sábado, 23 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12330: Bom ou mau tempo na bolanha (36): Quem se lembra do Soares da Messe dos Oficiais? (Tony Borié)

Trigésimo sexto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.




Vamos aparecendo, não é tão raro assim, o Combatente, continuou a ser combatente por este mundo além, para muitos de nós, andar na Guiné foi quase o começo de uma jornada que ninguém sabe onde e quando acabará.

Que o diga o Jorge, que há mais de 14 anos, todos os dias, às cinco horas da manhã, já tem quase completa a sua distribuição, em todas as caixas públicas da sua área, de um jornal que se publica na Flórida, em Daytona Beach, o “News-Journal”, e como isso não fosse o suficiente, como não chegasse o tempo que deu à sua Pátria quando serviu a Força Aérea de Portugal, mostra um álbum com fotos a preto e branco, com muito orgulho, continua a servir Portugal e os portugueses, que vivem nesta área, pois vendo a necessidade que havia de produtos importados no nosso Portugal, tem um mercado, aqui na Florida, onde vende aqueles produtos, com que fomos criados aí em Portugal, fazendo-nos lembrar os usos e costumes da nossas origens.

O Jorge é uma personagem bastante respeitada e popular na cidade onde vive, vêm pessoas de outras áreas comprar atum de conserva, azeitonas, vinho, peixe, tremoços, polvo, bacalhau, queijo, jornais e outros produtos com o emblema de Portugal. Também já viveu no norte, quando emigrou para para os USA, por volta de 1977, para Monte Vernon, New York, onde trabalhou numa fábrica industrial, sendo mais tarde proprietário de um restaurante na zona de “Martha’s Vineyard”, mas o sol do seu Algarve, donde é oriundo, falaram mais alto, e veio para a Florida em 1998.

Companheiros, estamos a falar do Jorge Manuel da Cruz Soares, que nasceu ano de 1948, em Faro, no Algarve e que como muitos de nós, no ano de 1968, tirou o treino de recruta durante 3 meses, (básico treino), na Ota, pertencendo à 3.ª Esquadrilha e 3.ª Secção, com o número 513/68, em seguida foi para Tancos, Base Aérea N.º 3, tirar o treino de escriturário, durante 4 meses. Terminado o treino, foi para a Base Aérea N.º 6, em Monte Real, onde ficou a aguardar embarque. Uma vez que quase todos os seus companheiros tinham sido mobilizados para o ultramar, excepto ele, certo dia perguntou ao comandante quando embarcava, respondendo este que “já andavam à sua procura há meses”. Finalmente, deixando aquela disciplina toda dos quartéis de Portugal, donde só se lembra de uma coisa boa, que era ida ao cinema da Escola Prática de Engenharia, que era só atravessar a pista de aviões, e custava 10 tostões o bilhete, lá foi metido num avião DC-6, no aeroporto da Portela, pois o de Figo Maduro ainda não estava operacional.



Veio para a província da Guiné, desembarcou em Bissalanca, sentiu o cheiro da terra vermelha, o calor intenso com alguma humidade, ficou todo picado dos mosquitos, tal como qualquer militar que chegava nessa altura, mas teve alguma sorte, pois encontrou um sargento amigo que o colocou no refeitório. Fazia o seu serviço com alguma disciplina, passado 3 meses o Tenente Lima, vendo nele um bom elemento para o serviço de restauração, levou-o para Bissau, para a messe dos oficiais, que era ao lado do Palácio do Governador, onde na altura estava instalado o General Spínola, que quase todas as noites lá ia comer. Era aí o local onde havia reuniões durante o jantar, e até esquematizavam operações, e diz o Jorge, que finda a refeição, iam para uma sala ao lado, onde havia o bar dos oficiais, fechavam a porta onde continuavam com a sua conversação, e claro, com todas aquelas bebidas à disposição.

Quando isto acontecia, toda esta “operação”, chamamos-lhe assim, da reserva de mesa e respectiva comida, era primeiro encomendada ao “Soares, da Messe dos Oficiais”, que preparava e guardava a mesa, com a comida, fazendo a respectiva lista com o nome dos militares para mandar para o Conselho Administrativo da Base, para os respectivos descontos.

O Jorge explica um pormenor bastante importante, que quer repartir com os nossos companheiros combatentes, com toda a certeza vão gostar de saber, pois dada a sua exposição ao ambiente, foi convidado pela então “PIDE”, a tal Polícia do Estado, para ingressar nessa agremiação, sendo a sua posição era muito apetecível, pois tinha contactos com personalidades de nome, e estava exposto e tinha convivência com todos.

Conclusão, eles, os da tal polícia, fiscalizavam todos, até o comandante supremo, não acreditando em ninguém.



