terça-feira, 21 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14913: Blogpoesia (418): J. L. Mendes Gomes, em mês de aniversário natalício: seleção de cinco baladas de Berlim, Roses e Mafra


J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728,
Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; autor de Baladas
de Berlim
,  Lisboa, Chiado Editora, 2013, 229 pp.]

 
1. O medo…


Vem de nós esta ameaça interna que nos acompanha, 
desde a nascença.

Da solidão,
quando no berço,
que as mãos da mãe
não voltem mais.

De cair no chão,
quando tentamos, sós,
o segundo passo.



Da escuridão da luz,
quando veio a noite
e a candeia não acendeu.

Daquele ruído no escuro,
não se sabe
do que é
nem donde vem.

De me perder pelo caminho,
sem saber como voltar.

De ir à loja, a mando da Mãe
e esquecer o que fui buscar.

Da reguada do professor
pelo erro da cedilha
ou da tabuada.

Dos degraus da escada,
quando a começo a descer sozinho.

E da negativa ao fim do período,
quando vem a hora de avaliar.

E da chuva que vem ao longe,
quando deixei em casa
o guarda-sol…

Tudo se sente,
tudo dói,
bem cá dentro,
antes mesmo de acontecer…

A realidade vem
e é bem melhor!


Mafra, 19 de Julho de 2015
É madrugada
Joaquim Luís Mendes Gomes


2. Peregrinação do silêncio…

Não vou pelas estradas abertas,
onde caminham as multidões.

Prefiro o silêncio dos bosques e das emboscadas,
onde faço minhas
as minhas presas,
e me deixo aprisionar.
Me abalanço aos meus devaneios
em passeios ao luar.

Fertilizo minhas ideias
na penumbra dos silêncios.
Sonhando e meditando
sobre as causas
na viagem enigmática onde seguimos.

Nossas crenças,
umas minhas,
outras dadas.

Com clareiras nas minhas pausas
e a paz fugaz da nossa paz.

De vez em quando, estremecendo de pavores,
mas sempre um seguro
peregrino preso ao chão
e não sabe andar para trás.

Ouvindo Chopin
Mafra, 13 de Julho de 2015, 6h18m
Amanheceu húmido e cinzento
Joaquim Luís Mendes Gomes

3. Lancei-me ao sol...

A partir de Roses,
fiz-me ao sol
por esta Espanha extensa.
unde a terra é um mar de palha seca
que já foi verde.

Toda se colhe em rolos gigantes.
Ó que riqueza!,
serão regalo do gado vacum.

Passei Barcelona na sua maré de encher.
Um fervilhar tão vivo
como se não houvesse crise.

Depois Lérida ao longe,
no sopé da serra.
Tem uma linda história
que vale a pena ler.

A seguir o Mar de Aragão,
onde corre o Ebro.
Todo ele é areia
manchada de verde
que lhe vem do Rio.

Passei sob o Greenwitch
que divide em dois
nosso planeta Terra.
Ali está assinalado num arco,
atravessando a estrada.
Uma feliz ideia
que nos faz sorrir...

Depois Saragoça, imponente e extensa,
com sua Catedral ao centro.
onde o moderno e o antigo se juntou harmónico.

A partir daí,
foi sempre a correr,
sem abrir os vidros,
para fugir ao sol...

Valladolid, 10 de Julho de 2015, 18h2m
Joaquim Luís Mendes Gomes


4. Afinação das cordas...


É básico. 
Fundamental. 
Trabalho prévio.
Afinar as cordas a toda orquestra,
inclusive o piano, esse de véspera.

Encontrar a melhor posição no assento.
Concentrar atentos os ouvidos
e olhos abertos.

Encher de ar o peito.
E de emoção a alma.

Enxergar os sons
e ouvir os tons,
a fluirem harmónicos.

Pegar-lhe o fogo do entusiasmo.
clarões no ar.
raios de sol.
cascatas caindo,
fragrâncias abrindo.
um vulcão de lava,
a escorrer sem fim.

