domingo, 19 de janeiro de 2014

63/74 - P12603: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (30): Só os diamantes são eternos... Ou: hoje ainda se esconde se são os "restos mortais" do Império ou do Eusébio que se votaram no parlamento, para o Panteão.

1. Mensagem de António Rosinha


Data: 11 de Janeiro de 2014 às 15:37

Assunto:  Diamang, Cmdt Vilhena, Cunha Leal - tanta coisa que não sabemos (*)


Amigo José M. Diniz (e penso que me estou a dirigir a C. Martins também),  eu andei na Lunda na tropa e a fazer uma estrada na região de Henrique de Carvalho.

E para a Diamang estive em Cafunfo (1970) a fazer uma picada entre uma futuro lavandaria e um rio que foi desviado para exploração.

Estive perto de um mês a conviver com algarvios exclusivamente, no refeitório dos solteiros, que trabalhavam numa lavandaria no Cafunfo.

Era um mundo à parte dentro de Angola e da própria Lunda.

Não havia minhotos, beirões, transmontanos nem das Ilhas, e o meu contacto profissional era com um homem chamado Bastos, alentejano, de Elvas (?) e conheci e trabalhei recentemente com um neto desse homem (há 10 anos, antes de me reformar).

Diniz, afinal também estavas informado e encostado,  meu malandro. Será que havia segregação nos seleccionados para funcionários da Diamang?

Mas só quero dizer aos dois amigos que,  antes da guerra em 1961, havia os portugueses brancos e mulatos em Angola,  da geração de Cunha Leal e Amílcar Cabral, que pensavam exactamente como já vos ouvi aos dois e a muita gente, que Salazar devia ter "aberto".

As palavras, "abertura", "autonomia", "independência" e no caso moçambicano falavam mesmo à maneira da África do Sul, os brancos no poder, eram conversas que putos leigos como eu, 18 anos em 1957 ouvia constantemente.

Então,  em 1959,  no curso de sargentos milicianos, a maioria eram brancos de 2ª,  como eles diziam,  e mulatos, massacravam a malta que tínhamos ido daqui, de facto muito desconhecedores do que se passava em política, ao contrário daqueles gajos que já tinham a escola toda, anti-colonial, anti-salazarista, anti-imperialista etc., e todos da Mocidade Portuguesa com todas as mordomias e luxos.

Só que, "abrir" achavam bonito, mas muitos deles já hesitavam, nessas ideias, porque havia no Quénia terrorismo e massacres,  embora a Inglaterra tivesse muita força, na África do Sul os boers era à cacetada forte e feia que se seguravam, e no Congo culminou com o desastre que se prolonga até hoje, quando em 1960 se dá a independência do Congo Belga, Ruanda e Burundi.

Sem falar que,  no caso de Moçambique, os boers da África do Sul e Ian Shmith precisavam e tinham essa intenção que aquelas praias e aqueles portos faziam-lhe muita falta.

E no caso de Angola, esses mesmos boers que detinham o ex-Sudoeste Alemão, Namíbia, precisavam das águas do Cunene, do rio Cuando e Cubango para regar aquele deserto.

E no caso da Índia, de Timor e de Guiné, sabemos o que se passava nos cornos do Sekou Touré, do Neru e dos Suhartos ou Sukarnos,  nem sei bem.

Ninguem tinha, nem tem, a mínima consideração por nós, e,  como diz,  o outro "cuidemos dos nossos cuzes".

E não devemos mentir nem esconder as realidades e Salazar sabia do que todos os nossos "amigos" pensavam, até o sacana do Franco nos atraiçoava e na ONU abstinha-se.

Numa altura destas em que passa na Televisão os 90 minutos do Portugal-Coreia na Inglaterra com uma selecção luso-africana, e não se diz que naquele ano, mensalmente na ONU,  Portugal era desmentido, na pessoa do nosso ministro dos negócios estrangeiros, que "Eusébio" não era português, antes pelo contrário era um explorado, escravizado e colonizado.

