domingo, 22 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13317: Tabanca Grande (439): José Martins Rosado Piça, 1º srgt inf ref (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71), nosso grã-tabanqueiro nº 660

1. A CCAÇ 2590 (mais tarde, a partir de janeiro de 1970, CCAÇ 12, formada por soldados do recrutamento local) tinha dois 2ºs sargentos, o Piça e o Videira que, em princípio, deveriam ser comandantes de secção...

O José Martins  Rosado Piça, o mais velho (terá hoje oitentas e picos anos), acabou por ficar a fazer as vezes do 1º sargento, o 1º srgt cav Fernando Aires Fragata, que foi para Águeda, fazer o curso de serviço geral do exército (que permitia a passagem a oficial, o mesmo curso que irá, depois da guerra, frequentar o nosso saudoso 1º sargento Fernando Brito, da CSS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72).

O 2º Srgt Inf Alberto Martins Videira por sua vez e por ser mais adoentado, ficou também com funções de apoio. Nenhum deles foi operacional. No entanto, ao Piça, o mais bacano, quisemos pregar-lhe uma partida e convencêmo-lo a alinhar, com os "piras", na Op Rato Traquinas (*), no dia 28 de fevereiro, já com 21 meses de Guiné!...

O camarada Piça deixou-se "praxar", alinhou, teve o seu batismo de fogo, na mítica Ponta do Inglês (!), regressou connosco no T/T Uíge (**) e ainda fez mais uma comissão, em Angola (se não me engano).

Está vivo, recomenda-se, nunca perdeu o seu sentido do humor e eu faço questão de apresentá-lo hoje à Tabanca Grande. Foi o xico mais porreiro que eu alguma vez encontrei na tropa. Pedi ao nosso comum amigo e camarada Tony Levezinho que, em nome da Tabanca Grande, fizesse o discurso de boas vindas

[Foto acima, do Humberto Reis: O nosso 2º srgt inf Piça, Bambadinca, Natal de 1969. Editada por L.G.]

2. Em 16 de maio passado, mandei ao  Tony Levezinho que vive em Sagres,  com a sua querida Isabel, a seguinte mensagem:

Olá, Tony, como vais? E a tua Isabel? ... Eu cá vou recuperando e andando...

Estou a contactar-te pelo seguinte: o que é tu sabes desta história? Alinhaste nesta operação com os nossos "piras" (só os furriéis)? Op Rato Traquinas: Ponta Varela, Poindon... Ponta do Inglês.... Houve contacto, sem baixas... O Piça alinhou... 

Julgo que em vez da porrada disciplinar (com a história do jipe e dos putos...), foi "aconselhado" por nós a aceitar esta "sugestão" do capitão... para não estragar a sua folha de serviços... Pensávamos que era um passeio, mas para ele foi o batismo de fogo... Recordo-me de ele vir muito alvoraçado, a contar as peripécias do dia (28/2/1971)...

Outra coisa: gostava que fosses tu a escrever duas linhas para eu/nós apresentar/mos o Piça à Tabanca Grande. É da mais elementar justiça tê-lo aqui entre nós, mesmo sabendo que ele não é homem de escritas, ou de estórias escritas... Há tempos telefonou-me, de Évora...
Aquele abraço.
Luís

[Foto acima à direita: Portimão, 21 de novembro de 2013 > O reencontro de dois bons velhos amigos e camaradas da CCAÇ 12: o ex-2º srgt inf José Martins Rosado Piça (Évora) e o Tony Levezinho, ex-fur mil at inf (Sagres, Vila do Bispo). Foto: © António Lezevinho (2013). Todos os direitos reservados.]

3. Também, a propósito da Op Rato Traquinas (*), escreveu-me o ex-alf mil at inf Abel Maria Rodrigues [, cmdt do 3º Gr Comb da CCAÇ 12, 1969/71], no mesmo dia 16 de maio passado, respondendo a um pedido meu de esclarecimento:

Luís: Desta operação, eu sei tudo, pois fui o actor principal. Penso que dos velhinhos só fomos três (capitão, Piça e eu).

Depois da flagelação o 2º pelotão que ia na vanguarda, recusou-se a avançar. Passei com o meu pelotão para a frente e completámos a operação sem mais qualquer problema, porque os guerrilheiros vieram esperar-nos em Madina Colhido. Deviam ter-se fartado de esperar por nós, como não aparecíamos desmobilizaram, deduzindo que nós já estaríamos no quartel do Xime.

