segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12148: Notas de leitura (525): "Do Estado Novo ao 25 de Abril", por Mário Matos e Lemos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Junho de 2013:

Queridos amigos,
As tentativas de sublevação ocorridas em 1931 tiveram a especificidade de procurar o levantamento dos republicanos nas Ilhas Adjacentes e colónias. Foram revoltas efémeras, prontamente sufocadas. Mas na Guiné os revoltosos depuseram o governador e de Abril para Maio de 1931 intitularam-se membros da “Revolução Triunfante”, como se depreende da leitura deste artigo houve apoios de militares e civis e a classe dirigente local também fez a sua profissão de fé republicana.
Finda a revolta, comerciantes e funcionalismo declaram estar do lado da Ditadura e procuraram demonstrar ter sido coagidos pelos republicanos.
Histórias que já ouvimos mil vezes. Nada ficou como dantes após as revoltas na Madeira, Açores e Guiné, em 1931. As nomeações passam a ser de pura confiança política e a polícia do regime ficou mais desperta, infiltrou-se nas próprias Forças Armadas.
Em 1933, desaparecia formalmente a Ditadura, entrava-se em período constitucional sob a égide da União Nacional. Salazar tornava-se incontestável. E admirado, com o “milagre financeiro” e a forma como irá gerir os interesses do regime face à Guerra Civil de Espanha.

Um abraço do
Mário


A “Revolução Triunfante”, Guiné, 1931

Beja Santos

Nem tudo foi pacífico, como é sabido, com a implantação da Ditadura Nacional, a seguir ao 28 de Maio de 1926. A Ditadura impôs-se com um conjunto de proibições que, progressivamente, jugularam a movimentação popular. Seja como for, ao nível das Forças Armadas e da oposição política eclodiram várias revoltas, todas elas abafadas. Uma delas, teve como palcos a Madeira, os Açores e a Guiné, com bons resultados imediatos, ainda que efémeros, noutras regiões, como S. Tomé e Moçambique, foram abafadas no embrião. A sublevação veio na sequência da Revolta da Farinha, numa conjuntura extremamente negativa ditada pelas sequelas da crise iniciada em 1929.

Mário Matos e Lemos, na altura adido cultural na embaixada de Portugal na Guiné-Bissau, deu à estampa no número especial “Do Estado Novo ao 25 de Abril”, da Revista de História das Ideias, publicação anual do Instituto de História da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Vol. 17 – 1995), o artigo "A Revolução Triunfante”, Guiné – 1931. Questão em análise: o que se passou na Guiné, nessas três semanas revoltosas de 1931?

Quando na colónia foi conhecida a notícia da sublevação na Madeira, o governador Leite de Magalhães, ordenou a prisão de três elementos que, em seu entender, deveriam apresentar maior grau de risco: o capitão e advogado Dr. Marcial Pimentel Ermitão e os Srs Amílcar Dias e José Mota.

Acontece que os republicanos de Bissau e Bolama, alguns deles deportados por motivos políticos e eventualmente já contatados pelos revoltosos da Madeira, reuniram-se imediatamente e tomaram a decisão de se revoltarem. O capitão e engenheiro Júlio Lapa deslocou-se em 9 de Abril a Bissau a fim de conferenciar com o governador Leite de Magalhães, dando conta das razões e intenções dos sublevados. O capitão Lapa teria mesmo pedido ao governador que, uma vez que o seu mandato praticamente terminara, entregasse o cargo, assim se evitaria a sublevação armada.

Leite Magalhães pediu uma moratória de 24 horas, a fim de telegrafar para Lisboa a solicitar indicação da pessoa a quem deveria entregar o governo. Não veio resposta e ele então pediu aos revoltosos que desencadeassem a ação para o dia 20, com o propósito de embarcar imediatamente para Lisboa. Sucede que Leite de Magalhães foi reconduzido; a revolução estalou na madrugada do dia 17. Civis que tinham chegado de Bissau, acompanhados pelo capitão Lapa e Almeida Júnior dirigiram-se para um local previamente combinado, aqui se fez a junção de civis e militares. Entraram na residência do Governo e comunicaram a Leite de Magalhães que a revolução triunfara. Recusada a intimação, os revoltosos declararam o governador destituído. Os oficiais que não aderiram foram conduzidos sob prisão para o Armazém da Alfândega. Isto em Bolama. Em Bissau, o propósito era tomar a fortaleza de S. José, o comandante do Corpo de Polícia foi convidado a aderir ou a entregar-se, preferiu entregar-se. Os capitães Marcial Pimental Ermitão e José Joaquim de Oliveira Pegado e o tenente Oliveira Lima tomaram conta da fortaleza. Escrevia-se em O Comércio da Guiné de 18 de Abril: “os populares que em grande número se agrupavam no largo fronteiro irromperam em vivas vibrantes à Pátria e à República Constitucional enquanto a força apresentava armas”.