Foi em 1966 que Chipenda da Académica iniciou a frente Leste em Angola pelo MPLA.

Meus amigos, quando se fala que Salazar podia ter evitado a guerra se abrisse.. Se o fizesse, não existia nada, Guiné e Cabinda não eram PALOP, eram PALOF, um exemplo.

E,  mesmo hoje, só com asinhas é que podemos fiar-nos nos outros que é o que está a acontecer, neste momento com uma irresponsabilidade pueril e infantil de nós todos.

Nós somos mentirosos para nós mesmos ao esconder no jogo Portugal-Coreia que Franco Nogueira lutava contra o mundo inteiro nas Nações Unidas a afirmar que "Eusébio" era português.

E hoje ainda se esconde se são os "restos mortais" do Império ou do Eusébio que se votaram no parlamento, para o Panteão.

Essa portugalidade que existiu é que está a ser imortalizada no nosso muito profundo subconsciente com este fervor futebolistico, só que temos vergonha de o gritar.

Desculpem o jeito, Mas os diamantes ainda continuam lá.

Cumprimentos

Antº Rosinha (**)

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Notas do editor:


6 comentários:

Luís Graça disse...

Será que já fizemos o luto da "perda" (física) do "império" ? É uma boa questão... Pessoalmente não gosto do vocábulo "império". Nunca fomos nem temos nem vocação nem dimensão para sermos um "povo imperial"... Mas acheu interessante (e sobretudo "provocador", no sentido positivo, o teu trocadilho com os "restos mortais"... Serão os do Eusébio ou do império ?

Não é fácil "navegar" pelo nosso imaginário, individual e coletivo... Um bom fim de semana...


JD disse...

Olá Rosinha!

Nesta intervenção tocas em muitos problemas da época, que se verificavam na África Austral.Desde logo, o do racismo e, curiosamente, o caso de maiores estigmas é o único que persiste, graças à visão de um grande homem que soube antever o desmoronamento da sociedade e pólos de desenvolvimento do seu país, caso tivesse enveredado pelo revanchismo. A alternativa, poderia ter sido o esmagamento do povo autóctone, tendo em conta o interesse estratégico da Áfria do Sul.
Sobre a "abertura" nas colónias portuguesas, isso teria significado maior autonomia em todas as opções políticas das decisões locais. Ainda assim, o desenvolvimento fantástico registado sobretudo em Angola, teve mais a ver com a iniciativa privada e com os interesses económicos estrangeiros, do que com projacções do governo central. Mais, essas contradições antecedem a governação de Norton de Matos, desde quando se reorganizaram os portos, instalaram caminhos de ferro, aceleraram as actividades mineiras e tiveram incremento outras de carácter agrícola. Salazar quiz controlar tudo isso, do que resultou alguma asfixia no desenvolvimento.
Porém, a partir dos anos 50, o incremento económico foi irreversível, mas condicionado por camuflagens nos resultados das grandes corporações e dos "trusts" - agremiações de confiança que protegem os interesses comuns.
Nesse tempo faltou a Salazar a capacidade para convidar os jovens estudantes africanos (pretos e brancos) a integrarem as estruturas do Estado para participassem no desenvolvimento mais participativo das suas terras e gentes, do que poderia ter resultado outro destino para as colónias. Ainda assim, há uma grande corrente que considera a pacificação angolana, como resultado da economia que absorvia cada vez mais mão-de-obra (especializada ou não), e ao surto escolar, hospitalar, à extensão de infra-estruturas, etc, condições necessárias para a criação dos chamados estados-sociais.
Aquele abraço
JD

Joaquim Luís Fernansdes disse...