Foi a 28/2/1971 um domingo. Devo dizer que tivemos muita sorte não nos termos encontrado, pois pelo rasto que deixaram onde estiveram à nossa espera, não eram poucos .Um grande abraço, Abel




O Piça e a esposa Leonor,  na sua casa em Évora (presume-se). Foto da neta Tânia Caçador, aqui reproduzida com a devida vénia, retirada da sua (dele)  página no Facebook [Edição:LG

4. A 17 de maio o Tony Levezinho, escreveu-me a seguinte mensagem:

Viva, Luís: Espero que continues no bom caminho para uma recuperação sem percalços e, sobretudo, de sucesso total.

Cá deste lado, tudo corre.  Dentro de 4 dias estaremos de viagem para a Polónia, como, aliás, tive oportunidade de te dar conta, na altura do teu internamento, no Amadora-Sintra.

Felizmente, o nosso querido Abel que aproveito para saudar com um abraço, antecipou-se e correspondeu ao teu desafio, ao referir-se, em detalhe, à operação onde o Piça acabou por participar.
É que eu, sinceramente, não tenho a menor ideia deste episódio, o que me leva a concluir que, provavelmente, não o presenciei.

Sobre o nosso Sargento José Martins Rosado Piça (Piça para servir V. Exa., como ele gostava, por brincadeira, de se apresentar) não serão precisas muitas palavras para descrever este homem simples.

Oriundo de Aldeias de Montoito, Évora, este alentejano, na altura em que convivemos, apenas o separava de nós, a idade, (teria uns 40 anos) e o facto de ser um profissional do quadro permanente do Exército.

Quanto ao mais, a sua relação com os milicianos do Bando (era assim que ele se referia à nossa companhia) fazia toda a diferença, pela positiva, dos demais elementos da sua classe, com quem nos cruzámos, ao longo da nossa aventura pelas fileiras do Exército.

Com efeito, era homem de piada fácil, mas também muito sensível aos afetos. Era disso expressão óbvia o brilhozinho nos seus olhos. De alegria, quando partilhávamos momentos de relaxamento, tais como, as cartadas, os copos, as cantorias, etc., ou de preocupação/tristeza sempre que nos via partir, em missão, para fora do perímetro do aquartelamento.

Era clara para nós a necessidade que sentia de estar por perto dos seus furriéis, muito mais do que partilhar a mesa de jogo com os seus iguais, do quadro. E este seu comportamento teve a sua expressão maior, depois da partida do 1.º Sargento da companhia, o que se compreende.

Diria que o elenco que ele encontrou na CCaç 12 o terá tocado, de forma particular. Atrevo-me a fazer esta afirmação porque, há um par de meses, encontrei-o, em Portimão, ao fim destes anos todos, acompanhado da mulher.

A alegria e o abraço apertado foram mesmo espontâneos. Achei ainda muito significativo o facto da sua mulher, que eu não conhecia, ter dito que ele não se cansa de falar de nós. Logo me pediu o contacto do Henriques, do Reis, o meu, e a verdade é que, desde então, já falamos algumas vezes, ao telefone, e está combinado um encontro em Sagres, quando a oportunidade surgir.

Ele continua no Alentejo e tem um apartamento em Portimão, terra onde a filha vive, passando, por isso, algum tempo nesta cidade algarvia.

Apesar dos seus 80 e picos anos, continua com uma memória de elefante, tal foi o desbobinar de episódios daquela época que evocou, em detalhe, nos breves 20-30 minutos que durou o nosso encontro acidental.

Que continue com a mesma capacidade de comunicar, como a que lhe reconheciamos, à época e que, acreditem, se mantém.

Se há elemento que merece ser puxado para a nossa tabanca é, sem dúvida, o Sargento Piça.

Um abraço
Tony Levezinho

5. Comentário de L.G.:

O Piça, não obstante a idade, tem uma página no Facebook, dando um bom exemplo a muitos camaradas nossos, muito mais novos, que se queixam de não saberem trabalhar com um computador, mandar um email, consultar o  nosso blogue  ou criar uma página no Facebook... Penso que só nos vimos duas ou três vezes, no máximo, depois do nosso regresso. 

