sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13954: Recordações de uma ida à Feira da Ladra: 15 de Novembro (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2014:

Queridos amigos,
Mais tarde ou mais cedo far-se-á uma excursão de velhos combatentes até à Feira da Ladra.
Levaremos um oficial do quadro permanente para irmos almoçar à messe dos oficiais do Exército, um lindo palacete e uma bela sala de refeições, com azulejos topo de gama.
Aqui ficam recordações e remeto trabalho para outros. Por exemplo, o Zé Martins(*) que nos esclareça aonde se situava esta rua Alferes Linhares de Almeida e nos dê mais elementos sobre a sua morte em combate e a CCAÇ 1547.

Um abraço do
Mário


Recordações de uma ida à Feira da Ladra: 15 de Novembro (1)

Beja Santos

Tempo adverso, chuva intermitente, aguaceiros enervantes, feirantes e passantes descorçoados, com tanta água a escorrer de Santa Clara até à rua do Paraíso, só ficam os vendedores com toldo ou cobertas em plástico bem resistentes. Por ali se vagabundeia com chapéu aberto ou fechado, é tudo uma questão de persistência, até de desportivismo de quem anda à cata de surpresas, de agradáveis imprevistos. Já tinha abordado a D. Piedade que tem mercados singulares: azulejos, peças em tricot, molduras antigas, coisas que vieram de um negócio de adelo, compras de espólio, a família fartou-se do bricabraque que o defunto ou defunta deixou no sótão, no mobiliário, nas gavetas. Mas havia para ali umas caixas com fotografias e um atlas completo intitulado A. Nascimento – Atlas de Geografia, Livraria Franco, Lisboa, 1960.

Toca de procurar a Guiné. Como veem, é um mapa fora do tempo, onde se lê Senegâmbia deverá ler-se Senegal, onde se lê Guiné Francesa deve ler-se Guiné Conacri. A disseminação das etnias não é rigorosa: não há uma palavra sobre os Mandingas, o Leste e o Norte em peso parecem ocupados por Fulas Pretos e Futa Fulas. A toponímia é do princípio do século. Falando da região onde vivi e combati, é verdade que à entrada do Geba Estreito estava S. Belchior, povoação abandonada durante a guerra, mais abaixo havia Enxalé, povoação antiga, aqui não é referida. Mais adiante, fala-se em Sambel Nhanta, era de facto a povoação mais importante do Cuor até à rebelião de Infali Soncó, sufocada em 1908, apareceram depois Chicri, Sinchã Corubal, Madina, Canturé e Gambiel. Refere-se no mapa Caranque Cunda, foi fundada em 1908, depois da rebelião de Infali Soncó, ali estiveram acantonadas tropas durante algum tempo, os macuas e tropa metropolitana, pouco tempo depois tornou-se um sítio irrelevante. Passando para a outra margem do Geba, Fá tinha ainda bastante peso como Bambadinca e Xime, mas antes de 1960 havia já inúmeras povoações que podiam e mereciam ter referência. É necessário estudar este mapa para se perceber que não se estudava a Guiné, não se conhecia a Guiné, quase tudo o que aqui aparece em 1960 é d eturpação ou omissão. Assunto que nos devia dar que pensar. Claro está que os acontecimentos, a partir de 1963, alteraram muita coisa, apareceram destacamentos em lugares inconcebíveis, abandonaram-se povoações, mas muito do que se regista neste mapa é muito antiquado, e esse é antiquado é porque ninguém lhe dava importância, ninguém refilava, é porque a Guiné estava para lá do sol-posto.

Mapa da Província da Guiné. Escala 1:2.000.000
Clicar na imagem para ampliar

O mapa já passou para as minhas mãos, guardei-o em dois sacos de plástico, não é propriamente uma preciosidade mas não gosto de papel encharcado. E agora dobro a cerviz, já me acocorei, a ver se acontece mais uma pepita guineense. E acontece mesmo, há para ali uma chusma de fotografias que diz Foto Iris, Bissau. Mexo e remexo, não encontro fio condutor, terá sido seguramente alguém que andou entre a Guiné e Cabo Verde, encontrei fotografias do porto de Mindelo, S. Vicente, bem bonitas por sinal. Não chove, pus mais um plástico e ali ponho os joelhos, para contemplar demoradamente as fotografias. Escolho três de que gostei muito, não sei explicar porquê. Talvez no Google encontrasse referências a esta CCAÇ 1547, a que pertenceu o alferes Linhares de Almeida, morto em combate em 1 de Abril de 1967. O Zé Martins que descalce a bota, ele é que é o estudioso e conte como foi. Outro bico-de-obra é saber onde é que estava esta rua, num muro enegrecido de onde brota capim: será Bissau? Quem se recordar faça o favor de me explicar aonde estava esta rua.


