terça-feira, 26 de novembro de 2013

Guiné 63/74 – P12348: Memórias de Gabú (José Saúde) (34): Antigo guerrilheiro do PAIGC. Mário, o impedido do comandante. (José Saúde)



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.





As minhas memórias Gabu

Antigo guerrilheiro do PAIGC
Mário, o impedido do comandante

Afirmava-se na Companhia de Comando e Serviços do BART 6523, que o impedido do comandante dessa unidade militar de nome Damas Vicente, então Tenente Coronel, e que esteve em Gabu entre julho de 1973 e setembro de 1974, tinha sido anteriormente um guerrilheiro do PAIGC. Aliás, se a memória não me falha, o Mário, como era conhecido, não refutava esse passado, mostrando, nesse tempo, toda a sua entrega ao exército que o tinha abrigado. O passado estava sanado, restava provar que a humildade da sua dedicação, seria, naturalmente, recompensada.

Sucintamente afirmo que o Mário era oriundo da etnia fula. Asseguro, por outro lado, que o homem sempre se apresentou como um sujeito de fácil trato. A sua postura, não sendo senhorial, apoiava-se num indivíduo simplório que a dada altura da sua vida resolveu combater pelos seus ideais. Nada a opor.

Assim sendo, o nosso camarada militar já associado nas fileiras lusitanas, conheceu o conteúdo genérico de uma peleja, onde a ordem impunha rigidez e o militar, já convertido à tropa “tuga”, terá antes compreendido a razão do combate a que entretanto se expunha.

O Mário, evidenciando uma agilidade assente num corpo delgado, conheceu as trincheiras do IN, os seus mirabolantes movimentos no mato, lidou com supérfluos armamentos de guerra, atacou e foi atacado, assumindo-se nesta fase da sua vida como um ordeiro guerreiro às ordens do exército luso.

Aquela guerra numa Guiné onde o momento seguinte se condicionava a um imprevisto constante, ditava valores humanos em jovens militares que haviam partido para as frentes de combate de corpo aberto, jogados obrigatoriamente para o horrendo do inferno, acrescento, desconhecendo as consequências da luta.

Neste introito à ordem dia, o nosso amigo Mário, antigo inimigo, era agora um soldado exemplar no que concerne à sua submissão como impedido do comandante. Revejo a sua fisionomia altiva à porta do gabinete do Tenente Coronel Damas Vicente. O Mário era um soldado sempre disponível para executar uma tarefa proposta, recordo.

Sentado num banco colocado junto ao posto de comando, o Mário, envergando o fardamento igual ao de um outro camarada, normalmente a farda número 2, cumpria literalmente o horário de trabalho. Sendo mais explícito diria: entrava às nove e saía às 17 horas. Isto se não existir um conflito entre os neurónios que em uníssono afirmam seguramente que na tropa a idade é um posto. Acredito que exista alguma dúvida sobre o tempo real da sua jornada de trabalho. Mas se houver uma incerteza, caso a haja, não andarei longe deste esquematizado tempo de serviço.

Vamos procurar ser o mais breve possível para falar abertamente do então nosso camarada Mário. O pessoal via nele um amigo. E era. Sabendo-se o seu passado, ninguém ousava crucificar um homem, talvez na “ternura dos 40”, que se terá adaptado a uma nova vida junto a tropas contra as quais combateu.

Dizia-se que o Mário tinha sido capturado numa operação da qual saiu ferido, sendo que o seu aprisionamento foi pacífico. Puxando pelos resquícios das minhas memórias de Gabu, admitindo uma maior perspicácia sobre o tema a que me propôs debitar de um camarada que tivesse conhecido melhor essa realidade, fica-me a certeza que o Mário tinha uma “cruz da guerra” no rosto como símbolo desse sinistro dia de combate.

Não conheci pormenores desse confronto, sei, porque era público nas conversas entre os camaradas do quartel, que o Mário era uma pessoa educada, jamais arranjou motivos para eventuais desavenças, deu-se sempre bem com toda a rapaziada e assumia sem pudor que tinha sido antigo guerrilheiro do PAIGC.

Uma dúvida, embora ténue, chegou a levantar-se entre a malta que sordidamente se interrogava: Seria também o Mário um mensageiro crucial para uma recolha de informações sobre o IN que o comando tanto necessitava? Não sei e desconheço por completo eventuais cenários dessa natureza.

Mário, meu amigo, que será feito de ti?

Aspeto de uma zona do quartel de Nova Lamego

Um abraço camaradas deste alentejano de gema, 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 
____________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 


2 comentários:

duarte.oiliba.abilio@gmail.com disse...

Olá, é só para esclarecer, que esta vista do Quartel em Nova Lamego, diz respeito, ao NOVO, que é junto á estrada para Bafatá, e não ao que existia dentro da vila, e onde estava instalado o Batalhão, até ao fim, pelo menos de 1970.

Sotnaspa disse...

Boas
Camarada José Saúde.
Recordo da situação, não recordo o nome desse camarada, quando penso nele "o meu ficheiro" leva-me para um diminutivo (Xico), sei que tinha na face direita do rosto uma enorme cicatriz. ele também foi ordenança do Cmdt, António Malta Leuschner Fernandes do Bcav. 3854 que o teu foi render. sempre o conheci naquele posto durante os meus 2 anos.
Acrescento ainda que até me pagou cerveja nalgum dia que estava "batido". Recordo com saudade esse homem seja qual o nome dele.

Um alfa bravo
ASantos
SPM 2558