segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10938: Notas de leitura (449): Palavras de um Defunto... Antes de o Ser, por Mário Tito, o nosso camarada Mário Serra de Oliveira (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Outubro de 2012: 

Queridos amigos,
O Mário Tito cumpriu a promessa, temos aqui uma passeata de quase toda a sua vida, é um gosto vê-lo divertido, desassossegado, nunca se queda numa linha principal, rapidamente bifurca em múltiplas considerações e só a custo tira conclusões. Dentro dessa bonomia, somos induzidos a vê-lo à frente de restaurantes antes e depois da independência. Trouxe Momo Turé do Grande Hotel para O Pelicano. Para quem já se esqueceu, Momo Turé foi invocado como o conspirador-mor em Conacri, um dos fautores do assassinato de Amílcar Cabral.
Lendo o Mário Tito, não é difícil perceber que foram acusações estapafúrdias, Momo não tinha estofo para dirigir aquela conspiração de guineenses. Ele promete mais revelações sobre aqueles tempos de Bissau. Vamos ver se essas revelações serão mesmo surpreendentes.

Um abraço do
Mário


Memórias do patrão de Momo Turé

Beja Santos

“Palavras de um defunto… antes de o ser!”, por Mário Tito, Chiado Editora, 2012, é uma extensa digressão da memória de um camponês que prestou serviço na Base Aérea 12 (Bissalanca, Guiné) durante o serviço militar, aqui ficou como encarregado de restaurante, proprietário, trabalhador na Embaixada dos EUA em Bissau e depois imigrante nos EUA. É um discurso fluido mesmo que propositadamente saia da linha principal e proceda a circunlóquios, parte do simples e arrasta as frases em novelo, confrontando o leitor com vários assuntos e rematando conclusões cujos dados nem sempre estão consignados nas premissas. Usa as exclamativas com generosidade, pouco preocupado com o fio da meada, somos atraídos até Alcaide, nas faldas da Gardunha, convocados para descrições de uma pobreza brutal, há mesmo fotografias com meninos de pé descalço, há fotografias de reuniões familiares, há muitos irmãos, está prestes a assentar praça mas a memória salta, indisciplinada, para recordações daquela Guiné-Bissau de grandes carências, logo a seguir à independência, trabalhava a mulher como cozinheira-governanta na residência do embaixador norte-americano e ele fazia o que podia para manter um restaurante de pé, não resistiam a andar sempre com uma garrafinha de azeite e pacotes de açúcar, o hábito faz o monge e podia-se chegar a um local onde havia peixe mas podia faltar azeite ou até um dente de alho.

Pois bem, este Mário Tito que viveu 14 anos e meio na Guiné, que trabalhou no Grande Hotel, que esteve como encarregado em O Pelicano, que teve A Tabanca e o Ninho de Santa Luzia a seu cargo, iniciou o seu périplo no RI 7, bateu à porta dos paraquedistas, que foi enviado para a BA 3, acabou na messe de Bissalanca. As suas lembranças voltam ao terrunho, ele não esconde o muito orgulho pelas origens e fala do esforço da sua mãe para que não faltasse o essencial, o pão de trigo, dois ou três pratos de sopa feita com feijão-frade e couve lombarda acompanhada por uma virada de pão de centeio e explica-nos que era uma ementa estudada para a sobrevivência, aquele pãozinho ia amolecendo dentro da sopa, uma pasta dentro do líquido, assim se enganava a fome. O Mário Tito não esconde a sua febre de escrever como se fosse arrastado pelo devaneio em que o discurso mistura vários passados e algum presente, pois que aquela infância gerou imensa solidariedade mas ele jamais esqueceu as atribulações de uma mesa onde tudo faltava mas o que havia era repartido. Um exemplo: “Nós comíamos o fígado cerca das 10 da manhã. À nossa conta éramos nove o ano todo, meus pais e meus irmãos e muitas vezes ainda repartíamos por duas famílias da vizinhança, com 3 filhos, duas raparigas e um filho cada, pelo facto que estas famílias também repartiam connosco quando vendessem qualquer porco ou cabra ou chibo”.

Parece que o Mário Tito não foi muito feliz em Bissalanca. Ele promete dedicar um livro intitulado “Bissaulónia” a toda a sua vivência, anda por Bissalanca como por vinha vindimada, chegámos gora ao restaurante O Pelicano e resolve fazer algumas considerações sobre o que escreve Oleg Ignatiev acerca de Momo ou Mamadu Turé no livro “Três tiros da PIDE”. Momo vivia com estreita ligação com Mário Tito. Um dia, Momo deu uma festa em sua casa e a seguir desapareceu. Mário Tito tinha feito a sua comissão nos anos de 1967 e 1968, arranjou logo trabalho em Bissau, no Grande Hotel. Quando O Pelicano abriu, em 14 de Novembro de 1969, Mário Tito levou consigo alguns elementos do Grande Hotel, entre eles o Momo. Chama mentiroso a Oleg Ignatiev quando este refere três dias depois de Momo sair da prisão do Tarrafal apareceu um novo chefe de sala em O Pelicano. Ora, alega Mário Tito, nessa altura nem O Pelicano sequer existia, Momo foi trabalhar para o Grande Hotel. A verdade é que a seguir ao desaparecimento de Momo vieram os agentes da DGS a O Pelicano, tirar nabos da púcara, tão discretamente como vivia tão discretamente Momo partiu para a clandestinidade. Lembra-se perfeitamente que Momo conversava em O Pelicano com Rafael Barbosa que aqui vinha beber a sua bebida predileta, a Laranjina C. E discorre sobre as razões do assassinato de Amílcar Cabral, ouviu mesmo agentes da DGS em Bissau que garantiam que não interessava às autoridades da Guiné que Cabral desaparecesse, era o único interlocutor com inteligência suficiente para a passagem do testemunho.