Tinha que andar sempre fardado com rigor, deslocava-se à base em Bissalanca todos os dias, para adquirir os géneros que estavam nos frigoríficos, pois havia dois chefes de cozinha que tinham que ser atendidos de todos os géneros, desde carnes frias, aos vegetais, que muitas vezes ia comprar no mercado de Bissau. Sempre dizia que tinha um motorista particular e estava isento de todo o serviço, pois a Messe ocupava-lhe todo o tempo desde as seis da manhã até 10 horas da noite, e só depois ia para a borga.


Permaneceu 15 meses em Bissau, e claro durante este tempo ia visitando todos aqueles locais que eram conhecidos dos militares. Guarda recordações do Café Flamingo, que estava na moda, tinha uma vista para o cais, onde se juntavam muitos militares, lembra-se do mercado, de alguns passeios à beira do rio Geba, vendo chegar e partir os navios com militares e equipamentos, sabia quais as “bajudas” que por lá havia bonitas, e claro muitas e muitas vezes fugia mais os seus companheiros ao famoso bairro do Pilão, mas ia sempre com companhia.


Quando já sabia que ia regressar, adoeceu com o paludismo, indo para a enfermaria da Base durante 8 dias. Finalmente regressou a Portugal, num DC6, que já vinha de Angola com outros militares, e desta vez já desembarcou no aeroporto militar de Figo Maduro, regressando à Base Aérea de Monte Real, onde fez o espólio. Regressou à vida civil, ignorando o convite para ingressar na tal Polícia do Estado.

Lembra também que teve alguns amigos, daqueles que não se esquecem, como o Orlando Gomes Abreu, de Setúbal, na Base da Ota, e o Martins, oriundo de Cachadinhas, Amarante, que mais tarde emigrou para França. Também explica que o General Spínola fora do serviço militar, portanto como civil, era uma excelente pessoa e bastante conversador, mas como militar tinha muita disciplina. De uma vez viu o General a bater com o seu pingalim, dizendo palavras rudes a um marinheiro que tinha desertado para o lado do inimigo, e que foi capturado numa operação das forças Pára-quedistas, posteriormente recambiado para Portugal.

Quando se fala com o Jorge, ele não pára, anda sempre ocupado, por alguns momentos parece estar ainda na Guiné, onde trabalhava ao serviço dos militares de Portugal, desde as seis da manhã, até às dez da noite.

Tony Borie, 2013
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12304: Bom ou mau tempo na bolanha (35): Morreu o Zé Pesca na Ilha do Como (Toni Borié)

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

« Jorge... foi convidado pela então “PIDE”, a tal Polícia do Estado...»

Tony, diz ao teu amigo Jorge que se hoje em Portugal houver uma oportunidade como a dele, para um jovem se "encostar ao orçamento", aparecem milhares para uma vaga.

Talvez Tony, não tenhas nas tuas lembranças, mas em geral quando se terminava o serviço militar nos anos da guerra do ultramar, havia um autentico aliciamento para quem quizesse concorrer a: Chefes de Posto, Guarda Fiscal, Polícia de Segurança Pública, PIDE, Judiciária, GNR.

E no caso de furriéis e alferes milicianos ainda eram convidados a ingressar no quadro da tropa.

Houve anos em que chegaram a ser distribuidas circulares nas vésperas de passar à peluda a aliciar pessoal.

Era uma das muitas alternativas que a nossa geração tinha para não ir para a «França»

Tony, há aqui um pouquinho da minha racionarite de Retornado, não leves a mal.

Cumprimentos

Luis Nascimento disse...

Tony,
Tal como o Soares, também fui aliciado para frequentar a Escola Técnica da D.G.S em 7 Rios.
Empregos não faltavam, desde a C.P, Marconi e Fábrica da Citroen em Mangualde onde ainda joguei no Desportivo local, mas África chamava-me e Lourenço Marques foi o meu destino em 72, onde me perdi de amores na fatistica Rua Araújo e no pelado da Académica de Lourenço Marques num mano a mano com Toyobe e Albasini do Sporting local (Lourenço Marques).

Ex. 1º Cabo OP. Cripto Guiné 69/71

Hélder Valério disse...

Caro Tony

Pelo que contas, trata-se de mais um português, de mais um camarada nosso que foi 'fazer a sua vida' no estrangeiro, neste caso nos EUA.
E tem connosco em comum a sua vivência na Guiné....

Pelo seu relato de vida parece que passou a comissão apenas em Bissau. Não foi o único, mas isso não é impeditivo de ter tido as sensações que todos nós tivemos e que tu descreveste - o cheiro da terra, os mosquitos, o calor, a humidade, etc., bem assim como o afastamento da família, dos amigos, da carreira profissional - excepto, claro, as angústias das flagelações, as incertezas das emboscadas e das colunas e outras dificuldades.

Acho que o "Flamingo" das recordações dele deve ser o "Pelicano"...

Abraço
Hélder S.