segunda-feira, 8 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11358: Meu pai, meu velho, meu camarada (38): Evocando a figura de Luís Henriques (1920-2012) que há precisamente um ano se despedia da terra da alegria (Luís Graça / Pedro Martins)


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1942 > "No dia em que fiz 22 anos, em S. Vicente, C. Verde. 19/8/1942. Luís Henriques " [, 1º cabo inf, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, 1941/43, entretanto integrado no RI 23].


Lourinhã > c. 1920 > A mãe, muito querida, de Luís Henriques, que morreu, em 1922, quando ele tinha 2 anos de idade. O meu pai tinha raízes na Lourinhã: pelo lado do seu pai, Domingos Henriques  , no Montoito, e pelo lado da avó materna, Maria Augusta de Sousa, em Ribamar (clã Maçarico). Sua mãe, Alvarina de Jesus, morreu jovem, em 1922, de tuberculose, fato que o marcaria para toda a vida: a mãe nunca lhe pôde dar um beijo, afagava-lhe o rosto com a ponta dos dedos!... E nos seus três últimos dias de existência, em que eu tive o privilégio de o acompanhar no seu leito de morte, evocou o nome da mãe Alvarina, por mais de um vez. Tinha uma enorme afeição por ela. O pai, Domingos Henriques, casou três vezes: do primeiro casamento, não teve filhos; do segundo teve dois, Luís e Domingos; e do terceiro, teve onze... Era um homem remediado, com "sete propriedades": arruinou-se com os amigos e com tantos... filhos. Ainda o conheci, de muletas e de beata ao canto da boca... (LG).


Lourinhã > 6/12/1942 > Nazaré, Maria Adelaide e Ascensão, três vizinhas e amigas de Luís Henriques, fotografada na ponte sobre o Rio Grande, Lourinhã Foto enviada para o amigo e vizinho, expedicionário em Cabo Verde, com "votos de verdadeira e sincera amizade". A primeira parte da legenda é ilegível. Lembro-te de todas elas. A Maria Adelaide já morreu. Da Ascensão perdi-lhe o rasto. A Nazaré, conhecia-a bem, era a tia da Mariete, a família toda foi para a América, com a família no em meados dos anos 50. E julgo que casou lá... Será que ainda é viva ? Era "ajuntadeira" (costureira de calçado), e trabalhou muito para o meu pai, sapateiro, que dava trabalho a muita gente na Lourinhã. Lembro-me bem a ti Adelina, mãe da Nazaré, nossa vizinha, e que era um, espécie de curandeira lá do bairro... Nós morávamos na rua dos Valados, ou do Castelo, e elas na rua, paralela, a do Clube... Quando puto, e quando doente, ela - a tia Adelina - aplicava-me as suas mezinhas, receitas da medicina popular com séculos de eficácia simbólica e terapêutica... Lembro-me, com repulsa, das suas unturas, na garganta, feitas com merda e gordura de galinha, para tratar da papeira... (LG)


Lourinhã > s/d [. década de 1940] > Julgo tratar-se da comissão de festas da Confraria de N. Sra. dos Anjos, de que fez parte o meu pai [,o primeiro á direita], mas também o seu primo António de Sousa, já falecido, músico, saxofonista,  fundador do conjunto  Dó Ré Mi [, primeiro à esquerda] e o meio-irmão do meu pai, José, de alcunha Vassourinha [, segundo à esquerda]... Reconheço ainda o seu primo Abel Sousa, o quinto a contar da esquerda, entre o João Pinheiro e o Rei (tesoureiro da CML)... Reconheço ainda o pai do meu querido e falecido amigo João Manuel Delgado: era carpinteiro,  o quarto a contar da direita.. (LG).


Cabo Verde > S. Vicente > Julho de 1942 > "Num dos quintais dos aquartelamentos do Monte num grupo de amigos e, entre eles, Luís Henriques [, o segundo do lado esquerdo, na 2ª fila,] que ia para os treinos do voleibol".


Cabo Verde > S. Vicente > 1/12/1942 > "Uma das fases do jogo de voleibol no dia da festa da Restauração, organizada pelo R. I.  nº 5, em Lazareto, 1/12/1942, S. Vicente, C.Verde. Luís Henriques".



