quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11125: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (5): Curtas férias em Cacine, CCAÇ 3520 (2)

1. Em mensagem do dia 24 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), enviou mais uma peripécia para a sua série Um amanuense em terras de Kako Baldé.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé

(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné) 


4.2 – Curtas férias em Cacine – CCAÇ 3520

Decorria o mês de Junho de 1973. Eu ainda era muito "pira", não tinha completado ainda 3 meses de Guiné. Vinha do "ar condicionado" e encontrava-me em Cacine, no meio de grande confusão, tropas pára-quedistas, fuzileiros, Marcelino da Mata, etc.
Felizmente em Cacine não faltava nada. Não faltava cerveja morna, não faltava uma pedra de gelo, por cabeça, às refeições, não faltava o arroz de "rolhas" (arroz com muito colorau e meia dúzia de rodelas de salsicha), etc., etc..
A CCAÇ 3520 era um Companhia farta. Farta de ali estar, farta de comer arroz de "rolhas", farta de esperar pela rendição.
Julgo que não cheguei a completar 4 semanas de "férias" naquela "estância balnear", mas foi o suficiente para imaginar uma estadia de 23 meses!
Tenho ideia de só ter comido arroz de "rolhas" durante aquele período. Posso estar enganado.
Comecei a dar mais valor ao "pessoal do mato".
Antes 527 serviços de Sargento da Guarda!

O Major Leal de Almeida lá continuava a fazer incursões por Gadamael e levava habitualmente consigo o outro Furriel.
O Major, além de me ter pedido, no início, para lhe dar um jeito no "estaminé", pouco mais me pediu para fazer. Apenas um ou outro "mail" para Bissau.
E eu..., andava por ali a ver as "bajudas"...!
Certo dia, ao fim da tarde, regressados os dois, via fluvial, a Cacine, o outro Furriel, visivelmente exausto, sujo e suado, vem ao meu encontro e, completamente alterado, atira-me:
- Porra, anda aqui um "gajo" a esfarrapar-se todo e a arriscar o "coiro" e tu aqui a "coçá-los"!

Eu, que nunca gostei que me falassem "de cima da burra" nem com aqueles modos e que, nestas situações, tinha o hábito de responder com alguma agressividade verbal, contive-me (acreditem que a cerveja morna faz um efeito "bestial") e, calma e sarcasticamente, retorqui-lhe:
- Djubi, eu sou Amanuense e não tenho lá muita queda para herói! Já viste bem este "cabedal"?! Além disso o Major nunca me "convidou para a festa"!

Deu meia volta a resmungar e não me recordo de ter tido mais qualquer conversa com ele.

Entretanto, eu ia jogando a "lerpa", bebendo umas "bejecas" mornas e convivendo com os Sargentos pára-quedistas (ah gente do "catano"!).
Recordo-me bem de um convívio nocturno na "messe" de Sargentos. Houve de tudo! Aguardente, fados, poesia, etc., tudo a roçar o "hard-core", claro! Gente espectacular, camaradagem excelente e com uma disciplina extraordinária, nomeadamente com o armamento.
Guardei na memória alguns versos de um fado cantado pelos "páras" com música do hino académico - "Amores de Estudante" e que, salvo erro, rezavam assim:

Quero, quero ir para Lisboa
Ai, ai, eu quero
Nem que seja de canoa
Eu quero ir
P'ra terra santa querida
Dizer adeus a esta merda
P'ro resto da minha vida

Pára-quedistas, homens nobres
Tanto ricos como pobres
Avançando pela mata
...
(e de mais não me recordo)

Ficou-me também na retina a imagem do 1º Sargento pára-quedista Vicente, evacuado para Cacine vindo de Gadamael, com um tiro numa perna, a aguardar evacuação para Bissau e com quem tinha convivido alegremente naquela noite.

