terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14196: Blogpoesia (400): Auschwitz (J. L. Mendes Gomes)



Polónia > Entrada para Auschwitz II-Birkenau, o campo de extermínio do complexo de Auschwitz.
Património Mundial da UNESCO (Cortesia de Wikipedia)


Auschwitz...

por J.L. Mendes Gomes

impossível de ver e não chorar...
sinto vergonha da humanidade!...
o que é capaz de realizar.
para que serve a inteligência?
essa força e esse dom
da natureza,
tão sublime,
que te faz um ser superior
à toda a multidão de seres...
em toda a terra.

como foi possÍvel
descer tão baixo,
muito pior que a animalidade...
é leal.
só mata para sobreviver...

porquê reduzir a nada
os milhões de iguais,
com vontade de os exterminar...
e o seu direito de viver...

pela forma a mais cruel...
impossível para uma fera, a mais animal...


sinto horror...
sinto pavor de ti!
pelo que me podes vir a fazer!...

ouvindo Brendan Perry

Slubice, Polónia, 
27 de Janeiro de 2015
22h00m
Joaquim Luís Mendes Gomes

____________

Nota do editor:

Último poste da série > 30 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14096: Blogpoesia (399): "Eu e a Mina", de Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art.ª, Minas e Armadilhas da CART 1659

4 comentários:

Luís Graça disse...

O mal absoluto... Estive lá em 2003... E também experimentei, como tu, Joaquim, essa estranha sensação de quase ter horror a tudo o que era humano como aquele prisioneiro, judeu, que ao sair de Auschwitz foi incapaz de beijar e abraçar a mulher...

E escrevi, em 3/5/2005 um poema ao papa polaco, quando morreu... Aqui vai um excerto:

outubro 21, 2005
Blogantologia(s) II - (9): E na hora da nossa morte, amen

(...) Estive há dois anos
Na tua histórica Cracóvia,
Na tua Kadowice natal,
Karol Wojtyla,
João Paulo, o segundo,
Papa da Igreja Católica,
Agora defunto.
Não sei nada do Santo Espírito
Nem dos dogmas
De que a tua igreja é a guardiã,
Nem dos mistérios da tua fé,
Polaca e cristã,
Sólida como uma rocha de granito,
Mas que não seriam mistérios
Se o fossem da razão
Ou até tema de discussão
Na praça pública.

Sei pouco da tua vida,
Karol Wojtyla,
Com o teu ar tão adoravelmente tosco
Quanto humano
De lenhador
Ou de camponês,
Órfão de mãe,
Fã de Maria, a Virgem.
Procurei, e não em vão,
Da tua terra entender
Os sinais da história,
E tive pena e ao mesmo tempo orgulho
Da tua Polónia,
Terra mártir.
Dos teus mineiros de sal e de carvão.
E da tua virgem negra de Czestochowa.
E dos teus camponeses, ex-servos da gleba.
E dos teus operários dos estaleiros navais de Gdanz,
Ex-heróis de músculo e de aço do proletariado.
E do seu trabalho de Sísifo.

Mas foi do inferno de Auschwitz-Birkenau,
Bem ao pé da tua casa da infância,
Que trouxe o cheiro do mal absoluto,
Entranhado no meu corpo,
Dos pés à cabeça,
Corpo não de santo peregrino, como o teu,
Mas de vulgar turista.
O cheiro da morte total
Que hoje ainda nos persegue, aos vivos,
E que há-de perseguir-nos
Pelos séculos dos séculos.

Sei que pediste perdão aos judeus,
Ao povo judeu,
Não por este holocausto,
Mas por outros infernos,
E nisso foste digno.
Um outro sucessor teu,
Talvez Pedro, talvez Paulo,
Irá pedir perdão, em vida,
E com a conveniente solenidade,
Aos milhões de homens e mulheres,
Da tua aldeia global,
Que tu conhecias tão bem,
Da América à África e à Ásia,
Passando pela Europa e pela Oceania;
Aos homens e às mulheres que, depois de ti,
Irão morrer
Do HIV/Sida.
Sem fé.
Nem esperança.
Nem caridade.

Afinal, Karol Wojtyla,
É na hora da nossa morte
Que descobrimos que, na terra,
Há mais inferno do que céu.



http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2015/01/guine-6374-p14145-memoria-dos-lugares.html

Anónimo disse...

Em 2002, fui à bonita cidade de Cracóvia, fazer uma conferencia. E claro que visitei o Campo. É quase impossível descrever o que senti. Eu, que não sou homem de lágrima fácil, chorei como uma criança. Não, não podemos esquecer...

Abraço.

J.Cabral

Manuel Luís Lomba disse...

Em 1994, visitei o campo de Dachau, nos arredores de Munique, a mãe dos campos de concentração nazis, inicialmente destinado aos opositores políticos. Terá sido o último a ser dotado de fornos crematórios, que não terão chegado a funcionar. As suas vítimas eram gazeadas nos "chuveiros" e os seu restos mortais feitos desaparecer, por métodos clássicos.
A propósito, como as "intimidades" entre alemães e russos estão em renascimento, lembro que Dachau foi libertado pelos americanos e logo destinado a museu, ao passo que o de Auschwitz foi libertado pelos russos e os seus multiusos logo aproveitados para centenas de milhar das suas vítimas...
No melhor e no pior, os alemães são o melhor que há.
Em abono da verdade e justiça histórica, eu tenho algo que contar...

Luís Graça disse...

Manuel Luís, pessoalmente tendo a dissociar os povos dos regimes políticos que os (des)governam. O mesmo é dizer, povos e elites dirigentes... Seria um erro grosseiro pormos tudo no mesmo saco.

Não esqueço os campos de concentração, onde quer que existam ou que tenham existido. Mas não confundo os alemães comn o regime nazi, nem os russsos com o estalinismo. E por aí fora... Nenhum povo tem uma "folha histórica limpa", e os papeis de vítima e carrasco mudam... Claro que os mais fracos correm sempre mais riscos de serem vítimas...

Por outro lado, a museologização do horror e do mal absoluto pode também servir propósitos de propaganda... Nas sociedades humanas tudo pode servir de arma de arremesso...

Um grande abraço para ti e para o Jorge Cabral.