A fotografia seguinte não levantou dúvidas, jangada em João Landim, o Mansoa espraia-se, temos a vegetação ao fundo. Os cinco turistas não identificáveis, a roupinha é da década de 1960, a menina já tem saia curta, podemos até perguntar se o jovem do meio não é militar e vão todos em festa, fazer um repasto em Mansoa. Conjeturas, nada mais do que conjeturas.


Por último, encheu-me as medidas este jogo de luz que atravessa a lala e pode ir até a um braço da ria, a vegetação é frondosa, o contraste entre a claridade e o negrume da vegetação é um achado feliz. Não sei quem tirou a fotografia, creio que ninguém irá identificar o local mas é uma bela imagem dessa zona tropical seca onde vivemos entre água e vegetação luxuriante. Só por esta fotografia dei por bem empregado a vinda à Feira da Ladra.


Subo em direção ao mercado de Santa Clara, começou a chuviscar, abrigo-me na tenda do meu amigo Eduardo Martinho, recebe-me com um sorriso. Combateu na Guiné, conhece o nosso blogue, foi com ele que regateei o livro dedicado a Mário Pinto Andrade. Vai buscar o livro e autoriza que eu reproduza o que achar de mais interessante.
Trata-se de uma edição de 2009, Edições Chá de Caxinde, Luanda, Mário Pinto de Andrade, um olhar íntimo, a coordenação é da filha mais velha, Henda Pinto de Andrade, na dedicatória, em primeiro lugar, veio o nome de Iva Cabral, a filha mais velha de Amílcar Cabral, nome certamente escolhido por lembrança de Iva Pinhel Évora, assim se chamava a mãe de Amílcar Cabral. Por diferentes títulos, Mário Pinto de Andrade tem a ver com as lutas de libertação e com a Guiné. Nos finais dos anos de 1940, vemo-lo com Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, Marcelino dos Santos e Francisco José Tenreiro em atividades culturais, designadamente mais tarde, em 1951, no Centro de Estudos Africanos. Foi presidente do MPLA de 1960 a 1962 e coordenador da Conferência das Organizações Nacionalistas nas Colónias Africanas. Recorde-se que o MPLA foi também criado com a colaboração de Amílcar Cabral. Foi encarregue pelo Comité Executivo do PAIGC para organizar a apresentação dos textos políticos de Amílcar Cabral. Foi coordenador geral do departamento da cultura da República da Guiné-Bissau, de 1976 a 1978 e ministro de Estado da informação e cultura de Outubro de 1978 a 14 de Novembro de 1980. Após o golpe de Estado saiu da Guiné-Bissau e dedicou-se à investigação. Faleceu em 1990. Este olhar íntimo faz-nos conhecer um escritor epistolar de altíssima craveira. Veremos estas qualidades no apontamento que se segue.
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 24 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13938: Consultório militar, de José Martins (11): Quem foi o alf mil Linhares de Almeida, da CCAÇ 1547, morto em combate em 1/4/1967, e condecorado, a título póstumo, com a cruz de guerra de 2ª classe?

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

Estas coisas do Beja Santos são uma maravilha, pelo menos para quem vive da saudade, como eu.

Os irmãos Pinto de Andrade e toda a geraçao de Amílcar Cabral foi gente do melhor que houve em toda a África negra.

Principalmente aqueles que em maioria não embarcaram no "barco" deles.

Mas tanto uns como os outros são renegados por muitos guineenses, que não reconhecem o esforço e sacrifícios dessa geração.

É uma pena haver tanto complexo na cabecinha de muitos guineenses.

armando pires disse...

O Eduardo Martinho, aqui citado pelo Beja Santos, foi furriel miliciano pel.rec. da CCS do meu Batalhão, o BCAÇ 2861.
armando pires

Anónimo disse...

Em 1971,a travessia do Rio Mansoa, em João Landim Landim, comunicava com o início da estrada que passava em Bula, Pelundo e Teixeira Pinto. Duvido muito que a jangada fosse até Mansoa.
Hoje, neste local, há uma bela ponte que liga as duas margens.
No ano acima referido havia uma excelente estrada que ligava Bissau a Mansoa passando por Safim, onde se fazia o desvio para João Landim.
Cumprimentos.
José Câmara