domingo, 2 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13837: Postes Escolares Militares (2): Com os meus camaradas já no Puto, fui destacado para fazer exames da 4ª classe, em Mansabá, a soldados metropolitanos... Ao chegar, sem arma, apanhei logo um forte ataque IN... No dia seguinte, deixei passar metade dos examinandos... (Paulo Salgado, ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; professor primário, administrador hospitalar, cooperante)



Guiné > Região do Oio > CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72) > O alf mil op esp Paulo Salgado... Embora essencialmente operacional,  não se coibia de dar uma mãozinha quer no posto sanitário quer na educação de adultos.

Na foto acima, vemo-lo, no Olossato, prestando ajuda como voluntário ao fur mil enf Carvalho. Professor primário, ele já tinha vocação, na época, para a administração de serviços de saúde. E particular motivação e sensibilidade para as questões da cooperação e da solidariedade. Irei encontrá-lo, mais tarde, em 1982 em Lisboa, como aluno do Curso de Especialização em Administração Hospitalar, da Escola Nacional de Saúde Pública. Mas só depois da criação do blogue, é que demos conta, por volta de setembro de 2005,  que éramos também "camaradas da Guiné" e tínhamos uma "paixão comum por África"...

O Paulo (e a sua inseparável companheira, a Conceição Salgado, economista, também ela nossa grã-tabanqueira, tal como a filha de ambos, doutorada em biologia, investigadora no Reino Unido,  Paula Salgado) vive neste  momento entre Vila Nova de Gaia e Luanda.

O casal (o Paulo e a São) regressam a Luanda neste domingo,   à sua suite, na baía de Luanda, na Clínica da Sagrada Esperança. Boa viagem, camarada Paulo, e amiga São! Um kandandu para os nossos amigos comuns!... Vocês são feitos da massa dos portugueses de Quinhentos!...

PS - O Paulo é  nosso grã-tabanqueiro desde a  primeira hora (setembro de 2005) (*).

Foto: © Paulo Salgado (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Mensagem do nosso camarada e amigo Paulo Salgado, cada vez mais angolano, sem perder as suas raízes transmontanas e muito menos a alma lusa:


De: Paulo Salgado

Data: 20 de Outubro de 2014 às 07:39

Assunto: Aprender a ler (**)...


Meu Caro Luís,

Grande Tertuliano,


Havia dois professores na companhia: o furriel Carvalho (enfermeiro) que dava aulas aos camaradas, e eu, menos disponível, dava uma ajuda.

O manual era o quadro preto com invenções nossas e os livros usados pelos tugas por esse "império" mal construído...eram os do  Continente...como poderíamos fazer de outra maneira?

Mas uma história que penso ter contado: a companhia estava já no puto [, metrópole,] e este modesto escriba e mestre-escola foi destacado para fazer exames da 4.ª classe em Mansabá para onde foi transportado de propósito. 

Nesse dia, ao entardecer, um forte ataque do IN e...para onde ir...? No dia seguinte, ao ditado - que fazia parte do exame - reparei que ao primeiro parágrafo cada palavra seu erro; solução: cópia...

Lá passaram mais de metade para, ao menos escreverem, sem interposto camarada, o aerograma à mulher, à noiva, à madrinha de guerra. E para "tirar" a carta de condução...

No final de dois dias, lá vim de coluna, sem arma, com a farda n.º 2...sem qualquer emboscada.

Saudação tertuliana

Paulo Salgado

 NOTA: No mato, os livros utilizados pelos professores do PAIGC de Cabral eram didáctica e pedagogicamente mais correctos e apelativos...Eles ensinavam o português...Sou testemunha.



Guiné-Bissau > PAIGC > Novembro de 1970 > s/l > Uma escola algures numa "região libertada". Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda. Tudo indica que tenha sido tirada na Guiné-Conacri, numa base de rectaguarda do PAIGC, talvez Boké, ou mais provavelmente na própria capital, Conacri, onde havia desde Março de 1965 uma escola-internato para os filhos dos militantes, dirigentes e guerrilheiros.