Chovem acordes.
ressoam tambores.
fúria dos mares.
estertores da morte.
aves cantando.
na voz dos violinos,
suas cordas tensas
e endiabradas,
despertando as madrugadas,
cavalgadas de tubas
arremessando golfadas,
ira dos deuses.

Retinem os pratos.
fazem silêncios.
toldam os ares.
raios de luzes.

E o maestro,
ora sereno, ora fogoso,
rédeas nas mãos,
agitando os braços,
ao ritmo certinho,
atiçando o fogo,
inunda a sala
dum mar de sons.


Vibram as almas.
êxtase supremo.
mundo terreno,
quase divino.
parou o tempo.
Como será nos céus...

ora em brandura,
ora ira empolgante.
Roses, hotel Risech, 7 de Julho de 2015
aquele dia inesquecível em que eu vim ao mundo,
uns anos lá atrás...
Joaquim Luís Mendes Gomes

5. Remexer...as mentes


Impõe-se revolver a terra, 
limpá-la das pedras e ervas daninhas,
restos de raízes
e deixá-las em ondas e regos,
para a expor ao sol,
para matar os vermes
e carregá-la de energia.

Depois alisá-la e semeá-la de boa semente,
guardada religiosamente no celeiro.

Aspergir-lhe água na conta certa, sem empoçar
e deixar o resto nas mãos da Natureza...

E , de novo, brotará da Terra, 

a vida verde, em pujança e força...
crescerá arbórea,
com flor e fruto.

Um jardim, um prado,
um mar de pão...

Berlin, 26 de Junho de 2015, 5h41m
está cinzento...ameaçando chuva
Joaquim Luís Mendes Gomes

[Seleção / revisão / fixação de texto: LG]

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3 comentários:

Luís Graça disse...

Meu caro Joaquim, acompanhei-te no regresso a casa, de carro... De Berlim a Mafra são c. 2800 km, 26 horas a conduzir... É obra... Sei que aproveitas bem a viagem, parando em vários pontos do percurso, nomeadamente em França e Espanha...Entretanto, em 7 do corrente foi dia de São Joaquim, o que nos passou despercebido, uma vez que não estás na lista dos aniversariantes da Tabanca Grande do mês de julho. Para o ano, espero lá ver-te, vou pedir ao Carlos Vinhal te acrescentar à lista... Aproveito para te mandar um abraço, ainda a tempo, desejando-te muita saúde, longa vida e inspiração. Luis

Anónimo disse...

Joaquim Luis Mendes Gomes
21 jul 2015 21:10

olá Luís! Estejas bem. Agradeço tua atenção.

A viagem seria dura se não fosse em prestações de 900km...E com paragem de uma semana em Roses (recomendo vivamente...) fica suave...

Um abraço

Joaquim

Anónimo disse...

Joaquim Luis Mendes Gomes
21 JUL 2015 21:54

Dies irae…dies illa…

Hoje foi um dia de ira…
Callamitatis in favilla…
Dies magnum…
De sofrimento.

Toca a todos…
Tocou-me a mim.

Fui visitar o meu irmão
Ao hospital.
Mais novo dez anos certos
Que eu.

Uma vida de vitórias e de triunfos.
Com mãos limpas.
Muito labor e muito engenho.
Muito rigor.

Uma pessoa simples.
Ninguém consegue ser seu inimigo.
Por ele, o mal jamais viria ao mundo.

Amante da vida.
Tanto quanto podia.

Pois, de repente,
Viu-se acometido por esse maligno
Que não escolhe classes
Nem idades.

Vai começar aquele calvário da quimioterapia…

Oxalá seja eficaz, como se espera.
Está confinado.

Fui encontrá-lo. Magro. Débil.
E muito triste.

Mal me viram os seus olhos,
Um raio de luz lhe trespassou o olhar…
Tão ternos…
A suplicar.

Foi lancinante.
Daria tudo para o sarar…

Mafra, 21 de Julho de 2015, 21h33m
Joaquim Luís Mendes Gomes