A minha "guerra" lá foi continuando com a "lerpa", "as bejecas" mornas, o convívio com os "páras" e a excelente qualidade das instalações, nomeadamente o "balneário" de arrojado design e equipamento de conceituadas marcas.
O chuveiro apresentava uma característica completamente inovadora - era semi-automático, comandado por voz! Isto é: Em cima havia um bidão de lata que continha água e um furo na base inferior tapado com uma rolha acoplada à ponta de um pau. O "fabiano" que queria tomar banho tinha de "aparelhar" com outro que tivesse a mesma intenção. O primeiro colocava-se debaixo do bidão e o outro encarrapitava-se de modo a chegar ao pau. Quando o de baixo queria água, dizia: - "abre!" e a água caía. Se queria parar, dizia: - "pára", e a água parava! (sistema altamente sofisticado para a época). Findo o duche, era só trocar de posições e a coisa funcionava bem.

Entretanto, chega finalmente a Companhia que vinha substituir a CAÇ 3520. Esta entra em euforia e empenha-se rapidamente nas actividades para recepção dos novos "piras".
Não possuindo máquina fotográfica, vi-me impedido de registar aqueles actos solenes hilariantes.
Os "piras" não acharam muita piada à recepção. Pudera, entraram no avião em Figo Maduro com destino a S. Tomé e, quando aterraram, estavam na Guiné!
Pois é verdade, iam para S. Tomé e, a meio da viagem, o Comandante do avião terá recebido ordens para rumar a Bissalanca.
Pertencia a esta companhia o soldado Lemos, ex-futebolista do Boavista e, depois do F.C.Porto onde ficou célebre por ter marcado 4 golos ao Benfica no Estádio das Antas em jogo a contar para o Campeonato Nacional de Futebol, jogo que, por acaso, assisti ao vivo.

Em Cacine, esta Companhia tratou logo de abrir valas por todo lado, pois tendo Guileje sido abandonada e estando Gadamael a ferro e fogo, Cacine seria, muito provavelmente, o "freguês que se seguia".

Entretanto, saído não sei de onde, aparece-me um camarada e pergunta-me:
- Tu é que és o Magro?

Respondi que sim e ele:
- Deves ter uma cunha do "caraças"!
- Então porquê?
- Venho-te substituir. Estava sossegadinho em Bolama e mandaram-me para aqui para te substituir.

Nunca tive conhecimento de cunha alguma e atribuo o facto a pressões que o Dr. Dias terá feito junto do Chefe - Major Mário Lobão, por se encontrar, provavelmente, atafulhado em papelada. Nunca o soube.
Aproveitei boleia na LDM que transportou a CCAÇ 3520 para Bissau.
Saímos de Cacine ao fim da tarde e chegamos a Bissau na manhã do dia seguinte,

A partir dessa data eu seria, talvez, o Furriel/Sargento que melhor fazia a Guarda de Honra ao Brigadeiro Alberto da Silva Banazol!
Recordo-me de, logo após o meu regresso de Cacine e estando de Sargento da Guarda, ter dado ordem de: "Apresentar armas!" quando ele se colocou em sentido frente à Guarda, e o ter feito com tal vigor que o homem, depois de bater a pala e desandar, ao passar perto de mim, disse:
- "Isso, assim com garra!".

Estavam feitas as pazes!
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 6 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11067: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (4): Curtas férias em Cacine, CCAÇ 3520

17 comentários:

admor disse...

Os gajos toparam o teu jeito de mãos para a caneta e para a escrita e vai daí só podia dar" Amanuense". E para o ténis de mesa como os manos Rogério e Dálio também jogaste?
Continua com as tuas memórias pois de certeza que estás a agradar.
Um grande abraço.
Adriano Moreira

admor disse...

Caro Abílio Magro,
Era assim que o comentário acima devia ter começado, mas a pressa obriga a estes lapsos.
As minhas desculpas e mais um abraço.
Adriano Moreira

Abílio Magro disse...

Adriano Moreira que conhece os manos tenistas?"!
Quem será, será?
Também jogei ténis de mesa, mas na Escola, a feijões. Nunca fui atleta de alta competição como eles.
Nao sei quem é, mas abaço na mesma.

Agostinho Gaspar disse...


A minha caç em junho de 73 tambem foi para Cacine e Gadamael, talvez fizemos a viagem juntos na mesma LDG.Encontrei-me com o lemos no RI7 em Leiria e mais tarde em Cacine, nessa altura até houve um jogo de futebol com as tres forças armadas ,Fuzileiros ,Paraquedistas e o Exercito, o resultado não me lembro não sei se foi a equipe do Lemos que ganhou!!!!!!

