sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14081: (Ex)citações (257): A misteriosa cruz branca de Samba Silate... (António J. Pereira da Costa / A. M. Sucena Rodrigues / Luís Graça)



Guiné > Zona leste < Setor L1 (Bambadinca)  Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Ruinas da casa onde nasceu o guerrilheiro referido por A. M. Sucena Rodrigues no poste P14055 (*).  Ao fundo, à direita, devidamente sinalizada a vermelho, pode ver-se a cruz que, segundo o guerrilheiro, foi erigida antes da guerra [, nos anos 50,], por um tal missionário que lá viveu e que ele chamava padre António [Grillo, acrescentei eu, LG].

Foto: © A. M. Sucena Rodrigues  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Comentário de António José Pereira da Costa, cor art ref,  ao poste P14065 (**):


Olá, Camarada

Nunca tinha visto a tal cruz que mostraste numa das tuas fotos. Era fora do arame? A que se destinava?

Manda-me uma cópia, por favor.

Nunca me falaram do padre Grillo.

Recebi, sim, um pedido de uma família italiana - os Riciulli - que pretendia tomar posse das instalações que a companhia ocupava em Samba Silate (abusivamente de acordo com o seu ponto de vista). Ficou tudo para decisão dos "Nossos Maiores" e, conforme as instruções, eu entregaria as instalações (...).


A.M. Sucena Rodrigues, fur mil,
CCAÇ 12  (Bambadinca e Xime,
1972/74)

2. Mensagem de António Manuel Sucena Rodrigues, em resposta ao António J. Pereira da Costa [quem, como se sabe, foi comandante da CART 3494, no Xime, entre agosto e novembro de 1973, pertencendo Samba Silate ao subsetor do Xime]

Data: 23 de dezembro de 2014 às 20:01

Assunto: A Cruz da Samba Silate

Olá Camarada, António José Pereira da Costa


A cruz que se vê na foto era em Samba Silate e não no Xime ou em Bambadinca. A tabanca de Samba Silate e nesta época (Maio de 74) não tinha qualquer cerca de arame farpado, assim como não tinha qualquer sistema de autodefesa.

Como expliquei no texto (*), era considerada como segura relativamente à possibilidade de ser "incomodada" pela guerrilha, dada a sua localização. Por isso era enviada para lá a população que fugia das chamadas zonas libertadas.

Também, conforme referi no texto, foi a primeiro e única vez que fui a Samba Silate e estava ali tão perto [, no Xime], por isso não sei se, no passado, alguma vez esteve cercada de arame farpado.

Já agora, camarada, pela tua questão presumo que lá tenhas estado ou lá perto. Em que época foi e em que companhia ?

Um abraço. Bom Natal e Bom Ano.

A. M. Sucena Rodrigues
Ex-fur mil da CCaç 12, 1972/74
Bambadinca e Xime


3. Entre as histórias contadas pelo padre Grillo, Paolo Grappassoni (que esteve na Guiné-Bissau em finais de 1988 e princípios de 1989, em visita a missões católicas italianas) escolheu algumas publicadas na revista “Venga il tuo Regno”. E eu selecionei e traduzi e adaptei esta, que tem a ver com a cruz de cimento que existia (e existe)  no centro da tabanca de Samba Silate.

[Foto à esquerda, o padre italiano Antonio Grillo (1925-2014), de visita a Bambadinca e aos "seus balantas", em 22/2/2008; cortesia do blogue "Igreja Católica na Guiné-Bissau > 19 de junho de 2014 > Faleceu Pe. António Grillo, com a devida vénia; foto editada por L.G.]

Um mês depois de ter recebido o batismo, morreu  o chefe de Samba Silate, Mateus Jala. Durante a muito tempo Jala tinha quatro mulheres, nunca tendo sido possível, o missionário, pensar no seu batismo. Mas quando ele ficou só com uma, a última, que também tinha um filho pequeno, o padre pensou que tinha chegado o momento. E aceitou.

