sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12568: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (29): O que os rapazes dos cachecóis precisam de saber: que o Eusébio foi um português muito especial, que ajudou a escrever uma página muito especial da história de Portugal, da Europa e de África...


1. Texto enviado, em 8 do corrente, pelo António Rosinha [, fur mil em Angola, 1961/62, foto à esquerda; topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979: ou, como ele gosta de dizer,colon, em Angola, de 1959 a 1974; cooperante na Guiné-Bissau, de 1979 a 1993; membro da nossa Tabanca Grande desde 29 de novembro de 2006]:


Assunto: De Gungunhana a Eusébio ou de Mouzinho de Albuquerque a Maurício Vieira de Brito e Tudela e os rapazes dos cachecóis


Tem gente que com um grão na asa dá-lhe para cantar, uns dá-lhe para o fado, outros coisas de Joselito e passodobles, e há um amigo meu que por tudo e por nada, após o café e bagaço saía-lhe o Kanimambo.

Um dia, ainda antes do café e do bagaço disse ao "jovem", na casa dos 50 que João Maria Tudela tinha morrido recentemente.

Quem é essa pessoa? Perguntou-me ele.

Claro que como antigo "cólon", quando cheira a colónias, lá tenho que explicar, as coisas que mais novos tiveram a sorte de não ter visto, e o meu amigo lá soube que cantava a música de um "cantor colonial" em Landim, patrício de Eusébio.

Penso que mudou de reportório após a minha explicação.

Claro que podemos gostar de ouvir música de Wagner sem saber sequer que essa pessoa existiu.

Isto vem a propósito de os "rapazes dos cachecóis", que tanto se manifestam, principalmente os do Estádio da Luz, se imaginarão as voltas que o mundo deu, para Eusébio ir parar a uma Selecção Nacional de um País europeu, e porque razão se discute se um simples futebolista deve ou não ir para o Panteão Nacional.


Penso que estes jovens dos cachecóis precisavam de uma explicação da parte dos mais velhos, porque também acho que estes jovens estão como o intérprete do Kanimambo, que cantava em Landim e não sabia quem era o Moçambicano João Maria Tudela, E PENSAM QUE Eusébio representou só futebol para a geração dele.

É que corremos o risco de enlouquecermos uma geração, se não ensinarmos os rapazes a olhar para Eusébio sem bola.

Que não é uma simples bola que leva Eusébio a poder morar eternamente em certos "condomínios".

Claro que não ficam mais felizes se souberem que Gungunhana era patrício de Eusébio, que veio de barco para Portugal a convite de Mouzinho de Albuquerque e não sabia jogar à bola e falava em Landim.

E também não ficarão mais felizes se souberem que foi um angolano, Maurício Vieira de Brito, que trouxe o Moçambicano e outros africanos para Portugal para jogarem à bola.

Também tem que se dizer à juventude dos cachecóis que aquilo que representa a figura de Eusébio não é consensual para todos os portugueses da geração do Eusébio.

Antes pelo contrário, temos que dizer aos jovens que tirando a bola, a lembrança de Eusébio divide alguns portugueses da sua geração, principalmente uns que eram mais europeístas, outros mais africanistas.

Os rapazes precisam saber tudo, principalmente que uma simples bola não é política, nem religião, portanto haverá algo mais representativo para os portugueses a acompanhar a imagem de Eusébio.

E também se tem que divulgar e explicar, porque na terra natal, Moçambique, não há uma manifestação oficial exuberante como em Portugal.

Talvez se os mais jovens tentarem compreender 
todos os motivos, razões e até contradições nas
origens de tanta admiração lusa pela figura de Eusébio, 
aí a "bola" não será tão pontapeada.


[Foto à esquerda: Outdoor da Câmara Municipal de Lisboa, com um "obrigado" ao Eusébio, Reproduzido, com a devida vénia, do sítio da CML]


Teremos que dizer ao pessoal mais novo, que Eusébio foi um português muito especial, que ajudou a escrever uma página muito especial da história de Portugal, da Europa e de África.

