domingo, 31 de maio de 2015

Guiné 63/74 - 14684: Blogpoesia (415): Dunquerque, Calais, St. Omer, La Lys, Verdun... O cemitério militar português de Richebourg (António Graça de Abreu)




França > Cemitério militar português de Richebourg  L'Avoué, perto de La Lys com os túmulos de 1.831 compatriotas nossos, mortos na I Grande Guerra.


Fotos. © António Graça de Aberu (2015). Todos os direitos reservados 



1. Mensaqgem do nosso camarada e amigo António Graça de Abreu [ex-alf mil,  CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74,  poeta, escritor e conhecido sinólogo:

Neste mês de Maio de 2015 tive a ventura de viajar um pouco por uma Europa que conhecia mal. Tenho um filho na Comunidade Europeia, a trabalhar em Bruxelas, e foi altura de abalar para terras belgas, da Valónia e flamengas, mais terras francesas, luxemburguesas, alemãs e holandesas. Tudo em pouco mais de uma semana, 1.400 quilómetros num carro alugado em Bruxelas.

Tinha fisgada a ideia de ir aos locais do desembarque na Normandia, o dia D de Junho 1944. Acabei por entrar em França por Dunquerque e depois Calais. Não cheguei mais a sul, a Caen, mas atravessei todo o norte da França, em direcção ao Luxemburgo. Dormi numa cidadezinha chamada St. Omer e segui viagem, sempre por estradas secundárias.

Impressionantes as centenas de “jardins de pedra”, os cemitérios das centenas de milhares, ou milhões de homens mortos em combate, em toda esta região, na 1ª e na 2ª Guerra Mundial, homens de tantas nacionalidades, franceses, alemães, norte-americanos, canadianos, checos e também portugueses, os nossos quase todos mortos na batalha de La Lys, em 1918. 

Perto de La Lys fica o cemitério português de Richebourg com os túmulos de 1.831 compatriotas nossos. Vejam as fotos Também podem procurar no Google em “imagens”, “cemitério português de Richebourg”. Fui lá pesquisar e tive a surpresa de ver a foto de um primeiro-ministro português a visitar este cemitério. Não digo quem é o homem, vão à net e procurem, creio que também terão uma surpresa.

Entretanto escrevi cerca de sessenta poemas, ao sabor das paragens viajadas e visitadas. Os poemas que têm a ver com a guerra, guerras onde morreram tantos “meninos de sua mãe”, guerras diferentes mas por onde nós também passámos, são estes:

Nunca ouvi nada tão bonito, tão dilacerante, tão profundamente triste, ecoando, até ao fundo do meu sangue, a dor do mundo.

António Lobo Antunes


Dunquerque, Calais, St. Omer, La Lys, Verdun 

por António Graça de Abreu

Setenta anos depois,
ainda o sangue a embeber
a memória e as areias de Dunquerque.

Nas terras de Pas de Calais,
à sombra dos jardins de pedra,
milhões de mortos na insânia da guerra.
Meus irmãos mais velhos.

La Lys, apenas um ribeiro
entre vergeis e o nada.
As margens ainda embebidas em sangue.

Cemitério em Richebourg,
mais de mil e oitocentos portugueses mortos.
1918. Nas lápides, as quinas,
um nosso nome,
“um menino de sua mãe.”
Tulipas rubras
crescem entre estelas de pedra,
não murcham as flores da memória.

Meninos como eu, tão jovens,
franceses, americanos, ingleses, alemães,
dilacerados pela metralha, pela loucura.
Recolhimento, uma prece.

Outrora, a floresta encharcada em sangue.
Hoje, incontáveis jardins de pedra,
tudo verde, branco de mármore
e o silêncio.

Heróis quase esquecidos
pela passagem dos anos,
mas o rosto da memória
caminhando, com a luz do sol.

Aqui em Verdun, há quase um século
caíram, trespassados pelas balas,
mais de meio milhão de homens,
também “ meninos de sua mãe”.
Hoje, nestes cemitérios da guerra,
os ossos, as cruzes infindáveis,
memórias do inferno na terra.

Em África, 1972/74
também fui soldado.
Um regresso com mágoa,
mas de coração aberto para o mundo.
Tantos anos depois,
na distância e no tempo.
meus olhos perdem-se
no ondular verde e amarelo
dos campos de França,
Lágrimas e chuva inundam a paisagem.


 _______________

11 comentários:

JD disse...

Infelizmente bela esta notícia do AGA.
Em França, longe dos nossos olhares, até do nosso conhecimento, "repousam" mais de mil e oitocentos mancebos num local de grande dignidade que, duvido, tenha a colaboração nacional para estar tão bem preservado.
Um abraço
JD

Luís Graça disse...

António, belíssimos, os textos e as fotos... Uma estranha e arrepiante beleza... Obrigado pela partilha. Luis

Torcato Mendonca disse...

Lemos e algo se apodera de nós;
são recordações de jovem soldado;
talvez comparemos o que tão diferente é, ali, naquela terra de morte com uma outra que a tantos, jon~vens con~mo este lhes tocou em sorte.


Bonita a tua homnagem, a tua viagem, o trazeres aqui esta recordação.

Ob e um abraço, caro Antº Graça Abreu.

Fernando Gouveia disse...

Um abraço pelo que escreveste.
Fernando

Anónimo disse...

Poetas da minha Terra não esqueceis o valente Soldado Português.

Parabéns António

Um abraço do tamanho do nosso Cumbiã.

Mário Fitas

Luís Graça disse...

