonial. Nas décadas de sessenta e setenta, em plena guerra colonial, os jovens portugueses podiam 'oferecer-se' para a pesca do bacalhau para escapar à guerra colonial.  Através de uma viagem, hoje, a bordo do último lugre português da pesca do bacalhau – o Creoula –, três antigos pescadores da grande faina contam as razões das suas escolhas. Recordam as campanhas de seis intermináveis meses nas águas geladas dos bancos da Terra Nova e as duras condições de vida e de trabalho da sua juventude" (Sinopse: RTP 2).

Estreia: DocLisboa 2010. Estreia Televisiva: RTP2 (2011).

Ficha Técnica
Título Original: A Outra Guerra
Realização e Produção: Elsa Sertório e Ansgar Schäfer
Ano: 2010
Betacam Digital, PAL, 48 minutos
Emissão: RTP2 - 2011-01-23
Distribuição: Kinop.

Já aqui falámos deste filme que teve a sua estreia no Doclisboa2010. Passou igualmente na RTP2, e julgo que neste momento está disponível em DVD. Aqui fica, entretanto, uma iota da sua produtora e distribuidora, a Kinop, para quem se interessa pela apaixonante história da pesca do bacalhau e pela sua relação, em 1960/70,  com a guerra colonial. Sete anos no bacalhau equivaliam a 2 de Guiné, Angola ou Moçambique.

2. Nota da produção e realização do filme:

Partir para a guerra ou partir para a pesca do bacalhau? Já quase ninguém recorda que os jovens portugueses tinham nesta alternativa uma possibilidade de escapar aos perigos de um conflito militar em três frentes.

Os pescadores bacalhoeiros estavam sujeitos a condições especiais, particularmente duras, a uma disciplina muito semelhante à militar. Quando iniciámos este projecto, fascinava-nos, em particular, o dilema imposto pelo regime de os homens terem que escolher entre a guerra colonial e a pesca do bacalhau.

Iniciámos o trabalho de pesquisa convencidos de que muitos jovens do interior teriam escolhido partir para a pesca do bacalhau, por ela ter a vantagem sobre a guerra colonial de ser um trabalho remunerado e de gozar da auréola romântica e heróica construída pelo regime. À medida que nos envolvíamos na pesquisa de documentos e de testemunhos, fomos descobrindo que a pesca não tinha esse poder de atracção senão para aqueles que já estavam familiarizados com o mar. Terá sido porque o recrutamento se fazia apenas nos centros piscatórios? Terá sido porque aqueles que iam para a guerra colonial já sabiam que o que os esperava nos bancos do Norte era algo parecido com uma guerra? A nossa ideia de partida começava a ser abalada, o que fazia crescer ainda mais a motivação para fazer deste filme uma oportunidade de investigação «ao vivo». Pelos relatos que tínhamos ouvido sobre a pesca nos bancos da Terra Nova, parecia-nos tratar-se efectivamente da escolha entre duas guerras.

«Sem a guerra, não teria havido pesca do bacalhau», diz-nos um dos antigos pescadores do filme. Com efeito, nos anos 50, a PIDE andava pelas praias, a recrutar à força pescadores para os bancos da Terra Nova. Mas, quando rebenta a guerra colonial, e perante a escolha que lhes é imposta pelo regime, são os próprios pescadores que passam a procurar ser contratados nos bacalhoeiros para «fugir à guerra».

Neste documentário, tomamos como marcos o início dos anos 60 e o final dos anos 70. É um período de mudanças importantes na política portuguesa da pesca do bacalhau, que coincide com o início e o fim da guerra colonial em África e com um dos grandes fluxos de emigração também relacionado com a guerra e as suas consequências económicas e políticas: por um lado, a pauperização de largas camadas da população; por outro, uma deserção numerosa. Esse período irá prolongar-se até meados dos anos 70 com a queda do regime, em Abril de 1974, e o desmantelamento da frota bacalhoeira. Damos, no nosso trabalho, um especial valor aos contributos orais dos protagonistas, com toda a carga de subjectividade que eles trazem consigo. A história não se faz apenas a partir dos arquivos. É indispensável que no reviver desta parte da história portuguesa participem os actores directos que trabalharam a bordo dos navios bacalhoeiros e que felizmente ainda se encontram entre nós, hoje, para nos poderem transmitir as suas memórias.