Manue Reis disse...


Em Cacine eu encontrei o Paraísio caro amigo Abílio Magro. Fui bem recebido, o que nem sempre se verificava, para os que eram oriundos de Guileje. Mas depois da tormenta de Guileje e do Inferno de Gadamael encontrámos ali um porto seguro, onde a guerra ainda não chegara. Foi maravilhoso o tempo de repouso e convívio com os camaradas de Cacine e com as estórias deliciosas que o Major Leal de Almeida.
Um abraço amigo.
Manuel Reis

Anónimo disse...

Porra, Abílio, estiveste lá pouco tempo, mas ficaste a conhecer bem os cantos à casa e apreciaste a ementa especial e quase exclusiva daqueles dias! E viajaste connosco para Bissau ao fim de 23 meses de Cacine e Cameconde (para nós!)! Certamente que te conheci... mas não me lembro! Um grande abraço e saca aí mais umas históriasvde Cacine, igualmente agradáveis!
Juvenal Candeias

Anónimo disse...

Oh caríssimo amanuense A.Magro

Para tua informação,Cacine era uma estância balnear de 5 estrelas..mas como foste amanuense e passaste a maioria do tempo na "guerra da ventoinha.." tens desculpa.
Já em 74 aquilo até tinha "cinema" do bom.
Um 1.º sargento tinha uma máquina de 8 mm e passava umas "porno-chachadas" com uma gajas gordas e peludas...a mim em vez de me aumentar a líbido ..diminuía-ma..mas o defeito era meu de certeza..ah e o gajo cobrava bilhetes e tudo..tinha jeito para o negócio.

C.Martins

admor disse...

Caro Abílio Magro,
Eu também nunca fui atleta de alta competição como eles pois quando os defrontei já foi a nível do Inatel.
Eu jogava pela Caixa Geral de Depósitos e eles pela Cooperativa de Lordelo.
Quanto à Guiné também não comheço pessoalmente nada dessas paragens pois estive sempre no norte.(Bigene,Binta,Guidage e Barro e alguns dias em Bissau como é lógico).
Um grande abraço.
Adriano Moreira

Hélder Valério disse...

Caro camarada Abílio

Vários aspectos interessantes se poderiam tirar deste teu relato.

No entanto vou fixar-me apenas em dois:
O primeiro para salientar que, hoje em dia, se pode dizer que foste um privilegiado na guerra da Guiné.

É que sendo, alegadamente, um 'amanuense, porra!' supostamente destinado a permaneceres em Bissau toda a comissão, foste bafejado com a sorte de poderes ir presenciar 'in loco' o que se passava 'no mato' e respirar ao vivo o ar onde acontecimentos aconteciam.
Isso te permite reportar as memórias desses tempos e lugares, mesmo que 'no mato' estivesses a coçar qualquer coisa que não percebi.

Um outro aspecto tem a ver com a tua capacidade de nos transmitires de forma interessante as diversas peripécias que te foram ocorrendo, ou à tua volta, e isso leva-me a incentivar-te para continuares pois, como podes ver pelas reacções, há ainda muita gente que se gosta de rever nos teus relatos.

Finalmente aproveito para 'pegar' naquela tua certeza que depois da experiência de Cacine, e não só, passou a haver a 'melhor guarda de honra'. Nada como 'um susto' para nos 'arrimar', não é verdade?

Abraço
Hélder S.

Abílio Magro disse...

Camarada Helder Valente:
Essa de um Amanuense "supostamente destinado a permanecer em Bissau" é uma grande treta.
Nós, os Amanuenses, aguentavamos com variadíssimos tipos de serviços para além daquele do dia-a-dia.
Eu, efectivamente e após a estada em Cacine, deixei-me ficar por Bissau, pois era muito "caseirinho" e não gostava muito de viajar.
Mas estou a lembrar-me de um camarada nosso, da 4ª Rep., suponho, a quem tratavamos por "cangalheiro". Este camarada tratava dos funerais e correu a Guiné toda nessa tarefa. Lembro-me de que passou as "passas do Algarve" em Guidaje na altura da grande confusão.
Abraço

Abílio Magro disse...

Mensagens anteriores:




A partida -
A chegada -
O Sargento da Guarda -
Férias em Cacine - I

JD disse...