Cabo Verde > S. Vicente > 1943 > Postal da época, "Coladeira do S. João"  [ou cola san djon] >  Legenda no verso da foto (a tinta verde, já quase ilegível): "Dançando o batuque (sic) na Ribeira de São João, no dia de São João , no interior (?) de São Vicente. Luís Henriques. 24/6/1943". [A festa de São João Baptista  continua a ser uma das festividades maiores das ilhas do Barlavento  e da comunidade caboverdiana da diáspora, por exemplo, no bairro da Cova da Moura, Amadora; ainda hoje, "em São Vicente a festa decorre na Ribeira de Julião, localidade que dista poucos quilómetros da cidade do Mindelo. Mesquitela Lima descreve-a como uma espécie de romaria onde há de tudo um pouco: Missa, comeres, beberes e dança, acompanhada de tambores e de apitos. A dança é a umbicada. A anteceder o dia de São João Baptista, coincidindo com a festa pagã do solstício de Junho, há o tradicional saltar da fogueira (lumenaras)" .

 Fotos: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados [Legendas de Luís Henriques e de L.G.]


Lourinhã > s/ d [, c. década de 50] > Praça da República: praça dos automóveis de aluguer. E, ao fundo, a Rua Grande. Postal ilustrado. Edição do GEAL - Museu da Lourinhã. [Reproduzido com a devida vénia].

Do lado esquerdo, não visível na foto, ficava a Escola do Ensino Primário Conde de Ferreira onde eu estudei (1954/58), infelizmente já deitada abaixo tal como o coreto, ao lado da Igreja Matriz, antiga igreja do convento dos Franciscanos (e moinumento nacional). O coreto  vê-se melhor  na foto a seguir...

A rua que se vê ao fundo era (e ainda é) uma rua bonita, do Séc. XVIII... Para nós, era a Rua Grande, por onde passava todo o trânsito local, regional e nacional (Felizmente, hoje é uma rua pedonal)...

A política do bota-abaixismo do presidente da Câmara Municipal, Licínio Cruz  (, lourinhanense, e ainda para mais arquiteto!), deposto com o 25 de Abril de 1974, levou à perda deste belíssimo património edificado, a escola e o coreto... O edifício, nas traseiras da praça de táxis, também já não existe... O resto da Praça da República mantêm-se de pé, em especial os edifícios do lado direito  (antigos edifícios da Repartição de Finanças e do Tribunal da Comarca; neste último está instalado o Museu da Lourinhã - ou Museu dos Dinossauros -  onde se pode ver uma das mais valiosas colecções paleontológicas da Europa). (LG).



Lourinhã > s/ d [, c. década de 50] > Praça da República: o velho coreto [, demolido no princípio dos anos 70,]. Este foi um dos  lugares (mágicos) das brincadeiras da minha infância: era aqui, neste empedrado que, na hora do recreio escolar, jogávamos ao "hoquei em patins"... sem patins e com "sticks" de pau de tramagueira... Era também aqui que ouvíamos os concertos da Banda da Lourinhã, fundada em 2 de janeiro de 1878... Postal ilustrado. Edição do GEAL - Museu da Lourinhã. [Reproduzido com a devida vénia]. (LG).


1. Faz hoje um ano que se despediu desta terra da alegria (parafraseando o título do último livro do poeta Ruy Belo, publicado em vida, Despeço-me da terra da alegria, 1978) o homem simples e bom que foi o meu pai, meu velho e meu camarada Luís Henriques (19/8/1920-8/4/2012).

Reproduzo aqui, com a devida vénia, um texto de opinião, do jornalista da RTP, Pedro Martins, lourinhanense, publicado no blogue Lourinhã Local, e que é um singela e sincera homenagem ao seu antigo treinador, Luis Henriques, popular e carinhosamente conhecido como o Ti Luís Sapateiro...

A Lourinhã, a sua terra, Cabo Verde (e em particular a ilha de São Vicente), onde esteve 26 meses como expedicionário durante a II Guerra Mundial,  e o futebol, de que foi praticante e treinador, foram três paixões do meu pai. Recordá-lo é cultivar a sua memória e cultivar a memória é de algum modo, tentar imortalizar alguém, mesmo que essa seja uma forma, ingénua  mas muita humana, de lutarmos contra o efeito devastador e irreversível da morte que nos aparta, para sempre, dos nossos entes queridos...

