domingo, 3 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12246: O Nosso Livro de Visitas (168): Elisabete Gonçalves, filha do nosso camarada Victor Gonçalves, Sargento-Chefe que pertenceu à CCAÇ 4142 (Ganjauará, 1972/74)

1. Mensagem de Elisabete Gonçalves (filha do nosso camarada Victor Gonçalves, Sargento-Chefe de Inf que fez parte da CCAÇ 4142, Ganjauará, 1972/74), com data de 22 de Outubro de 2013:

Caros Senhores,
Tenho vindo a publicar vários textos com memórias do meu pai, tendo sido bem aceites por camaradas e grupos do facebook. Se o achar digno de publicação no seu blogue, disponha.

Um abraço.
Elisabete Gonçalves



Guiné - Região de Quínara - Mapa de Fulacunda (1955) / Escala 1 por 50 mil - Posição relativa da Península Gampará e do destacamento de Ganjauará à guarda da CCAÇ 4142.

Ainda hoje, no desespero com que nos obriga a comer a última folhinha de alface da terrina da salada, eu sei que é verdade que nos 730 dias que passou em Gampará, aturdido em trincheira com o quase permanente arraial dos tiros de canhão sem recuo e mísseis (soviéticos?) dos “turras”, a beber água de um poço profundíssimo que entupia o sorvedouro com rãs e tão pouca que apenas dava para o rancho, em que o banho era tomado debaixo do pingante do telhado de zinco, esperando de sabão e toalha na mão que viesse a chuvada depois do aviso do trovão ao longe... que os parcos legumes frescos que comeu se contam pelos dedos da mão.

Sei-o na raiva com que não deixa ficar nada que seja verde no prato, mesmo que esteja já satisfeito... que é verdade!

Gampará ficava apenas a 60 km de Bissau e facilmente alcançável rio Geba acima, tal como fez o navegador Diogo Gomes no ano de 1456, numa planura que faz sentir à altura de 6 metros as marés do Atlântico. Um dos rios que são dele afluentes, o Corubal, faz no subir de maré alta o estranhíssimo “macaréu”, que ao fazer uma onda de quase três metros rio acima, obriga a saltar das pirogas os navegantes de “água-que-deveria-ser -doce", (...mas é apenas salgada e barrenta!) em verdadeiro pânico. A gigantesca onda varre tudo à sua passagem, galgando margens até se desfazer vencida por uma cota mais alta.

Do outro lado do rio,  mesmo em frente da península de Gampará.  fica Porto Gole, onde em "zebros" foram buscar gatos bravos, que os esfarraparam de arranhadelas na renitência de se verem metidos em sacos de serapilheira que antes estavam cheios de batatas, para debelarem a praga de ratos que assolou a península dos “Herdeiros de Gampará”... e a preciosa despensa da Companhia.

Durante dois anos, apenas interrompidos por uma breve visita à Metrópole que mal deu para afogar as saudades, a Companhia de Caçadores 4142 sobreviveu e resistiu, em surdez colectiva ao tiroteio cerrado, à escassez de alimentos frescos, ao racionamento da água potável, aos mosquitos e ratazanas, ao paludismo, ao calor húmido e abafado dos trópicos, ao macaréu... sucumbindo apenas às intermináveis barrigas de "lutador de Sumô” que lhes fazia a cerveja, mesmo no contragosto de quem nada mais tem de fresco para beber. Nas fotos que enviava, quase sempre em tronco nu, calções e grande bigode, invariavelmente a legenda dizia, depois dos beijos e saudades: “Pareço o Gungunhana!”

O 25 de Abril apanhou-o de surpresa em Bissau enquanto saia do Banco, fardado e de maleta preta com o dinheiro para pagar à Companhia, que preparava o tão ansiado regresso.

Às pauladas que o puseram como Cristo, a “esguichar sangue” cara abaixo, que lhe deu a turba eufórica de Guineenses que festejava a “queda do Império”, reagiu calado e aceitou-as sem se defender em troca de proteger a mala contra o peito... com o único “passaporte” que lhes garantiria o regresso.

