sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14155: Os nossos seres, saberes e lazeres (76): O vício da pesca desportiva à linha (Juvenal Amado)



1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 9 de Janeiro de 2015:

Caros camaradas
Hoje vivo a uma distância considerável do mar e sem companhia, deixei há muito essa prática que chegou a ser um caso sério na ocupação de todos os tempos livres. Chegávamos a ir directos das pescarias para o trabalho, embora fosse mais aos fins de semana que praticávamos com mais afinco.
A vida é como é e, na altura dizíamos uns para os outros, que quando nos reformássemos é que seria apanhar peixe, pois ele não espera pelos fins de semana para aparecer, sendo nós a ter que esperar por ele.
Não vou à pesca há mais de vinte anos e agora não é por falta de tempo.
É a vida.
Juvenal Amado


Pesca Desportiva

Eu e o meu cunhado, também ex-combatente na Guiné, no caso dele em Fulacunda, depois de regressados apanhamos vício da pesca desportiva à linha.

Assim era ver-nos a ouvir as notícias para saber o estado do mar e de que lado soprava o vento e logo que pudessemos, lá íamos nós mais o Barrão(1), o Victor Amado(2), de canas de pesca, bornal com farnel, carretos, estralhos, destorcedores e amostras para a corricagem quando o mar estava encarneirado.

Consoante o sítio para onde íamos exercer o mister, os iscos eram também escolhidos com parcimónia, uma vez que os pesqueiros tinham o peixe engodado a diferentes tipos de isco. Também era importante saber a qual o peixe estava a morder melhor: no Salgado, no Areeiro, no Vau Furado, em água de Madeiros, no Sordão, na Foz de Arelho, etc.
Na Nazaré quase sempre era tripa de sardinha, uma vez que as peixeiras amanhavam os carapaus e sardinhas para secar e deitavam-nas ao mar.


Eram noites ou madrugadas passadas com o dedo na linha. A força das ondas faziam-na vibrar, rolando a chumbada dando a ideia de que era o peixe a picar. A maior parte das vezes não apanhávamos nada, só se salvava o lanche, uns golos de brandy que aqueciam a malta quando frio apertava e as conversas sobre o que tínhamos passado “lá longe onde o Sol castiga mais”.

Quando se pescava um robalote ou uma raia, era uma festa. Os mais felizardos apanhavam uma dourada ou sargo e então a felicidade era total. Falava-se durante algum tempo sobre como o tínhamos sentido, da luta que tinha dado e da alegria quando o víamos emergir entre a espuma da rebentação.

Em Alcobaça havia um grupo de pescadores mais velhos com os quais nós não nos misturávamos porque eles não queriam. É que eles faziam da sua forma de pescar um segredo e o mais engraçado é que passavam a vida a vigiar quando uns iam para a pesca para irem logo atrás. Alguns trabalhavam na mesma empresa que eu e quatro eram pintores na minha secção.

Um belo domingo, dois ou três foram até ao Salgado, onde o mar era sempre forte, passar um bocado, enquanto ouviam o relato dos jogos da 1.ª Divisão do Campeonato Nacional de Futebol.

As canas, de perto de 5 metros, num movimento onde se unia a força dos braços com vergar delas ao peso da chumbada cónica de 150 gramas, projectavam o estralho com o respectivo isco para dentro do mar, sendo necessário ultrapassar 80 metros, para que as ondas não devolvesse o anzol ao areal.

Às tantas, o senhor João preparou-se para fazer o seu lançamento e, quando vai com equipamento atrás, o anzol pegou, por azar, na alça do pequeno rádio, só se ouvindo associada à vergastada que a cana deu a voz do Romeu Correia a passar por cima das cabeças da malta, com se fosse zumbido mergulhando sem apelo nem agravo para lá da rebentação do Salgado, que era sempre bem forte .

Era uma chatice, já não se podia ouvir o relato da bola, mas o pior é que ia ser motivo de gozo de toda a malta. Combinaram logo ali que o assunto era para esquecer e que não se falava mais nisso.
Mas isto de segredos tem que se lhe diga, a coisa acabou por transpirar e foi motivo de muita risota entre a malta.

Um belo dia o senor João entrou na secção e, como de costume, ia logo para o pé do grupo onde eu me incluía, falar de como tinham corrido as pescarias, sobre a qualidade dos iscos, enfim conversa de pescadores. Já toda a malta estava a arreganhar os dentes quando Adriano diz com um ar muito sério:
-  Ouvi dizer que no Domingo, à tardinha, no Salgado, foi pescado um safio. Não quer saber que ficou toda a gente muito assustada pois o bicho falava e parecia um locutor a relatar um jogo de futebol?

Nessa altura a secção toda rebentou em fortes gargalhadas para desespero do desanimado pescador.
O homem ficou malino e deixou de falar com a malta. Compreende-se…

• O Adriano era levado para pregar partidas. Esteve em Angola e sobre ele há várias pequenas estórias onde ele foi o herói, outras vezes a vítima. Uma delas conta-se num instante. Os pais tiveram um filho antes dele a quem chamaram Adriano. Ora essa criança, para grande desgosto dos pais faleceu ainda bebé de colo. Quando o meu colega nasceu, talvez para minorar a falta do filho que tinha morrido, puseram-lhe o nome exactamente igual. Até ai tudo bem, mas quando o Adriano tinha 17 anos a Policia Militar foi a sua casa para o prender como refratário. Viu-se e desejou-se para explicar que não era ele e que procuravam, mas sim, o irmão morto, que tinha o mesmo nome e que se estivesse vivo estava na idade da incorporaração, já tendo faltado à sortes. Lá se safou pois era bem de ver que era demasiado novo. Coisas da tropa portuguesa.

• Na secção da pintura da Crisal também o Zé Marques, que foi pára-quedista, e o Félix estiveram na Guiné.

(1) - O meu amigo Barrão já falecido prestou serviço em Angola

(2) - O meu primo e colega de profissão Victor Amado foi marinheiro e prestou serviço em Moçambique

Um abraço e bom fim de semana
JA
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14087: Os nossos seres, saberes e lazeres (75): O Porto (e)terno (Luis Graça)

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