Alguns de nós, que regressámos no mesmo navio, o T/T Uíge em 17 de fevereiro de 1971 (**), já não estamos vivos: dos furriéis, lembro o Luciano Severo de Almeida (que era do Montijo) e, disseram-me há dias (o António Fernando Marques), que o António António Manuel Martins Branquinho (ex-.fur mil at inf, 1.º Gr Comb) também morreu recentemente (vivia em Évora era reformado da Segurança Social)). Dos  alferes, já referimos que partiu, para a eterna morada, há já uns largos anos, o José António G. Rodrigues (Lisboa), que era o cmdt do 4.º Gr Comb.

Meu amigo, camarada, compincha: como vês, somos uma espécie em vias de extinção, os últimos soldados do império... É por isso, também, que te queremos cá, sentado sob o poilão da nossa Tabanca Grande. Passas a ser o nosso grã-tabanqueiro n.º 660 (****), um número bonito e fácil de decorar. Um dia destes telefono-te a dar-te mais dicas para te manteres ligado a nós. O  Tony Levezinho já disse tudo ou quase tudo a teu respeito. Não poderias ter melhor "padrinho". Muita saúde e longa vida porque tu mereces tudo. E faz favor de partilhar o teu álbum fotográfico connosco!.. Um xico...ração. O Henriques...
_________________

Notas dos editor:

(*) Vd. poste de 16 de maio de  2014 > Guiné 63/74 - P13148: A minha CCAÇ 12 (30): fevereiro de 1970: batismo dos "piras" que nos vieram render... Adeus, Bissau, em 17 de março de 1971, no T/T Uíge... A CCAÇ 12 será extinta em 18 de agosto de.. 1974 ! (Luís Graça)

(**) Vd. I Série do blogue > 9 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)

(...) António Eugénio da Silva Levezinho, Tony para os amigos, o melhor de todos nós... Em 1969, ei-lo furriel miliciano da CCAÇ 2590, mais tarde CCAÇ 12... Hoje, no seu retiro algarvio, Martinhal, Sagres, Vila do Bispo ... onde ao lado da sua querida Isabel continua, sempre de porta aberta, afável e disponível para os amigos.

É um gentleman, tal como o pai, que eu ainda tive o privilégio de conhecer pessoalmente na sua casa da Amadora, nos primeiros anos da década de 1970... Antigo quadro da Petrogal aonde chegou a chefe de divisão (o que não era fácil a um self-made man como ele, numa empresa de engenheiros), o Tony era(ainda é) um perito na arte do impor-export do petróleo e seus derivados... Graças às suas ligações à Sacor, nunca nos faltava o fiel amigo à mesa, em Bambadinca. O bacalhau e outras iguarias chegavam-nos à Guiné, regularmente, através do navio-tanque da Sacor... (...)


(***) Vd. poste de 24 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12337: O nosso livro de visitas (169): Imaginem quem eu encontrei no hipermercado, em Portimão ?... O nosso sargento José Martins Rosado Piça! (Tony Levezinho, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

4 comentários:

Luís Graça disse...

1. Até pela invulgaridade do apelido, o 2º sargento Piça não passava despercebido quer nos quuartéis da metrópole por onde andou, quer no TO da Guiné, em Contuboel e em Bambadinca... Ele é natural de Aldeias de Montoito, Évora, Alentejo...

Repare-se que não se trata de "alcunha", mas de apelido, legítimo, registado na Conservatória do Registo Civil...

Recordo-me que o apelido lhe causava (mais à família do que a ele) algum embaraço, sobretudo quando andou pelos quartéis do norte do país...

Confessava-nos que chegou a pensar em tirar o "Piça" á filha porque gozavam com a miúda na escola...

Outra vez, ao tentar marcar, pelo telefone, uma reserva no avião a TAP para ir de férias, a "menina" em Bissau, do outro lado da linha, "engasgou-se" com o raio do insólito apelido, e pediu para confirmar:
- José Manuel Rosado.. quê ?
- Piça, minha senhora, para a servir - terá respondido o nosso camarada, do aoutro lado da linha, em Bambadinca, cavalheirescamente, com a maior das naturalidades...