As suas lembranças de Bissau incluem um Rafael Barbosa que também frequentava o Ninho de Santa Luzia, este antigo presidente do PAIGC virá ser acusado de colaborador pelo PAIGC e de bombista pela DGS. Sucede que nunca houve provas suficientemente incriminatórias, Barbosa viu a sua sentença de morte comutada em prisão, é talvez a seguir a Amílcar Cabral o maior mistério da luta pela independência. As recordações de Mário Tito oscilam entre a messe de oficiais da Força Aérea, em Bissalanca, decide não regressar a Portugal, arranja um emprego no fraturante Solmar, no ano seguinte casou e trouxe a mulher para a Guiné.

É brejeiro, tem mesmo um arranjo muito próprio do “Piriquito vai para o mato”, alega que todos os arranjos são possíveis muito mais quando o autor é desconhecido. Com é tudo pouco comum neste discurso, agora sim, temo-lo em Bissalanca, há recordações dos passeios na península de Bissau, sai da Guiné e vai correr mundo. É um homem feliz com os amores, sente-se compensado por toda a iniciativa que demonstrou ter na restauração na Guiné, antes e depois da independência. Sente-se consolado por ter uma vida bem vivida, não esquece a aspereza de Alcaide, ter sido marçano em Lisboa, ter feito a Força Aérea onde teve uma comissão cheia de sorte, não conheceu dificuldades, afeiçoou-se à Guiné, serviu à mesa gente que ganhou notoriedade, num lado e no outro, fez o que pôde para trabalhar na Guiné, até ao impossível. E quer voltar a escrever, diz que tem muito a revelar sobre o quotidiano de Bissau depois da independência. Acha que se inventou um Momo Turé chefe de conspiração, acha tudo isso um puro delírio. E avisa-nos solenemente que a Bissaulónia vai deixar muita gente de boca à banda. Cá ficamos à espera.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10925: Notas de leitura (448): Amílcar Cabral, Unité et Lutte (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Anónimo disse...

Todas as leituras que fazes, umas mais outras menos importantes para o blog, mas todas ajudam a compreender melhor a guerra em que nos meteram.

A nós tugas e aos guineenses.

Queria aqui alertar-te que existe um livro de um antigo militante do MPLA, CARLOS PACHECO, que escreve um livro, "ANGOLA, um gigante com pés de Barro", em que documenta que tanto Amílcar Cabral, como Agostinho Neto tinham milhares de acções na Gulf Oil, (Cabinda Gulf).

(Além dos strellas soviéticos, dos petrodolares e da benção dos papas, estes portugueses, como digo sempre, eram os mais elucidados e capazes, e conseguiam tudo)

O aparte é meu, mas o assunto das acções vem na página 147 do livro.

É uma sugestão para as tuas leituras.

Antº Rosinha

Mario Tito disse...

Ao amigo Mário Beja Santos, com voto de bosaúde...um abraço e votos de longa vida. Ao Canaradas em geral...aqui vão as minhas fraternais saudações.

Entretanto, não tinha lido amensagem do camarada MBS publicada em Janeiro. Para ele, o meu obrigado por esras considerações extras.

Quanto ao "resto" da história...os meus planos eram regressar a Portugal e, já lá. com mais tempo e mais recursos, procurar "deslndar" o enredo que envolveu o Momo Turé.

Já disse mais que uma vez que, na véspera dele "desaparecer" (?) ou não comparecr ao trabalho no restaurante o PELICANO...one, ele e eu trabalhavamos, estive com toda minha família na casa dele localizada no chamado Pilão - um bairro famoso por "serviços" de necessidades "fisiológicas" dos homens desesperados sexualmente - e não só - bem como palco de algumas situações de insugarança. no aspecto que nunca se sabia se ali não se seria alvo de uma ataque pessoal.

Com tudo isto, os meus planos ainda não foram concretizados, se bem que continue a escrever o que a memória de permite.

Sinceramente, creio que estará ppr meses o regresso difinitivo. Assim o espero. Logo que isso suceda, dedicarei a amior parte do meu tempo na conclusão dos projectos que tenho alinhavados. "Bissaulónia " - livro dedicado á minha presneça na Guiné e, "SÓ SAÚDE" uma revista de culinária...tendo por base a "qualidade" em vez da quantidade.

Para tal, para quue os camaradas tomem nota, conto com a colaboraçao da minha mulher - chefe de cozinha por longos anos - desde Bissau, ao serviço do Emb dos EUA., em Washington, ao serviço do Emb. de Portugla e, posteriormemte por cerca de 20 anos, ao serviço de uma família...conforrme carta de referências publicada recentemente no FB.

Até lá, o meu obrigado ao camarada Beja Santos.