Uma página em que podem entrar com destaque, Gungunhana e Tudela, Maurício e também Adolfo Vieira de Brito, angolanos, presidentes dos encarnados

Cumprimentos,

Antº Rosinha
_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 31 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12527: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (28): A TAP e a Guiné-Bissau ou... a Guiné "TAPdependente"

6 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro "mais velho"

Entendo estes teus 'desabafos' como uma reacção natural (e justa) à excessiva utilização do falecimento do Eusébio, com reportagens em todas os canais e estações de rádio, que nos acabaram por massacrar todo o domingo e segunda feira.

Acho que já comentei que o Eusébio não tem culpa do aproveitamento que o poder e seus agentes fizeram da sua pessoa. Num país como o nosso, vivendo o momento que vive, faltando o pão, tem que se dar mais circo.

Para que não hajam equívocos, devo dizer que gostava de ver o Eusébio jogar. Que me entusiasmei com os seus jogos e golos. Que aquando aquele desempenho contra a Coreia no Mundial de 66 ao fazer 'marchar' dois cálices de Vinho do Porto por cada golo de Portugal, acabei por ficar mais 'alegre' do que o momento justificaria. Que simpatizo com o Benfica. Que valorizo toda a projecção de Portugal que Eusébio proporcionou.

Mas deixa-me dizer que acho um bocado 'forçada' essa utilização do termo ou da ideia de 'colonial' por tudo e por nada. Por que raio o Tudela seria um 'cantor colonial'? E os naturais das Colónias, depois rebaptizadas de 'Províncias Ultramarinas' seriam 'coloniais'? Há por certo, alguma confusão...

Gostei da expressão "rapazes dos cachecóis". Essencialmente se for entendida como um observação crítica ao 'folclorismo' normalmente associado às atitudes imediatistas e 'de tribo' que costumam ser o timbre dos adeptos.

Abraço
Hélder S.

Luís Graça disse...

Recorte de imprensa: Expresso, 9 de janeiro de 2014, com a devida vénia:

Salazar detestava futebol e fado
Henrique Raposo
8:00 Quinta feira, 9 de janeiro de 2014

Nos últimos dias, o lero-lero dos três "F" voltou em força. Portanto, convém meter os pontos nos "F": o Estado Novo não promoveu o futebol e o fado como distracções romanas, Amália e Eusébio não foram os gladiadores de um circo de entretenimento destinado a desviar as atenções do povo. O mito dos três "F" é um absurdo. Tal como António-Pedro Vasconcelos explicou há tempos no Sol, a popularidade nacional e internacional de Eusébio e de Amália foi feita "à revelia do regime". O futebol e o fado foram e são construções populares, fenómenos orgânicos, gostos e afectos que se partilham entre pais e filhos.

O Estado Novo não era um regime fascista como os regimes de Mussolini ou Hitler. Os ditadores de Itália e da Alemanha estavam centrados nas massas, lideravam movimentos de massas. O desporto e o futebol eram pontos-chave nas suas encenações: Mussolini glorificou a selecção italiana, Hitler endeusou os Jogos Olímpicos de Munique de 1936, Leni Riefenstahl cunhou a estética fascista através da glorificação do corpo em Olympia, a maioria celebração pagã depois de Stonehenge. Ora, o regime autoritário de Salazar era o oposto desta ópera encenada. O Estado Novo foi feito contra as movimentações das massas, foi feito contra a "formiga branca" de Lisboa, foi um regime de repressão e não de exaltação. Mussolini dizia "venham para a rua celebrar-me", Salazar dizia "fiquem em casa, sff". Neste sentido, o futebol e o fado eram encarados "como aglomeradores de massas, espectáculos de duvidoso gosto popular, potencialmente subversivos e portanto perigosos para a paz social, feita de repressão e apelos ao conformismo" (António-Pedro Vasconcelos).

Não, Salazar não instrumentalizou o futebol e, ao contrário do que se diz, não tinha uma estratégia para manter Eusébio em Portugal. Não conheço em pormenor a conversa Salazar-Eusébio de 1962 (tenho de ler isto ), mas conheço o episódio de 1967. Nesse ano, Eusébio assinou um contrato com o Inter de Milão. Ou seja, o Benfica estava a vender o Rei sem qualquer intromissão do regime. Problema? A Itália estava em estado de choque com a miserável campanha da sua selecção em 1966 e, em consequência, a Federação Italiana proibiu a entrada de estrangeiros nos clubes italianos. Era preciso formar mais jogadores italianos, diziam.