Depois de dias a fio com músculos retesados da vigília, noites de sonos interrompidos e nunca silenciosos no medo de ter a garganta cortada à catanada, encontro agora explicação para os saltos de pânico que ainda hoje, volvidos tantos anos, dá em grito de “Que foi isto?!, quando no silêncio de uma casa na hora de almoço... se deixa cair um garfo estridente, na tijoleira da cozinha.

Chama-se a isto, sei-o agora, “Síndrome de Guerra”!
(Com Victor Gonçalves, Sargento Chefe de Infantaria, meu Pai).

Elisabete Gonçalves

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Sobre a CCAÇ 4142/72

Unidade Mobilizadora: RI 1 (Amadora)
CMDT: Cap Mil Cav Fernando da Costa Duarte
Partida: 16SET72
Regresso: 25AGO74


Síntese da actividade operacional:

Após realização da IAO, de 20SET72 a 17OUT72, no CMI, em Cumeré, seguiu em 18OUT72 para Ganjauará, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CART 3417.

Em 15NOV72, assumiu a responsabilidade do subsector de Ganjauará, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 7 e depois do BART 6562/72, tendo orientado a sua actividade para a redução do esforço inimigo na região e coordenação dos trabalhos de reordenamento das populações.

Em 01AGO74, foi rendida no subsector de Ganjauará pela 2.ª Companhia do BCAÇ 4612/72, recolhendo a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

(Pág. 413 da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) - 7.º Volume - Fichas das Unidades-  Tomo II - Guiné)

OBS:- Emblema da colecção do nosso camarada Carlos Coutinho
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11873: O Nosso Livro de Visitas (167): Francisco Maria Magalhães Batista, ex-Alf Mil, integrado na CART 2732 em Setembro de 1971 (Carlos Vinhal)

9 comentários:

Luís Graça disse...

1. Carlos:

Eu achava que ao fim destes anos todos já "conhecia" a Guiné, de cor e salteado, pelo menos ao nível dos topónimos, ou pelo menos dos nomes das muitas estações do nosso calvário coletivo...

Mas sou surpreendido com este topónimo, aparentemente novo, na minha "base de dados"... Fui procurar no nosso blogue e afinal já havia pelo menos duas referências a Ganjauará... (que passa a ser marcador no nosso blogue, sob minha proposta):


09 Dez 2011, poste P9165:

(...) Mais acima, na margem esquerda, Ganjauará, perto de Gampará, de triste memória para o Vitor Tavares e os seus camaradas da CCP 121/BCP 12 (Mapa de Fulacunda, Escala 1/50000 (...)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2011/12/guine-6374-p9164-o-nosso-fadario-6-fado.html

P7994, de 24/3/2011 [Contraponto (Alberto Branquinho)]


(...) Na Guiné morreram em combate dois Alferes paraquedistas mas nenhum em 1970-71: o Alf Armindo Calado, morreu em JUL69 no Bachile e o Alf João Abreu, morreu em MAR72 em Ganjauará. Esta narrativa (...)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2011/03/guine-6374-p7994-contraponto-alberto.html


2. Carlos:

Eu acho que devemos convidar a Elisabete Gonçalves, ou o pai dela, nosso camarada, Victor Gonçalves, por intermédio dela, a integrar a nossa Tabanca Grande...

Imagino que o Vitor, hoje srgt chefe reformado, seja mais velho do que nós uns aninhos e não se sinta tão á vontade com estas coisas da Net... Mas isso não deve ser motivo para não fazer parte, de pleno direito, do nosso blogue e se sentar, connosco, à sombra do nosso poilão.

Só precisamos que a Elisabete "empreste" ao pai, como ela fez agora, o seu "email" e o seu inegável talento para a escrita... Não é o primeiro caso e eu vejo, com ternura, um crescente número de mulheres a servirem de "intermediárias" entre os seus pais, antigos combatentes, e o nosso blogue.