Caro camaradas e amigos

Este texto do António Rosinha é muito interessante e vem na esteira das suas últimas intervenções; - Futebol, Eusébio, fim do Império, Diamang, Cabinda - e todo um rol de conexões com pessoas relacionadas, tornando o assunto escaldante e de fazer corar, não sei se de pejo se de raiva.
O Rosinha está a meter o dedo na ferida não cicatrizada (e ainda bem) e está a apontar para alguns dos novelos, que seria bom desenrolar; Com eles se teceram toda uma teia de interesses e privilégios oligárquicos, (alguns contraditórios) que dominaram e subjugaram Portugal(o do "Império"), mantendo-o sub-desenvolvido, tão ignorante e acrítico quanto possível, oprimido quanto necessário e, deste modo, atiraram-nos para uma guerra subversiva, em que fomos jogados como carne para canhão; Que não souberam ou não puderam contornar nem vencer,e como consequência, condenaram o melhor de uma Nação - O seu Povo,ao sofrimento e ao opróbio.
Para quando chamar os "bois pelos seus nomes" e julgar os seus responsáveis?...
...É trabalho para especialistas e investigadores, e trabalho nunca acabado. A História contará às gerações vindouras,(se as houver interessadas) o que foi o Estado Novo da era Salazarista e Marcelista, o 25 de Abril e tudo o que o antecedeu e se lhe seguiu, de que sabemos um pouco, mas não tudo. Tem havido e continua a haver, uma grande nebulosa que encobre muita verdade inconveniente.
Mas não penso que sejamos anginhos; talvez preguiçosos,talvez excessivamente tolerantes, mas parvos não.

No que respeita à guerra que "gramamos", sabemos o que foi e o quanto e como nos custou. Quanto aos seus culpados, foram muitos e de muitas proveniências, mas quanto a isso não haverá unanimidade.
Para mim há uma certeza: Tivessem, Salazar, Caetano, os seus Ministros, a sua base de apoio no Poder, Militares, alguma Hierarquia da Igreja,imprimido à sua governação, um regime democrático (e tiveram tempo para isso) com respeito pela Justiça e pela Liberdade, e a história de Portugal teria sido outra, bem mais risonha. Poderíamos ter enfrentado na mesma os movimentos independentistas das Colónias, mas a sua resolução teria sido muito diferente.
Hoje, decerto que o Portugal Plurirracial e Multiétnico, não existiria na forma que nos quiseram impingir,
mas a "comunidade dos Palops" seria uma realidade muito melhor do que o que temos hoje.

Ter-se-ia evitado esse final trágico e traumático das guerras. (Mas não vale a pena chorar sob o leite derramado)

Quanto à observação da votação no Parlamento dos restos mortais de Eusébio para o Panteão, se poderem confundir com os "restos mortais do Império", está bem apanhada. A mim só me deixa em dúvida, é a votação ter sido unanime. Paradoxos da democracia,
Apetece-me dizer: Siga a Infantaria.

Abraços
JLFernandes

Anónimo disse...

Caro camarada "colon" Rosinha

Tivesse o ideário político do Eng.Cunha Leal sido implementado e possivelmente não teria havido guerra nenhuma.

Onde há riqueza é natural que seja cobiçada,concretamente em Angola.

O que mais dói nos tempos actuais é verificar que os sacrifícios de muitos de nada serviram, a não ser para os mesmos de sempre... as multinacionais..uma elite cleptomana..uns ditos "empresários coniventes".

O "ZÉ POVINHO"...esse continua igual ao mexilhão..sempre a levar nas trombas.

A.B.

C.Martins

Antº Rosinha disse...

Não sabia que isto daria o post publicável pelo Luís, caso contrário teria mais cuidado com a linguagem, e ainda bem que não disse metade do que penso.

Espero que quando passar pelo Martim Moniz e Igreja de São Domingos, "respigos" do Império, do Minho ao Ceilão, não me peçam explicações.

J. Gabriel Sacôto M. Fernandes (Ex ALF. MIL. Guiné 64/66) disse...

Rosinha: Penso exactamente, como tu. Não entendo as certezas absolutas do Diniz e sobretudo do Luis Fernandes. Eles e outros, pensam que todos temos as mesmas convicções e se não é assim, não parece, pela forma perentória com que fazem afirmações, interpretam a História, fazem diagnósticos, desenham cenários e prevêem resultados. de uma forma absoluta e irreversível.