Fonte / Source: Nordic Africa Institute (NAI).  Foto / photo: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI / courtesy of NAI) (Edição / Edited by LG]



Guiné-Bissau > PAIGC > s/l> s/d> Foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro,  2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... A primeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares, tendo sido impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB..

[Wretmans Boktryckeri AB era um tipografia, fundada em 1889, por Harald Wretmans, tipógrafo com formação alemã, e que  faliu em 1973, depois de ter passado por várias mãos, e de ter 40 funcionários na década de 1940. Tinha fama de apresentar boas encadernações.]

Foto: Fotógrafo desconhecido. [Imagem reproduzida e editada por LG, a partir de um exemplar gentilmente disponibilizado pelo nosso camarada Paulo Santiago].

Imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014). [Edição: LG]




PAIGC > Imagem do livro da 1ª classe, também editado em 1970, impresso e encadernado pela Wretmans Boktryckeri AB, Uppsala, Suécia.  Exemplar apreendido em 1973, no Cantanhez. numa operação "para lá do bolanha de Cafal " (Cortesia de Manuel Maia).
2. Comentário de L.G.:

No interior da Guiné, no "mato", nas "regiões libertadas", não havia estruturas, escolas, hospitais ou outros equipamentos sociais, de pedra e cal... Pela simples razão, que eram um alvo fácil para a aviação portuguesa, bem como para a artilharia e forças terrestres (que continuaram sempre a ir a todo o lado, com maior ou menor resistência dos guerrilheiros). Por outro lado,  eram difíceis os caminhos que levavam às bases de retaguarda, na Guiné-Conacri (e mais tarde, no Senegal). 

Além disso, sabemos que eram duríssimas as condições de vida e de trabalho tanto das populações controladas pelo PAIGC como dos guerrilheiros... [Por exemplo, no interior da Guiné, na zona leste, no setor L1, que eu conheci  bem, enquanto graduado da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71]....

 A propaganda para consumo essencialmente externo, contava outra história, orientada para a heroicização dos combatentes da liberdade da pátria, homens e mulheres, quer na retaguarda quer na frente... Acontece isso em todos os movimentos revolucionários. O PAIGC, de inspiração marxista-leninista, não fugia à regra. Por seu turno, Amílcar Cabral era um líder carismático e um homem sedutor, a par de um hábil diplomata,  tendo conseguido um importante capital de confiança em países nórdicos como a Suécia onde eram impressos, por exemplo, os manuais escolares do PAIGC, pelo menos os livros da 1ª e 2ª classes, ainda antes da independência...  Depois os nórdicos cansaram-se da Guiné-Bissau,,, contrariamente aos portugueses, pelo menos a alguns portugueses como nós... (LG)

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Notas do editor:

(*) 18 de setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P175: Tabanca Grande: Paulo Salgado, ex-Alf. Mil. da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72)

(...) Penso que nos cruzámos na Escola Nacional de Saúde Pública,  por volta de 1982... Do outro lado da mesa [estava] o assistente, e deste lado o aluno de Administração Hospitalar. Foi assim, não foi?

Mas nunca tivemos OPORTUNIDADE DE conversar ... o raio do peso institucional... da Escola. Vou gostar de participar neste blogue.

Fiz a minha comissão no Olossato e Nhacra entre Abril de 1970 e Março de 1972.

Fiz uma segunda comissão em 1990/92, como cooperante na área da saúde. Matei fantasmas; chorei no Olossato; ri-me com as crianças que rodearam a minha viatura; revisitei o Suleiman que me reconheceu passados vinte anos!!! E depois vieram alguns homens grandes...e imensos...

Tenho ido várias vezes a Bissau desde 1996 - os amigos que tenho feito...! As desilusões que tenho sentido da parte dos guineenses. Mas também a esperança. Irei fazer outra comissão de um ano, dentro de poucos dias...! Loucura? Utopia? Talvez. (...)