Camaradas, é bom recordar os números, no que diz respeito aos portugueses
na I Guerra Grande... Portugal mobilizou 100 mil homens e sofreu perto de 7800 baixas mortais... Leia-se este excerto do historiador militar, Aniceto Afonso:


(...)" Quando passam cem anos sobre o início da Grande Guerra, é tempo de prestar homenagem a todos os portugueses que se bateram nos campos de batalha de África e da Europa, na defesa da sua Pátria e em prol da Liberdade. Sendo que sobre todos se levanta a memória daqueles que caíram e deram a vida por Portugal.

"Em Agosto de 1914 os poderes europeus lançaram-se num conflito armado de enormes dimensões, que se prolongou até Novembro de 1918, e que só foi sustido, verdadeiramente, mais de 30 anos depois, com o fim da Segunda Guerra Mundial.
Além de defenderam o território nacional, incluindo as ilhas atlânticas, os soldados portugueses estiveram presentes na frente de Angola, em 1914-1915; em Moçambique, entre 1914 e 1918; e em França, em 1917 e 1918.

"Para Angola e Moçambique, Portugal organizou várias expedições militares e para França constituiu um Corpo Expedicionário Português (C.E.P.).

"Para além destas forças, foram também empenhados efectivos da Marinha, que participaram nas operações do Sul de Angola e do Norte de Moçambique, assim como na defesa das costas de Portugal, na defesa das rotas dos Açores e da Madeira e dos portos nacionais, e na segurança dos transportes marítimos utilizados pelas forças portuguesas. Contam-se também alguns dos pioneiros da aviação portuguesa, que serviram nas forças francesas, e ainda um Corpo de Artilharia Pesada Independente (CAPI), que apoiou forças francesas em diversas situações, durante alguns meses do ano de 1918.

"Portugal mobilizou mais de 100.000 homens, dos quais mais de 18.000 para Angola, cerca de 30.000 para Moçambique, e mais de 56.000 para França.

"Em todas as frentes se travaram combates, mas os efectivos portugueses só participaram numa batalha, a Batalha de La Lys, na Flandres, no dia 9 de Abril de 1918.
No total, Portugal perdeu 7.760 homens, a que se somam mais de 16.000 feridos e mais de 13.000 prisioneiros e desaparecidos. (...)

In Memorial – Uma homenagem aos combatentes portugueses

http://www.memorialvirtual.defesa.pt/Paginas/Inicioconteudo.aspx


"

jpscandeias disse...

Obrigado pela informação. Em tempos, nos anos 80, andei por França, Bélgica e Luxemburgo e fui visitar dois cemitérios ambos no Luxemburgo. O primeiro Hamm, onde está o general Patton, que registei com uma foto, e mais uns milhares de soldados. Depois fui visitar o dos alemães em Sandweiler. Nos dois fiquei impressionado pela dignidade dada pelas duas nações à última morada dos combatentes, mas onde se constata quem foi vencedor e quem foi vencido. Desconhecia até hoje a existência desse cemitério de soldados portugueses, provavelmente tê-lo-ia visitado. É reconfortante ver que os portugueses tem tratamento digno ao dos seus pares. No caso do nosso ultramar não podemos afirmar o mesmo. "Teimosamente" os deixamos permanecer por lá e muitos ao total abandono.

João Silva, CCaç 12, 1973

Anónimo disse...

É lamentável, é muito lamentável que muitos daqueles que foram forçados a servir Portugal, na guerra do Ultramar, e que neste conflito perderam a vida, estejam sepultados no meio de matagais, como se de criminosos se tratasse, nos territórios da Guiné, Angola e Moçambique. Há dinheiro para estragar...não há para dar uma sepultura decente aos nossos camaradas.

Carvalho de Mampatá

Manuel Carvalho disse...

Tal como o Zé Dinis também duvido que haja alguma participação de Portugal nesses cemitérios bem preservados.De resto nós sabemos que muitos camaradas nossos estão sepultados na Guiné e noutros lados porque até 1969 o governo de então não devolvia às suas famílias (aquelas que não podiam pagar)os restos mortais dos seus entes queridos mortos ao serviço da Pátria.Todos sabemos como muitos de nós foram tratados enquanto vivos (por exemplo no transporte nos porões)o que vamos esperar depois de mortos.
Um abraço para todos.

Manuel Carvalho

antonio graça de abreu disse...

Em 2004, o cemitério português foi visitado pelo Presidente de República Jorge Sampaio, em 2014
foi visitado pelo Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho. Ambos homenagearam os nossos mortos.Está na net, é só procurar.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...



Por miséria financeira, miséria moral ou ganância dos familiares, infelizmente o facto de alguns corpos de camaradas nossos, ficaram em África, nem sempre era culpa dos nossos governantes. Recentemente, contaram-me um caso que aconteceu numa aldeia bem próximo da minha.O governo terá propôsto à viúva de um camarada nosso uma certa quantia em dinheiro para não transportarem o cadáver da Guiné para a sua terra. A viúva terá aceitado o dinheiro.
Bem sei que o governo fez uma proposta indecente, que nunca devia ter feito. Os restos mortais de um soldado nunca devem estar à venda seja por que preço for. A viúva também mostrou pouca dignidade, só para não usar outras palavras, ao aceitar o dinheiro.
Não sei se houve outros casos semelhantes ou até se estarei correcto e a estória não me terá sido bem relatada. Na verdade quando a ouviu achei-a pouco crível.

Um abraço

Francisco Baptista