Para terminar, convém sublinhar que Salazar detestava futebol e fado. Um pormaior, para usar uma palavra de Carlos Pinhão.



Ler mais: http://expresso.sapo.pt/salazar-detestava-futebol-e-fado=f849681#ixzz2qB9EvNps

Luís Graça disse...

O livro que o Henrique Raposo sugere, no seu artido do Expresso é este:

O Estado Novo e o Futebol
Terá Salazar impedido Eusébio de sair do país?
de Ricardo Serrado

Os factos históricos sobre as relações da ditadura com o Desporto-Rei
Edição/reimpressão: 2012
Páginas: 248
Editor: Prime Books
ISBN: 9789896551445

Sinopse
Um período da história que apaixona os portugueses o da ditadura de Salazar - e uma modalidade que arrebata quase tudo e todos no nosso país - o futebol. Todos os factos históricos, devidamente comprovados, sobre as relações do Estado Novo com o futebol (um dos famosos três F do regime: Futebol, Fátima e Fado), incluindo o muito falado episódio da proibição (ou não, se verá) por Salazar da saída de Eusébio para clubes estrangeiros. O autor, Ricardo Serrado, é o maior investigador histórico português sobre futebol, com vários livros escritos e editados sobre a matéria.


Fonte:

http://www.wook.pt/ficha/o-estado-novo-e-o-futebol/a/id/14304343


Antº Rosinha disse...

Amigo Helder, hoje já não devemos ter complexos nem vergonha, antes orgulho naquilo que há 50 anos nos opôs ao "mundo inteiro".

Termos como Retornado, eu, Colonialistas, a maioria da nossa geração, Imperialistas que não sei definir, e Fantoches que eram os africanos como "Marcelinos da Mata", e todos os africanos (milhões), incluindo Eusébio, que não aderiram aos FNLA, PAIGC, MPLA, etc., todas essas alcunhas ouvidas em emissões em português no mundo inteiro, devem ser enumeradas, denunciadas, porque estamos aqui a escrever HISTÓRIA neste blog.

Um momento, como 1966 por exemplo, olhado hoje com uma África e uma Europa a criar barreiras em Cadis, Ceuta, Canárias e Lampedusa, vemos de que lado estava a razão de um "colonialismo-à-portuguesa" que opunha na ONU, Portugal contra o resto do mundo.

Portugal estava certo, numa Europa toda rota.

Abaixo os complexos amigo Helder.

Cherno Baldé disse...

Caro Rosinha,

Obrigado por nos abrir mais um angulo de visao sobre Eusebio e o Futebol, tendo como pano de fundo as relacoes entre a Africa e a "velha" Europa na segunda metade do sec. XX.

Na verdade, as pessoas tendem a esquecer o passado e concentrar-se no presente e, especialmente, naquilo que lhes interessa ou que simplesmente esta na moda.

Ja nao me lembro do nome do autor, mas alguem escreveu num livro que: "O Eusebio e o Gungunhana (ou na ordem inversa) mudaram a forma como os Portugueses (e por extensao os europeus) encaravam os africanos".

Mas, convem nao insistir muito nestas revelacoes para nao estragar a festa.

Em abono da verdade, confesso que fiquei surpreendido, pela positiva, em vista a grande avalanche de solidariedade e manifestacao de sentimentos que se propagou em todo o Portugal, pela morte do Rei Eusebio.

No computo geral, acho que podemos afirmar, sem férir susceptibilidades, que o Eusebio nao era africano nem europeu, mas tao so um nobre português que muito honrou a sua patria e como tal deve ficar para a memoria futura.


Um abraco amigo,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

Inteiramente de acordo com António Rosinha e Cherno Baldé.Deixemo-nos de complexos e assumamos o nosso passado e os nossos percursos.Não podemos apagar a história, como não devemos renunciar a quem foram os nossos pais.CGASPAR