sexta-feira, 26 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14799: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (1): Carta aberta aos camaradas da Tabanca Grande: o que fiz (e não fiz) como cofundador e dirigente da associação APOIAR (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


O primeiro "bate-estradas" que recebemos logo no início oficial do verão... Esperemos que seja o primeiro de muitos, a "pôr na caixa de correio", este verão, pelos amigos e camaradas da Guiné que se sentam à sombra do poilão da Tabanca Grande... O pretexto é o verão, as férias (para quem as tem...), o passado, o presente e o futuro, a Tabanca Grande e os grã-tabanqueiros, a Guiné que conhecemos, a vida, o Portugal que amamos... Enfim, aproveitem, os menos assíduos nos últinos tempos, para dar notícias e "fazer a prova de vida"... (LG)



1.  Mensagem, de 21 do corrente, do nosso camarada  Mário Gaspar [ ex-fur mil at art,  minas e armadilhas,  CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associaçºao APOIAR]:


Caros Camaradas e Amigos

Toda a minha vida foi feita de pedaços. A guerra travou os meus passos. Ainda longe da hora da partida, já me antecipava ao tempo. Nunca o escondi, quando era questionado pela frieza dos textos que escrevia, e com ousadia, respondi que me identificaria sempre como Mário Vitorino Gaspar, primeiro por ser o meu nome de baptismo, e de seguida que “Gaspar” (nome do pai) e Vitorino (nome da mãe). Então, visto que se tratava de responsabilidades, era totalmente responsável. Até na carteira profissional de jornalista – que um senhor Secretário de Estado da Comunicação Social, me obrigou a tirar para simplesmente ser director de um Jornal.

Lembro que em 1996 não escrevia – gatafunhava o meu nome numa ficha de trabalho, e assinava os cheques do dia-a-dia. Tratei sempre tudo pelos seus nomes.

Jorge Manuel Alves dos Santos,  o primeiro presidente da APOIAR – Associação que ambos fundámos em novembro / dezembro de 1966   – disse que eu era o director do Jornal. Disse-lhe que não e que escolhesse outro, insistiu e aceitei, do mesmo modo que aceitei – mas contra vontade própria – de partir para Guiné. Fui para a Guiné a 100% – de responsabilidades – e cumpri até último milímetro a minha missão. Fi-lo com ajuda de todos, dos meus heróis – os soldados.

Na APOIAR cumpri não só como dirigente – cerca de 11 anos – como na guerra fui tudo. No primeiro mandato: vogal (pouco tempo), secretário e simultaneamente vice- presidente. No segundo mandato, fui  vice-Presidente. Estes mandatos eram de 2 anos. Depois sou eleito presidente, mas com a alteração estatutária os mandatos eram de 3 anos.

Posso dizer, ao contrário do que todos nós que lá estivemos, não ganhámos mais que a amizade e camaradagem, o resto – a guerra perdemos – e só não o sabia por não querer – A guerra estava perdida.... desde o início.


Folha de rosto da revista Apoiar, nº 34, out/dez 2004. O Mário Gaspar foi o diretor durante nove anos (1996-2004)


Mas na APOIAR ganhámos e orgulho-me por termos conquistado os principais objectivos: Reconhecimento da Doença – Perturbações do Stress Pós-Traumático (PTSD), há quem não pense assim. Conquistámos ainda que fosse criada uma Rede Nacional de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress Pós-Traumático de Guerra, abrangendo a família.

Para tal lutámos, contra tudo e todos, até contra aqueles que deveriam estar a apoiar a APOIAR, como nos disse numa reunião com o Grupo Parlamentar do PS, o amigo saudoso Coronel Marques Júnior:
– Eu apoio a APOIAR!

E foi a partir desta reunião que ganhámos a batalha. Após publicada lutámos pela promulgação e vencemos. Tudo aprovado por unanimidade.

Mas parar era morrer. Assinei em nome da APOIAR um protocolo com o Ministério da Defesa Nacional. O senhor Ministro da Defesa pretendia que discursasse e recusei. Recusei, e por 3 vezes, por considerarmos nada termos a agradecer. O Reconhecimento da Doença, a Criação da Rede e a Assinatura do Protocolo eram questões fundamentais, e ganhámos – com empenho meu que estive de coma 16 dias após um enfarte cardíaco.

Tinha a certeza que tínhamos vencido aquela batalha, mas havia muito tempo à nossa frente.

Posso dizer e com orgulho, Portugal começou finalmente a falar na Guerra Colonial – nesta do “Colonial”, é divisória por existirem camaradas que a denominam como Guerra do Ultramar, mas eu, e à minha inteira responsabilidade, considerei sempre o termo “Colonial”, até por o “Ultramar” só existir em Portugal. Além de se começar a falar daquela guerra em que no regresso nos chamaram de criminosos e traidores – ainda parti uns dentes a alguns senhores – mas editaram-se livros, fez-se teatro e cinema,  grandes Reportagens e entrevistas.