Este gesto, que é muito lindo, merece ser dovulgado e acarinhado. Espero que a Elisabete nos possa mandar fotos e mais outras memórias de Ganjauará, do tempo do seu pai e dos seus camaradas da CCAÇ 4142, de quem de resto até agora tínhamos escassas referências.... Vd. aqui link:

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/CCA%C3%87%204142

O nosso querido camarada Amílcar Mendes, da 38ª CCmds, que deu treino operacional à malta da CCAÇ 4142, já tinha partilhado connosco algumas notas do seu diário sobre as "misérias e grandezas" de Gampará & arredores...

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2008/04/guin-6374-p2775-dirios-de-um-comando.html

Juvenal Amado disse...

Elisabete Gonçalves eu sou um dos que tenho seguido o seu pai através do que você vai publicando.
Pelo que tenho lido ele é e foi um ser humano espantoso.
A atestar isso mesmo, está aquela fotografia maravilhosa em que o seu pai carrega o último sobrevivente de um povoado e o que o levou a arriscar a vida para o salvar.
Quem é que não se pode orgulhar de um pai assim.

receba um abraço para si e outro para seu pai.

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Na verdade, quando se pensa que 'está tudo dito' nada mais enganoso.
Pode estar para cada um de nós, pode ser que as nossas memórias, as nossas recordações, se tenham 'esgotado' mas há sempre mais um facto, mais uma história, mais um relato que vem desmentir o 'tudo dito' e até nos consegue surpreender por dizer respeito a algo que até ao momento tinha passado despercebido.

Estes casos de familiares que se vão interessando pelas formas de viver (e sobreviver) dos seus pais, tios, etc., são o garante que há transmissão de valores e de memória.

Fiquei com curiosidade de conhecer mais sobre o Víctor Gonçalves.

Abraço
Hélder S.

Luís Graça disse...

Mandei ao Virgílio, que está (ou estava há tempos) em Macau, e que foi alf mil da CCAÇ 4142 (Gampará, 1972/74) s seguinte mensagem:

Virgíloo:

Não sei se ainda continuas por Macau ou se já voltaste à santa terrinha, a quem às vezes chamamos Pátria, Mátria, Fátria... ou simplesmente Madrasta. Em qualquer dos casos, muita saúde e longa vida, porque um combatente da Guiné merece tudo!...

Não tenho tido notícias do nosso comum amigo (e camarada) Manuel Amante da Rosa, a não ser há um ano atrás, quando o meu filho, João Graça (e a sua banda musical, os Melech Mechaya), jantou com ele, na Praia, Santiago.

Quanto ao grande António Estácio, também nosso grã-tabanqueiro e teu/nosso amigo, costumo vê-lo, em Monte Real, nos encontros anuais da nossa Tabanca Grande. Teve uns probleminhas de saúde que, penso, já ultrapassou felizmente.

Por sua vez, o António Graça de Abreu que, penso, também é teu conhecido, nas andanças por China, Macau, etc., publicou mais recentemente um livro, que deve interessar-te: é o 1º volume de um livro de viagens e memórias, "Toda a China" (Lisboa: Guerra e Paz Editoras, 2013), lançado recentemente no Museu do Oriente, aqui em Lisboa.

Escrevo-te, entretanto, para te dar notícias de mais um camarada da tua CCAÇ 4142 que nos visita, por intermédio da sua filha, Elisabete Gonçalves (a quem dou conhecimenmto desta minha mensagem)... O Victor Gonçalves é hoje srgt chefe reformado... Deves lembrar-te dele. Tens aqui o link, mais abaixo.

Escrevo-te ainda porque continuas a ter um lugar à tua espera, debaixo do frondoso, mágico e fraterno poilão da nossa Tabanca Grande. Já somos 631 (ou éramos, uma vez que quase 3 dezenas de grã-tabanqueiros já nos deixaram, seguindo no "barco de Caronte" para aquela última viagem que nenhum de nós quer fazer.. pelo menos tão cedo)...

Pois, caro Virgílio, ainda não tenho ninguém que represente, no blogue, os valorosos "Herdeiros de Gampará".. Como sabes, o preço é simbólico: 2 fotos e 1 história/10 linhas...