(...) Aqueles de nós que foram professores primários, nos postos militares escolares, como o Carvalhido da Ponte (Xime), o Manuel Amaro (Aldeia Formosa) ou o Manuel Joaquim (Bissorã), podem falar, com propriedade e autoridade, sobre as dificuldades, perplexidades mas também sobre o prazer de ensinar, com o eventual apoio dos nossos velhos manuais escolares ou de outros textos (que eu desconheço se havia outros manuais na Guiné), a língua, a cultura e a história portuguesa aos putos das tabancas guineenses... É que nos nossos manuais bem sequer havia uma simples imagem com a cara do "pretinho da Guiné"... (...)

4 comentários:

Luís Graça disse...

Mandei a seguinte mensagem do José Belo, o nosso régulo da Tabanca da Lapónia

2 nov 2014
12:44

José:

Bom dia!.. Ainda não nos roubaram o sol, que é a única coisa (de Portugal) que deve fazer inveja aos teus suecos...

Olha, diz-me se sabes algo mais sobre estes rapazes, que também ajudaram os guineenses a aprender a falar e a escrever a nossa língua... (uma das poucas boas que lá deixámos).

Esta tipografia (e editora ?) de Upsala imprimiu dezenas de milhares de manuais escolares para o PAIGC... Quem é que pagava ? O meu sueco do Google não dá para perceber tudo...

Um abração. Luis

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(...) Wretmans Boktryckeri AB era um tipografia, fundada em 1889, por Harald Wretmans, tipógrafo com formação alemã, e que faliu em 1973, depois de ter passado por várias mãos, e de ter 40 funcionários na década de 1940. Tinha fama de apresentar boas encadernações.]

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2014/11/guine-6374-p13837-postes-escolares.html

Anónimo disse...

Quem pagava era o Departamento Estatal "Swedish International Development Autority".
Com um início modesto em 1969,o governo sueco acabaria por enviar para o PAIGC , durante a guerra, um total de 53,5 milhöes de Koroas suecas(ao valor actual).
Assistëncia que, em crescendo rápido,acabou por vir a financiar a maioria das actividades näo militares do PAIGC,salientando-se o sector alimentar,transportes,educacäo e saúde.
A isto somavam-se vastos e constantes fornecimentos para as chamadas "Lojas do Povo".
Posteriormente à independencia a Guiné-Bissau foi o único país da África Ocidental a ser incluída nos denominados países programados para a distribuicäo da assistencia Sueca ao desenvolvimento.
Com resultados muito díspares(!),a assistencia total à Guiné independente durante o período de 1974/75-1994/95 foi de 2,5 biliöes(!) de Koroas Suecas,colocando entäo a Suéciia entre os 3 maiores assistentes económicos do país.

Hoje?....A história é outra.
Tanto as ajudas estatais como particulares,o interesse,e os sentimentos de solidariedade,foram destruídos na quase totalidade pela corrupcäo de políticos e militares,e näo menos...narco-tráfego.
Um abraco do José Belo.

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Esta questão do 'apoio escolar' é uma daquelas que certamente 'marca' quem nelas participou.
Uns por 'obrigação', outros por 'devoção', outros ainda como forma de se sentirem 'pessoas' no meio daquele ambiente, lá foram desenvolvendo o seu trabalho e hoje essas lembranças dão-lhes uma dimensão da capacidade humana que certamente na ocasião nem sequer consideravam.
Mas é essa a diferença entre os que 'vêm passar os comboios' e os que se empenham de alguma forma em serem úteis a mais alguém que não à sua própria pessoa.

Abraço
Hélder S.

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Depois de ler a parte final do comentário do Zé Belo, que vem ao encontro do que também penso ser a reacção típica, normal e justa, por parte de muitos "amigos da Guiné", reforço a ideia que o Povo da Guiné, o povo das tabancas, como várias vezes por aqui se escreve, é que sofre com todos os desmandos que os vários e sucessivos 'senhores da guerra' que se foram 'abichando' com tudo o que de mau é possível o poder proporcionar.

E é uma pena que todo o "capital de simpatia" que Amílcar Cabral conseguiu grangear fosse assim desbaratado.

Ainda haverá esperança? Quero acreditar que sim, mas é muito difícil, depois de tantos e tão sucessivos 'flops'.

Hélder S.