Entretanto algo correu mal – Contagem do Tempo do Serviço Militar, e Consoante Consta nas Cadernetas Militares ou nos Atestados Passados para o Efeito – o termo completo utilizado. DERAM UMA ESMOLA AOS COMBATENTES e aqueles que estiveram na Guiné mais prejudicados. Mas era uma batalha que considerei sempre que ganharíamos. Esgotei os mandatos e não me podia candidatar.

A luta estava bem encaminhada e a APOIAR estava em todo o país. Existiam acordos com as Câmaras Municipais de Almeirim, Benavente e Torres Novas, embora existissem compromissos de todas as Câmaras do distrito de Santarém, exceptuando Sardoal, Fátima e Ourém – aguardávamos datas para efectuar reuniões. Setúbal e todo o distrito. Nestas localidades seriam criados Centros de Apoio com apoio autárquico, bastando assinar protocolos e avançar com os bons técnicos que a APOIAR possuía. Existiam ainda acordos com os Centros Regionais de Saúde de Lisboa, Santarém e Setúbal.

Então foi tudo abaixo. Vi a derrota à distância. Lutar era treta. Os nossos doentes afectados pela guerra são gozados autenticamente: “Doença Nova”, “Doença do Doutor Afonso de Albuquerque”. Houve quem engolisse em Tribunal – o Senhor Oficial faleceu – não vale a pena dizer o nome. Estive do lado do Doutor Afonso de Albuquerque que foi ofendido e ganhou-se a acção.

Mas perdeu-se tudo. Nem sequer podemos dizer o mesmo que Dom Afonso IV disse ao Rei de Castela quando vencida a Batalha do Salado – isto consta nos livros –, o Rei de Portugal disse:
 – Não quero riquezas, basta-me a graça de Deus e a glória de ter vencido.

Perdeu-se uma batalha decisiva e com o poder, a força da razão do nosso lado, por não se ter lutado e continuam “impávidos e serenos, e de joelhos na terra pedindo que não nos roubem o protocolo”.

O que escrevo hoje é somente um pouco de tudo que havia para dizer. Envio em anexo jornais exemplificativos da APOIAR que podem testemunhar o que digo, aliás têm acesso a todos através do site da APOIAR.

Amor em Tempo de Guerra é um exemplo. Os artigos não assinados são todos meus.

Alguém pergunta:
 – O que fazem as Associações de Ex-Combatentes?

O nome de Ex-Combatentes diz tudo. Não são Combatentes e o General Joaquim Chito Rodrigues tem razão quando diz que não somos Ex-Combatentes mas Combatentes.

Pois, Luís, Carlos e todos os Camaradas, ando desiludido com aquilo que vejo suceder no dia-a-dia. Falam comigo e queixam-se. Estou doente mas luto, sozinho sou um inválido. Faço barulho com razão e…

“Começo a conhecer‑­me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser
e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo,
por que também há vida…
Sou isso, enfim…
Apague a luz, feche a porta
e deixe de ter barulho de
chinelos no corredor.”


Fernando Pessoa


Há que bater com os chinelos no corredor. E foi a única razão para colocar esse meu ídolo da poesia – o maior poeta do mundo – Fernando Pessoa.

Falando disso muito mal está a nossa literatura. Quem leu, leu… Quem não leu...  Estive na FNAC e existem poucos escritores a serem reeditados tais como José Cardoso Pires e Vergílio Ferreira e mais um ou outro. O Pessoa é favorecido. 

Mas Camilo Castelo Branco; Alves Redol (conheci pessoalmente e escutei muitas histórias que tenho gravadas na memória); Soeiro Pereira Gomes (amigo da personagem de Esteiros, o Gineto que é Joaquim Baptista Pereira); Eça de Queiroz; Branquinho da Fonseca; Urbano Tavares Rodrigues (conheci pessoalmente e até em debates da APOIAR); Aquilino Ribeiro; Manuel da Fonseca; Carlos de Oliveira; José Cardoso Pires, era bom que reeditassem “O Render dos Heróis”, “O Hóspede de Job” e “O Anjo Ancorado”; Domingos Monteiro; Agustina Bessa Luís (não gostava); porque não Albino Forjaz Sampaio; Almada Negreiros; Rómulo de Carvalho; Ary dos Santos; Augusto Abelaira; Cesário Verde; David Mourão Ferreira; Fernando Namora; José Gomes Ferreira (conheci pessoalmente); José Régio; Luís Francisco Rebelo; Luís de Sttau Monteiro; o nosso camarada Padre Mário de Oliveira (tenho os livros do Julgamento Subversão ou Evangelho, que tem a colaboração de um Advogado e O Segundo Julgamento do Padre Mário, escrito com vários Jornalistas); Mário de Sá Carneiro; e por que não Miguel Torga que teve recentes publicações; Romeu Correia (gostei muito); Ruy Belo; Guerra Junqueiro e mais.

Longo este percurso interrompido, nunca mais li um livro,  o último foi na Guiné.

Se quiserem publicar publiquem. Estou farto… Foi escrito sobre o joelho, só parei no poema de Fernando Pessoa e com o bater dos chinelos no corredor.

Despeço-me por hoje e por uns dias, saio daqui a pouco de Lisboa.

Cumprimentos, para todos os camaradas

Mário Vitorino Gaspar

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