(Fonte: Kintop > Filmes > A outra guerra > Nota de intenções) (Reproduzido com a devida vénia)





Cortesia do blogue de António Balau, Nazaré, imagens com palavras > Alguns dos homens da Nazaré "que foram ao bacalhau" (poste de 10/6/2009).  Legenda do autor: "Dos registos constam 912 pescadores da Nazaré, na Pesca do Bacalhau. No Centro Cultural da Nazaré, poderá visitar a Caixa da Memória, onde estão as fotos de alguns pescadores da Nazaré. Esta exposição pretende ser um tributo aos homens que foram ao Bacalhau. Fotos: "Portugal no Mar-Homens que foram ao Bacalhau", coor. Álvaro Garrido, 2008"

3. Depoimento de um antigo pescador do bacalhau, Jaime Pontes, publicado em 3/12/201, no blogue Caxinas a Freguesia:

"A Outra Guerra, será que o título condiz ? Eu estou de acordo e com certeza muitos dos que passaram por essa vida , também não discordarão, até porque ainda estão vivos muitos dos que passaram por essas vivências e,  como eu, sabem que era assim mesmo, não havia alternativa, ou guerra colonial ou pesca do bacalhau.

"Claro que quem vivia da pesca preferia ir para o bacalhau,  sempre se ganhava algum e tinha mais possibilidades de escapar com vida ,então entre as duas guerras se escolhia a menos má, eram tempos difíceis esses! Cada vez que os pescadores se juntavam para pedir melhores condições, logo o Sr. Tenreiro,  então Coordenador do Grémio do Bacalhau, o tal Paizinho dos pobres,  enviava a polícia DGS,  antiga PIDE,  para calar os pescadores e eu tenho dados concretos,  como uma vez estive quase para ser preso e mandado para o Ultramar , o que quer dizer frente da Batalha e com certeza mais alguns que nunca estivemos de acordo com as condições de então sobre o pouco que se ganhava.

Nessa altura havia duas propostas em cima da mesa para discutir com o Sr. Alves,  Inspector da PIDE/DGS do Porto, o Sr. Inspector da Pide pediu 3 pescadores que estivessem presos à tropa - era esse o nome para quem ainda não tivesse dado as 7 viagens que era de lei livrar a tropa, Então como se negaram os mais novos a ir a presença do Sr Alves,  comigo vieram dois dos mais velhos,  já livres,  o Tio Abraão do Coca,  já falecido, e o Zeca Varandas,e discutimos essas duas propostas para as novas viagens do bacalhau, coisa que o Sr. Alves nunca nos deixava fazer, era falar, o homem realmente era feroz,  diria mesmo escolhido para amedrontar,  mas fomos firmes e por dois dias discutimos,embora ele sempre dizia que os mais novos iam para o Ultramar,  o que quer dizer Guerra,  e os mais velhos presos. Isto era de mais, por aí se via que ele já nem sabia como nos virar. Passados uns 10 dias lá conseguimos a mísera vitória, que era mais 5 coroas como se dizia nessa altura em gíria por quintal de bacalhau e passar a Páscoa com as famílias e então a partir daí irmos com Deus para o bacalhau. Felizmente conseguimos isso, mas não sem haver uma luta feroz com o Sr. Tenreiro e a PIDE,  isso tenho eu gravado na minha Memória ...As minhas vivências do Bacalhau, de  1963 a 1969 !!!"
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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10128: Vídeos da guerra (10): Vida e obra dos Viriatos - CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69) (Parte II) (Henrique Cardoso)

3 comentários:

jose almeida disse...

