terça-feira, 1 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13353: Blogoterapia (253): Não é pessimismo, muito menos um lamento, quando muito um recado... (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, poeta, algarvio)

1. Mensagem de ontem, às 23h03, do Ernesto Pacheco Duarte [ex-fur mil. CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67], que me tocou muito... São escritas por um dos nossos poetas da Tabanca Grande, algarvio, a quem só posso desejar muita saúde e longa vida porque ele merece tudo. (LG)


Um recado


Caro Luís

Duas linhas simples para te dizer 

aquilo  que tu sabes melhor do que eu, 
que os anos não perdoam !
Não tem nada a ver com o blogue, 
perdes dois segundos e ficas a saber 
que eu, embora mais perdido, 
mais longe de tudo, 
ainda cá ando !
Os sinais de o fulano A ter mais anos do que o fulano B, 
maneira muito simpática de dizer 
que não sou velho, 
mas sou usado, usado em demasia, 
começam a aparecer aos poucos 
e das mais diversas maneiras.
Comigo começaram com mais nitidez no esquecimento, 
tendo-me esquecido onde deixei parte da alegria, 
onde deixei a força de vontade.
Esquecendo-me de cumprir aquelas palavras tão velhinhas , 
ditas por um sábio, 
só podiam ter sido ditas por um sábio !
Soldados não vão para a guerra porque morrem !
Os soldados responderam morreremos sempre ! 

Resta-nos lutar, 
lutar para que esse dia vá para muito longe, 
e que, quando o encontro se der, 
seja com o máximo de dignidade !
Mas eu optei mais por cumprir com aquele dito popular, 

mas ao contrário !
Não faças hoje o que podes fazer amanhã !
E assim fui deixando desaparecer,
desfazer-se estes últimos tempos, 
principalmente parte de Maio e Junho !
Presto muita assistência aos meus netos, 
devido aos horários que os pais começaram a ter, 
mas é pouco para mim !
Por ser algarvio 
e amar o Algarve, 
fiquei com a casa dos meus pais 
e, como os tempos eram outros,
ainda arranjei uma barraca junto a uma praia !
Quando eu tinha 60 anos 
vinha e ia a caminho de Lisboa, 
com facilidade, 
com prazer, 
com alegria, 
conhecia toda a gente.
Nos últimos anos é mais uma obrigação 
e levo muito tempo a prestar aquela assistência mínima 
às casas velhas e fechadas 
e foi perdido nisto 
que eu passei os meus últimos tempos,
fazendo visitas esporádicas ao correio, 
mas dando para saber que tenho muito correio,
a que tenho a obrigação, o dever e o gosto de responder.
E o mais engraçado é que, 

há uns anos atrás, 
eu condenava este comportamento 
e agora convivo com ele 
com uma certa naturalidade, 
sem muita energia para protestar muito comigo próprio.
Eu não apago os emails,
transfiro-os para um disco 
e depois um dia com todo o tempo do mundo 
vou os ler todos, e responder !
Claro que no meio de isto 

também começou a aparecer a solidão, 
melhor, a solidão não existe !
Sim, a solidão não existe ! 
Existe é a saudade de ontem, 
uma saudade muito grande de uma vida passada !
Não nos isolamos, 

gostamos é de estar sós, 
porque não nos apetece falar, 
apetece-nos é recordar, 
não gostamos de ir aqui, ou ali, 
gostamos de ir é a sítios que têm significado para nós, 
onde fomos felizes, 
mas sabemos que esses dias passados não voltam mais 
e arranjar substitutos,
quando as forças começam a faltar,
os movimentos limitados porque os ossos começam a doer...
É certo que também houve aqui uma ajuda 
dos donos de Portugal.
Pois é a partir de uma certa altura, 
de uma certa idade,
a vida perde muita da cor natural 
e é preciso muita ginástica para arranjar alguma cor artificial !
Não é pessimismo, 

muito menos um lamento, 
quando muito um recado, 
de quem, mesmo com menos energia, 
ainda tem a mania de tentar perceber 
o mundo que o cerca, 
que o condiciona.

Um grande abraço

Ernesto Pacheco Duarte

[Fixação de texto: LG]

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1 comentário:

Luís Graça disse...

Grande Ernesto, ainda bem que não é pessimismo... Esse é que nos mata. A lucidez só faz bem... A verdade, mesmo que amarga, se traga. Diz o povo com milénios de experiência, dor, sofrimento...

Não deixes de ir ao correio e mandar-nos de vez em quando recados como este... Um murro no estomago faz-nos bem, de vez em quando... Um alfrabravo fraterno. Luis