Ainda ontem estive no cemitério da Lourinhã, junto ao seu jazigo. E falei com ele, em voz alta,. como costumo fazer, sem receio do ridículo. É a minha maneira, muito pessoal, a par da escrita e da fotografia, de fazer o luto pela sua perda. Faz hoje um ano, que ele se despediu de nós, para sempre. Escolheu um domingo de Páscoa, e uma manhã soalheira para se despedir da terra da alegria, e daqueles de quem mais amava, os seus filhos, netos e bisnetos... Já a sua  "Maria, minha cachopa", a viver no mesmo lar em que ambos estavam, desde 2008,  ainda hoje tem a convicção que ele anda por ali perto: "não está aqui, foi trabalhar"... Para mim, e para a sua família e amigos, ele estará sempre por ali, nos labirintos da memória, mesmo que eu oiça o poeta (e meu vizinho, ali da Praia da Consolação) dizer:

(...) Chegou enfim o tempo do adeus
Ouço a canção efémera das coisas
despeço-me da terra da alegria
já reconheço a música da morte (...)

(Ruy Belo, in Todos os Poemas. Lisboa: Assírio & Alvim, 2000, p. 624) (LG)


3. Blogue Lourinhã Local > 26 de fevereiro de 2013 > ; "Ti Luís Sapateiro - o mestre do fair-play", por Pedro Martins

Os recentes incidentes durante os jogos Sp. Braga-Paços de Ferreira e V. Guimarães B-Sp. Baga B voltam a colocar,  em primeiro plano da atualidade desportiva, a questão da violência nos recintos desportivos.

A possibilidade que os clubes têm atualmente – em tempo de crise  –  de poderem poupar uns trocos no policiamento é uma verdadeira bomba relógio. Afinal como é possível que em certos jogos sejam os stewards (assistentes de recintos desportivos) os únicos a zelar pela segurança de todos?!

Receio realmente que a situação possa ainda piorar mais no futuro, caso os responsáveis governamentais e do futebol português não alterem um regulamento que é um verdadeiro aliado daqueles “adeptos” que se deslocam aos estádios (ou pavilhões) apenas com um intuito: o de derrotar/aniquilar os inimigos através da violência física.

Será que vai ser preciso esperar por uma morte num estádio para tomar medidas drásticas? Não quero acreditar nessa hipótese. E nem de propósito. Este domingo ao fazer um jogo de futsal tomei conhecimento de uma importante e louvável iniciativa dos responsáveis pela modalidade no Sporting. Durante uma semana, atletas, treinadores e dirigentes do clube, mas também alunos de várias escolas do concelho de Odivelas, tomaram contato com o Plano Nacional de Ética no Desporto (PNED).

Mas afinal o que é o PNED? Nada mais, nada menos que um conjunto de iniciativas planificadas por parte do governo que visam promover os valores inerentes à prática desportiva, como o fair-play, o respeito pelas regras do jogo, o respeito pelo outro, o jogo limpo, a responsabilidade, a amizade, a relação e a interajuda entre todos os agentes desportivos.

Algo que tem de ser incutido aos desportistas logo em criança mas também, e acima de tudo aos pais, muitas vezes os primeiros responsáveis por situações delicadas no desporto mais jovem, principalmente no futebol.

Quem já não assistiu a um jogo de formação e ficou horrorizado com o comportamento de alguns pais nas bancadas? Um péssimo exemplo para os filhos, numa altura em que estes estão a dar os primeiros passos no desporto.


Estádio do Sporting Clube Lourinhanense (SCL) > 8 de fevereiro de 2003 > Homenagem, ainda em vida, ao sócio nº 1 do SCL, Luís Henriques (1920-2013). Ao centro, o meu pai, já de muletas, tendo à sua direita o presidente do município, José Manuel Custódio (, e também presidente da assembleia geral do clube), e à esquerda o diretor do SCL, Miguel Fernando Oliveira Pinto (O SCL foi fundado em 26 de Março de 1926, sendo a filial nº 24 do Sporting Clube de Portugal.  (LG)

Foto: Cortesia do blogue Lourinhã Local (2013) e do blogue do neto, André Henriques Anastácio (2012)



E depois também não nos podemos esquecer do (importante) papel que têm os treinadores no crescimento desportivo dos jovens atletas. São eles os primeiros a ensinar que não se pode ganhar com batota, que é preciso respeitar os adversários e os árbitros, além de que devem também ser eles a exigir aos jovens o máximo de fair-play, combater a violência e proibir o tal jogo duro.

Daí que não possa deixar de aqui recordar com muita saudade o ser humano que maiores conhecimentos me transmitiu no futebol, ainda nos meus tempos de criança na Lourinhã. Não esquecendo aquele que foi o meu primeiro treinador (o senhor Germano, do Casal Juncal), foi no entanto o Ti Luís Sapateiro a pessoa que sem dúvida me marcou mais quando comecei a dar os meus primeiros passos como desportista. A mim mas não só. Pelas mãos deste treinador “à moda antiga” passaram muitos jovens do concelho da Lourinhã.