2. Sobre as "alcunhas alentejanas", vd o livro "Tratado das Alcunhas Alentejanas (4.ª edição)

Autoria: Carlos Alberto Silva, Francisco Martins Ramos

Temas: Antropologia, Sociedade Portuguesa, Alentejo, Tradições Populares

Colecção: Sociologia & Antropologia (Extra-colecção)

Editora: Edições Colibri
Local: Lisboa
Ano: 2013
Capa: capa mole
Tipo: Livro
N. páginas: 608
Formato: 23,5x17
ISBN: 978-972-772-368-3
Preço de capa: 20 €

Sinopse:

A alcunha é apanágio da aldeia. Está dito e redito que a vida urbana fomenta relações impessoais; destrói os laços do parentesco, pulveriza os elos tradicionais, reduz as relações de vizinhança, esvazia o compadrio. No Alentejo, os grandes centros populacionais não deixam de ser aglomerados rurais, posto de parte o critério demográfico e tendo em linha de conta hábitos, tradições, costumes, modos de vida, fluxos migratórios internos, etc. É natural pois, que “o mau-nome” circule nas vilas e cidades mais populosas, como verdadeira instituição sócio-cultural. É, porém, a aldeia o espaço privilegiado dos nomes falsos.

Índice:
Parte I
1. Palavras prévias
2. Introdução
3. Questões Conceptuais e Metodológicas
a) Introdução
b) Génese e Função das Alcunhas
c) Para uma Taxinomia das Alcunhas
d) Instrumentos Metodológicos
4. Registos Interessantes
a) Variações Sobre o Mesmo Tema
b) A Teia dos Significados
c) Uma Primeira Quantificação do Corpus
d) Para uma Pragmática da Comunicação
e) Apelidos Oriundos de Alcunhas

Parte II
5. Tratado das Alcunhas Alentejanas
6. Bibliografia



OS AUTORES

Francisco Martins Ramos nasceu em Amareleja (Moura) e licenciou-se em Ciências Antropológicas e Etnológicas pela Universidade Técnica de Lisboa (ISCSP). Catedrático de Antropologia e investigador sobre temática alentejana, é Professor Emérito da Universidade de Évora.

Carlos Alberto da Silva, Professor Auxiliar com Agregação da Universidade de Évora. Diretor do Departamento de Sociologia, ECS, Universidade de Évora. Doutor em Sociologia. Investigador do CESNOVA-UNL. Autor e/ou co-autor de várias publicações científicas e relatórios técnicos e científicos das áreas das organizações e trabalho, saúde, desenvolvimento regional e local, cooperação territorial e transfronteiriça.

Luís Graça disse...

O Piça era (e é) dotado de um desconcertante sentido de humor... Recordo-me de nos ter contada esta, dos seus primórdios da tropa...

Como muitos alentejanos, pobres, da sua geração, o Piça casou-se "à maneira da época"... As famílías de um lado e de outro não tinham dinheiro para custear a despesa de um casório com boda... A única solução, para não se ficar mal peranet amigos e vizinhos, era "simular o rapto"... O noiuvo "raptava" a noite e ficava o assunto resolvido...Juntavam os trapinhos e esperavam por melhores dias...

Um das soluções - para além da emigação interna e externa - era a tropa. Foi o que fez o Piça. Meteu o xico. Mas agora era preciso dos papéis e regularizar o seu estado civil: casado "de facto", mas não "de jure"...

Um belo dia, foi lá ao padre, às 8 da manhã, com a noiva para receber o santo sacramento do matrimónio... E logo a seguir, às 9h, trouxe a filhota para batisar...O padre, espantado, interpelou-o:
- Já, tão cedo?!
- Ó sr. padre, de mamhã é que se começa o dia!...

Vejo que agora é um avô baabdo, o nosso Piça, que quando queria dizer palavrões (coisa rara num alentejano) contava-nos aquela da República:
- Portugueses, punheta,
quando rebentou a República, caralho!,
foram homens de colhões,
cona da mãe!

Uma figura impagável da Bambadinca do meu/nosso tempo!

Hélder Valério disse...

Caro camarada José MR Piça

Depois de várias "ameaças" o Luís e o Tony Levezinho lá o conseguiram trazer até ao nosso convívio...

Não dói nada, é só ter as fotos, relatar um episódio e pronto!
Pronto, não! Porque queremos sempre mais qualquer coisa, mais relatos, mais histórias, mais memórias...

Pois então, muito bem-vindo!

Abraço
Hélder S.

Valdemar Silva disse...

Eu também me lembro do sargento Piça, em Contuboel. Ainda, hoje, conto aquela dele ter um certo receio quando escrevia uma carta a alguém finalizar com um "cumprimentos do Piça pra si".
Para ele, agora, os meus saudosos cumprimentos.
Valdemar Queiroz