Caríssimo,
Faz o favor de não constranger a verve, como reacção às provocações que já andam no ar, e tudo o indica vão intensificar-se.
Digamos, que tiraste partido do destino, e guarda parao o fim, a revelação fantástica das relações que um parente teu mantinha com o senhor ministro.
Afia o lápis e rabisca, rabisca sempre com cuidados bem humurados, que garanto-te bons fluxos de leitores.
Umabraço
JD

Abílio Magro disse...

Camarada JD:
Não sei quais são as provocações a que te referes e desconheço também que tipo de relações poderá ter tido um parente meu com o ministro, como referes.
Já depois do 25 de Abril, nos Governos da Engª Maria de Lourdes Pintassilgo e do Engº Nobre da Costa, efectivamente um primo do meu pai, Acácio Magro como ele, foi Ministro.
Se é a isso que te referes, será esta a "revelação fantástica?!"
Ou será que o destinatário do teu comentário era outro?
Quando nos refugiamos no aninimato, tudo pode acontecer...
Abraço

Hélder Valério disse...

Caro camarada Abílio

Deixa-me, antes do mais, adiantar com algumas suposições, não vá acontecer interpretações erradas, como já tem acontecido.

As minhas observações continham alguma ironia, inspirada pela tua feliz expressão de "sou Amanuense, porra!", a qual, por si só, contém (continha) a ideia de que 'Amanuense não vai para o mato'...
Sabemos que não era assim, havia 'amanuenses' nos Batalhões, mas a expressão utilizada por um 'pira' (já relativo, é certo) acaba por ter um 'sabor literário' incontornável.
Foi isso que aproveitei para salientar, fazendo assim evidenciar os benefícios que nós, agora, tivemos dessa tua experiência, já que nos deste a conhecer essa 'aventura'.
Depois, bem, depois, temos o JD, que é como tem por hábito assinar os comentários o José Dinis.
Ora eu o JD não nos conhecíamos antes do Blogue e se temos alguns pontos de vista em comum haverá outros em que nem por isso...
Mas acontece que por via do facto de termos estado num mesmo local (em Piche) embora sem termos estado efectivamente juntos, foi-se gerando alguma 'empatia funcional' mas caracterizada por várias 'bicadas', já que peguei numa descrição que ele uma vez fez sobre o 'método pedagógico' que usava para resolver atritos no seio do deu Pelotão (o chamado pontapé no cu) e estou quase sempre a 'cobrar-lhe' essa metodologia.
Deste modo presumo, mas só isso, que seria a mim que ele se estaria a referir, enviesadamente, quando te alerta para 'provocações que já andam no ar e que se irão intensificar' motivado talvez por interpretar que as minhas observações sobre o 'amanuense no mato' seriam outra coisa que não agradecimento.
Feitios!

Abraço
Hélder S.

Abílio Magro disse...

Camarada Helder Valério:

Comprendido e entendido, publique-se.
Abraço com manga de ronco.

JD disse...

Não senhor! Não houve tiros no porta-aviões, nem o submarino foi ao fundo. Nada!
A que provocações me referia? às que se interrogam sobre a qualidade, ou a dimensão, ou a eficácia da cunha.
Quanto ao ministro, francamente não havia nenhum antes de haver, foi pura especulação, na esperança que o Abílio aguentasse a paródia, e tivesse um factor supletivo para especular.
Ora bolas! Ele não aproveitou a dica, que poderia não servir para nada de especial, mas revelou-nos uma linhagem ministerial-revolucionária.
Portanto, nada de mal. Salvo seja, que esse malvado do Valério anda constantemente a morder-me os calcanhares, e já mandou dizer, que depois da reportagem sobre a grande quantidade de xutos que lhe dei, na próxima vez não vai comparecer no encontro da Magnífica Tabanca da Linha. Verá-se!
Para vós ambos os dois em especial, e para o Tabancal em geral, vai um grande abraço.
JD (aquele que o outro identificou)

Abílio Magro disse...

EHEHEHEHEH
Que dois "gandulos" me sairam na rifa!
Tou feito ao bife!
E eu a pensar que era o reguila cá do sítio!
Em que bolanha eu me vim meter!
Abraços a ambos os 3 (eu tb conto).