Infelizmente o Ti Luís Sapateiro deixou-nos há cerca de um ano mas a sua memória continua bem viva. Aquele que chegou a ser o sócio número um do Lourinhanense tinha sempre uma palavra amiga, um sorriso no rosto e um enorme respeito por todos os agentes desportivos. Ainda hoje recordo com muita saudade, os conselhos que nos dava... e quase sempre em frases que rimavam.

Que falta fazem hoje em dia, no desporto português, pessoas como o Ti Luís Sapateiro.

Pedro Martins

[Reproduzido aqui com a devida vénia]
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11275: Meu pai, meu velho, meu camarada (37): Memórias do Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, no dia do pai...

9 comentários:

joaquim disse...

Um abraço amigo Luís!

Joaquim Mexia Alves

Tony Borie disse...

Olá Luis.
Como é bom lembrar os nossos, aqueles que nos foram queridos.
As fotos, são uma preciosidade, a sua conservação é rara.
Parabéns.
Um abraço, Tony Borie.

Elvas Militar disse...

É sempre com prazer que leio os seus "artigos". A sua descrição é rica em sentimentos cheia de ternura. Concordo realmente com o Sr.º Tony Borie no que concerne às suas fotos, verdadeiros documentos históricos.
Aliás este blogue é importante pois permite além de preservar a memória dos antigos combatentes, das suas vivências e dos lugares por onde passaram (nunca me canso de afirmar isto).
Obrigado pela partilha

Henrique Cerqueira disse...

Meu pai ,meu velho ,meu camarada.
Luís sempre que escreves sobre o teu velho camarada e pai.É como se uma onda de ternura se estenda neste blogue.Fazes sempre com que sinta uma saudade imensa do meu pai,pois que ele também foi militar e contava-me muitas estórias da sua vida militar passada principalmente em Tancos.Pois que a sua especialidade era minas e armadilhas.Além disso segundo ele contava e ás veses confirmado por antigos camaradas o meu pai era um tanto ó quanto rebelde em relação á "autoridade"mas sempre que lhe eram atribuidas missões era altamente competente.Penso até que chegou a ser medalhado na execução dum exercício em conjunto com tropas estrangeiras em Tancos.
Ou seja Luís é bom lembrarmos o nosso pai,nosso camarada.
Um abraço
Henrique Cerqueira

Luís Graça disse...

Henrique, tens aqui um espaço e uma série... justamente para homenagear e lembrar o teu "velho"...

Tens fotos do tempo da tropa dele ? Tancos, etc. ? Manda e faz um pequeno texto de apresentação... Obrigado pelas tuas palavrasn de conforto. LG

José Botelho Colaço disse...

Luís se é como dizem que os nossos mortos nos acompanham na vida o teu pai,teu velho como gostas de lhe chamar é também um privilegiado.

Um abraço.
Colaço

Luís Graça disse...

Confesso que tenho um fascínio pelas velhas fotografias amarelecidas dos nossos álbuns de família... Elas contam muitas histórias... Seria uma pena perderem-se, a par da tralha velha que deitamos fora quando mudamos de casa ou fazemos partilhas...

Daí o nosso dever de memória... De resto, como diz o nosso povo, "o que não é lembrado, não é dado, nem agradecido"...

José Marcelino Martins disse...

Henrique Cerqueira

Não sei se tens elementos sobre a vida militar do teu pai, mas isso é possível saber.
Poder contactar com o Arquivo Geral do Exército (Convento de Chelas Largo de Chelas
1949-010 Lisboa) ou E-mail: arqgex@mail.exercito.pt e com o nome, data de nascimento e concelho de recenseamento, podem dar elementos sobre o que existe no processo individual do teu pai ou de outro familiar.
Foi assim que obtive os processos do meu bisavô, avô e tios, exactamente para a rubrica em causa. Falta localizar, apenas um tio.avô.
Abraço

Carlos Vinhal disse...

Luís
Dizia-me um destes dias a Dina que deveria estar a fazer um ano que o teu teria falecido. Agora, ao fazer uma pesquisa na série In Memoriam, encontrei esta bonita homenagem ao senhor teu pai que confesso me passou despercebida.
Confesso que me sinto ainda um pouco sensível a estas manifestações e que por isso me comovi "um pouco".
Um abraço solidário para ti porque um ano não é nada quando se fala da partida de quem nos deu a vida.
Onde quer que te esteja a ver, o teu velhote há-de sentir um grande orgulho em ti.
Carlos