Os da Escola Industrial,que quizessem escapar ao Serviço Militar.Tinham de prestar seis anos de serviço nas Oficinas de Material Aéronautico em Alverca.

Luís Graça disse...

Do blogue "Caxinas a freguesia > 30/4/2008> A vida a bordo num “bou” (bacalhoeiro) Espanhol.

"Inúmeras vezes leio que a pesca ao bacalhau era duríssima e que por vezes a imagem 'romântica' que se lhe dá esconde as agruras daquela vida de 6 meses no mar. Muitos pescadores odiavam aquela vida, mas muitos também não queriam mais nada a não ser aquilo. Tirar-lhes o mar era como tirar-lhes a vida.

"Relativamente à parte Portuguesa na pesca do bacalhau, os navios basicamente à vela até aos anos 50 e as artes baseadas na pesca à linha e anzol faziam com que olhássemos com alguma 'inveja' para os navios dos outros países a pescar perto de nós, já navios-fábrica muitos deles e com outras condições. Mas será que a diferença era assim tanta?

"Este é o relato de uma campanha ao bacalhau pela parte de um pescador Galego em 1976, a única que fez:
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“A vida do marinheiro na Terra Nova era duríssima. Os 12 dias de travessia até ao Atlântico Norte provocavam grandes enjoos de mar e fiquei 3 dias doente, a comer só pão e limão até chegar perto dos Açores. À chegada aos pesqueiros, logo ali se ficava 2 meses sem ver terra. Pescava-se com temperaturas até 25-30º negativos. Era terrível. Se cais ao mar, sabes que duras 3 minutos, pois no Inverno congelas e no Verão é muito difícil andar com as botas e a roupa que é preciso levar.
A bordo, preparava-se o bacalhau sacando-lhe a cabeça e logo outro marinheiro o abria e outro sacava-lhe a espinha. Caía por uma calha com água e lá em baixo salgavam-no de imediato. Todo o trabalho era feito à mercê da intempérie, com o perigo de cair do barco com um golpe de mar. Além disso o peixe tinha de ser limpo com água fria. Não se podia usar a água tépida que saía do motor principal, pois estragaria o bacalhau.

"Contraponto ao trabalho no Atlântico Norte era a chegada ao porto. Em St. John´s, Halifax ou Grimsby éramos recebidos em autêntica festa. Os 60-65 homens que compunham a tripulação de cada barco, enchiam de ambiente os bares, restaurantes e cabarets da zona. Mas mal se guarnecia ou reparava o navio, havia de novo que saír para a faina. É com mágoa que se vê a sobre-exploração dos Bancos e as escassas perspectivas de futuro, que provocaram o fim de uma actividade que ainda permanece na memória das gentes de Ferrol”.

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Relato de Manuel Alonso, natural do Ferrol, Galiza. Traduzido do artigo de Henrique Sanfiz Raposo, radiodifusion.eu.

http://caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt/41667.html

Augusto disse...

Entre meados de 1968 e início de 1971, andei embarcado na marinha mercante como Artífice. Recordo-me que, aquando da minha chamada para o serviço militar, já com 21 anos, me foi apresentada essa possibilidade, ou seja, a de fazer seis campanhas na pesca do bacalhau (ininterruptas), para ficar livre de ser incorporado. Obviamente não aceitei, apesar de estar consciente da possibilidade de ir parar a um dos piores cenários de guerra no ultramar, o que efectivamente veio a acontecer. Não me arrependo da decisão. Se tivesse aceite, sei que teriam sido tempos muito difíceis. Não sei mesmo se teria sido capaz de aguentar, apesar de o meu serviço ser na casa das máquinas e não na pesca propriamente dita. Era algo extremamente violento.
Augusto Silva Santos