Antes de morrer, Jala tinha pedido aos seus filhos para não ser enterrado no recinto do seu quintal, como era costume entre os Balantas, mas sim à sombra da cruz branca erguida no centro da tabanca. 

 À hora do funeral, o padre dirigiu-se à morança do Jala em Samba Silate. Acompanhado por dois jovens acólitos, encaminhou-se para o lugar do enterro, seguido dos homens que levariam o féretro.

Mas, de repente, o padre Grillo deu-se conta de que o corpo havia desaparecido. O que tinha acontecido?

Um ancião da aldeia garantiu-lhe que ele estaria de volta em breve, depois de ter sido levado para a bolanha para a 'lavagem'. De fato, logo reapareceram os carregadores, para logo desaparecerem novamente com o cadáver transportado numa maca improvisada. Dirigiram.se a outra morança.

Um dos dois acólitos disse ao padre: "Jala foi despedir-se dos parentes." 

 Ao fim de meia hora, os carregadores reapareceram com outro ânimo, porque, de acordo com suas crenças, tinham sido possuídos pelo espírito do defunto e todos trabalharam em prol da sua virtude. 

"Jala, diziam os homens garndes, não poderia deixar esta terra sem sequer se despedir do seu amigo missionário em sua casa."

Os carregadores tinham ido de facto à residência do padre. Aqui, segundo descreveu um jovem que havia testemunhado a cena, pouco tinha faltado para arrombarem a porta com golpes violentos da moca, em jeito de saudação.

Quando, depois destas cenas, o padre estava pronto para benzer o corpo antes de ser colocado no túmulo, os dois jovens acólitos fugiram. Os seus pais tinham-nos absolutamente proibido de assistir ao enterro, porque era um mau presságio para um jovem. O padre benzeu o cadáver e manifestou a intenção de voltar à tabanca uns dias depois.
___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14055: Memória dos lugares (278): Samba Silate, no pós 25 de abril de 1974: As saudades que a guerra não conseguiu apagar mesmo nos guerrilheiros do PAIGC (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambdaionca e Xime, 1972/74)

4 comentários:

Antº Rosinha disse...

Um sambinha brasileiro canta assim:
Brasileiro é cristão a semana inteira/É Macumbeiro à sexta feira.

Luís Graça disse...

Bom Natal, e melhor P+áscoia, Rosinha... Como vês, o Padre Grillo só batisou o Jala quando o pobre ficou mais pobre, só com uma mulher... O islamismo é mais plástico e flexível, adaapta-se melhor à cultura africana... VBom ano. Luis

Anónimo disse...

Caros Camaradas,

Espero que tenham tido um Santo Natal.

Venho pelo presente sugerir que seja corrigido o período em que o meu/nosso camarada ex-Cap Pereira da Costa foi CMDT da CART 3494, no Xime.

A sua chegada à CART ocorreu em 22JUN1972, dia do seu aniversário. A sua saída verificou-se em 10NOV1972, dia do meu aniversário.
Coincidências.

Que tenham um óptimo fim-de-semana.

Um abraço,
Jorge Araújo.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Ah isso agora chama-se islamismo (de) plástico...
Reparem na acção do padre. Dá a impressão que esperou (devidamente emboscado) por um período de vulnerabilidade (abandonada por 3 moçoilas e velho) para o converter. No fundo parece que o que era importante era uma espécie de contabilidade de conversões. O que era necessário era converter, mesmo que não fosse por convicção do convertido.
Arrumem lá mais esta no sótão das bojardas do colonialismo.
Já repararam que isto dava um romance daqueles "tipo Mia Couto"? Ele é que não sabe, senão... já andava aí nas livrarias e malta a comprar e a dizer maravilhas. Digo eu...
Façam a correcção pedida pelo Jorge Araújo que é a verdade. As datas que constam na História da Unidade (CArt 3494) não estão correctas.
Um Ano Ano para todos
António J. P. Costa