Oensa lá nisso. Queria ver o teu nome junto desta valorosa rapaziada que um dia desembarcou na Guiné e alguns, como tu e eu, beberam a água do Geba...

Um Alfa Bravo com afeto. Luís Graça


http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2013/11/guine-6374-p12246-o-nosso-livro-de.html

Anónimo disse...

O Bernardino Cardoso [ bncardoso@sapo.pt ], em mensagem de 8 de setembro último, é que nos deu conta da "existência" da Elisabete Gonçalves, filha do Victor Gonçalves. Um bem hajas, Bernardino!... LG
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Caro Luis Vinhal

O texto que abaixo transcrevo está editado no Facebook na página Voz dos Antigos combatentes. A sua autora é filha dum ex 1º Sargento que combateu na Guiné e tem feito relatos muito interessantes sobre a nossa guerra.
Um abraço
Bernardino Cardoso
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Não tenho acesso a este blog para fazer comentários, mas gosto de ler as postagens, memórias e os comentários. Neste, em particular, gostava de dar uma resposta, pois fazem referência a uma Companhia de Caçadores [, 4142], a que pertenceu o meu pai. Daí que apelo, a quem possa comentar, que me faça o favor de inserir o seguinte comentário:

"Joviano Teixeira:O meu pai, Sargento Chefe de Infantaria Victor Gonçalves, esteve em Gampará-Guiné, nesta altura e pertenceu a esta Companhia de Caçadores, a 4142 Herdeiros de Gampará, tendo nessa altura o posto de 1º Sargento. Mais informo que esta Companhia tem feito os seus encontros anuais, sendo que o último foi realizado , neste ano de 2013 , em Tondela. O próximo, ainda sem data marcada, será em Mirandela. Se desejar mais informações,se me facultar o seu mail, enviarei os contactos necessários.Um abraço da parte do meu pai.
Elisabete Gonçalves."
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Agradeço desde já, a vossa colaboração. Um abraço, rapazes. Bernardino Cardoso.

Anónimo disse...

A mensagem do Joviano já tinha sido publicada oportunamenet no nosso blogue. É a este camarada, algarvio, que se refere a Elisabete Gonçalves. Reproduzimo-la, de novo. LG
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Joviano Teixeira
11/08/2013


Boa tarde camarada

Desde que voltei da Guiné que não sei nada dos meus camaradas. Apenas sei que quase todos eram da região norte: Lamego, Mondim de Basto, Viana do Castelo, Porto etc.

Pertenci à CCAÇ 4142, "Herdeiros de Gampará", Gampará, 1972/74.
Se te for possível localizar alguém, nomeadamente saber o local e data do próximo encontro...

Resido em Tavira e como disse nunca mais soube da malta.

Obrigada pela dedicação (já visitei o blogue e gostei)

Cumprimentos, Joviano

Elisabete Gonçalves disse...

Obrigada a Luís graça e a todos os "tabanqueiros". Pensava já que não obteria resposta ao meu mail quando fui agradavelmente surpreendida com um mail e link para este post. Bem-hajam. Um abraço, rapazes.

Ultramar Naveg disse...

... da excelentíssima autora, sugerem-se leituras e reflexões sobre uma outra publicação >

http://ultramar.terraweb.biz/RMM/RMM_Goncalves.htm

Manuel Marque Carvalho Guerra disse...

Amigos eu pertenci à Companhia de Caçadores 4142,estive em Gampará-"Ganjauará" em 1972/1974
mais conhecido por Guerra, o 1º Sargento era João José Pereira que já Faleceu e o 2º Sargento
era o Vítor Manuel Gonçalves que também já Faleceu, tendo também falecido outros elementos da Companhia, estou a viver no Barreiro estando agora Reformado, no ano que vem o Almoço será em Mirandela, este ano foi perto de Leiria à Dona Elisabete Gonçalves lamento o Falecimento do seu Pai, pois eu estive com ele na Companhia da 4142, era um bom homem não tenho razão de queixa dele, mesmo em almoços que eu tive com ele, não tenho razão de queixa dele, amiga um abraço e tudo de bom, amigos um grande abraço a todos.