O Comité Revolucionário de Bissau mandou afixar em lugares públicos uma proclamação dirigida “ao povo da Guiné”, dando conta que ia ser constituída uma junta governativa de que fariam parte as individualidades mais prestigiosos da colónia. Enviaram-se telegramas a Carmona e aos outros governadores coloniais bem como aos governos militares da Madeira e dos Açores. Informaram-se dos cônsules da França e da Bélgica em Bissau de que se ia manter a ordem e o tráfego marítimo decorreria sem alterações. Constituiu-se a Junta Governativa, da qual se escolheu um Comité Executivo. Surgem medidas legislativas respeitantes à nova ordem política e o Boletim Oficial irá publicar o termo de posse do Dr. Monteiro Filipe, tenente-coronel médico, a mais destacada personalidade do Comité Executivo, teriam assistido ao evento funcionários portugueses, membros da pequena burguesia local, o ato fora firmado por ascendentes de várias famílias ainda hoje importantes ou conhecidas da Guiné, caso dos Cabral d’Almada, os Davyes, os Évora, os Pinto Bull bem como o funcionário e escritor Fausto Duarte. Abriu-se um crédito extraordinário de 100 mil escudos para custear as despesas do Movimento Revolucionário. Foram demitidos funcionários, mandou-se prender o gerente do Banco Nacional Ultramarino, o governador e outros oficiais que não tinham aderido iriam ser mandados para a Madeira. Leite Magalhães foi reencaminhado para Lisboa, recebido por Armindo Monteiro, ministro das Colónias, este informou-o que iria reembarcar para a Guiné, na Madeira e nos Açores os revoltosos já tinham deposto armas.

Entretanto, o Governo em Lisboa tomou disposições para dominar a revolta na Guiné: foi nomeado um novo encarregado do Governo, major Soares Zilhão, encetaram-se conversações com o representante dos revoltosos, Dr. Santos Monteiro, para que os rebeldes abandonassem a colónia com liberdade assegurada. Os revoltosos, na sua maioria, não aceitaram esta proposta e escreveu-se mesmo: “nós, os oficiais que retiramos, somos acima de tudo portugueses e ser-nos-ia muito penoso que, após a nossa saída e por virtude dela, se praticassem atos que poderão pôr em risco a nossa integridade e a soberania em África”. E escrevem ao major Soares Zilhão assumindo completa e plena responsabilidade dos seus atos, apelando a que não fossem responsabilizados nem alvo de qualquer sanção vários militares e civis. Como escreve Matos e Lemos, avultou o caráter do Dr. Santos Monteiro que, nada tendo a ver com a preparação, nem a eclosão do movimento, mas como republicano que era, aceitou a hora da desgraça. Os revoltosos começaram a abandonar a Guiné a partir de 1 de Maio, a 6 já estava nomeado como encarregado do Governo José Alves Ferreira, a 8 o major Soares Zilhão tomava posse do seu cargo. Era o fim da revolta, foram anulados todos os diplomas dos revoltosos. Muitos deles não tiveram problemas, caso de Fausto Duarte ou de Caetano Filomeno de Sá. Houve tratamentos de benevolência, outros foram encarcerados, outros partiram para o exílio e outros foram deportados. Monteiro Filipe, Santos Monteiro e Gabriel Teixeira foram demitidos das funções públicas.

Em finais de 1932, foi publicado o Decreto nº 21.943 que concedia uma amnistia a muitos dos implicados em crimes políticos, mas que não se aplicava “àqueles que vão indicados na lista anexa a este Decreto e que dele fica fazendo parte integrante”. Essa lista continha 50 nomes de homens aos quais o regime não perdoava. Entre eles, quatro dos revoltosos da Guiné: comandante Gonçalo Monteiro Filipe, comandante de engenharia Júlio Carlos Faria Lapa, capitão Dr. Marcial Pimentel Ermitão e Dr. João dos Santos Monteiro.

O autor reproduz o rosto dos suplementos do Boletim Oficial da Colónia da Guiné com os principais atos da Junta Governativa.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12128: Notas de leitura (524): (Mário Beja Santos): Reportagem do enviado especial do Diário de Lisboa, Avelino Rodrigues, CTIG, agosto de 1972

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Em 1931 ainda as revoltas eram sem a PIDE ou a PVDE.

A tal revolta da Farinha na Madeira deve ser a tal revolta que Alberto João Jardim diz no Chão da Lagoa que os Madeirenses pagavam um imposto especial com que Salazar os castigou.

Mas em 1931 o Salazar só era ministro das finanças.

Parece que só em 1933 com a PIDE (PVDE) é que Portugal parou com as revoltas semanais ou mensais desde a morte de D.Carlos até ao 25 de Abril.

Pareciamos a Guiné actual.