sexta-feira, 24 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14926: Notas de leitura (740): “Recriar a China na Guiné: os primeiros chineses, os seus descendentes e a sua herança na Guiné colonial”, artigo assinado por Philip J. Harvik e António Estácio (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Julho de 2015:

Queridos amigos,
Já que isso diz referência a um trabalho de António Estácio sobre a chegada dos chineses na Guiné e como eles valorizaram a orizicultura, que já fio fonte de grande riqueza, teremos comido todos nós, na década de 1950, muito arroz da Guiné. A cultura do arroz fazia parte da arrancada para o desenvolvimento das colónias da África Ocidental, tal como as oleaginosas.
Guardam-se imensas imagens, algumas delas muito belas, dos trabalhos efetuados depois da chegada de Sarmento Rodrigues, publicadas no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, este espólio esteve à beira de se perder, foi felizmente recuperado pela Fundação Mário Soares.
O artigo de Philip Harvik e António Estácio traz imagens muito sugestivas dos últimos descendentes dos chineses de Catió, bom seria que o nosso confrade António Estácio as republicasse no nosso blogue.

Um abraço do
Mário


Quando os chineses chegaram a Catió, no princípio do século XX

Beja Santos

O artigo vem publicado no n.º 17 da revista Africana Studia, 2.º semestre, 2011 e intitula-se “Recriar a China na Guiné: os primeiros chineses, os seus descendentes e a sua herança na Guiné colonial”, e vem assinado por Philip J. Harvik (investigador do Instituto de Investigação Tropical) e pelo nosso confrade António Estácio que, tempos antes, fizeram uma comunicação sobre os chineses e a orizicultura na Guiné.

Os autores começam por recordar duas realidades: primeiro as mudanças que se operaram nas primeiras décadas do século XX no contexto da África Ocidental, em que o império francês necessitava de mão-de-obra para as colónias, principalmente para os chamados “trabalhos públicos”, que incluíam a construção de estradas, caminho-de-ferro, edifícios, etc, essa mão-de-obra exigia gente qualificada e daí o recurso a certos meios até então legítimos, como o uso dos degredados; segundo historia-se o papel dos degredados que eram enviados para a África e mesmo para o Oriente pelos tribunais estatais e pela Igreja Católica – como registam os autores, no caso da Guiné, entre 1834 e 1896 o número de degredados foi de 425 indivíduos, a maior parte vinda de Cabo Verde e de Portugal.

A cultura do arroz juntou-se, neste ciclo imperial, ao amendoim e às oleaginosas. Já se cultivava arroz na Guiné antes da chegada dos chineses, e por razões óbvias, como anotam os autores. O litoral de baixo-relevo, cortado por muitos rios e rias, com margens abundantes de mangue formava um ecossistema perfeitamente adaptado à cultura do arroz alagado, em bolanhas. Até então, os autóctones alimentavam-se de “arroz de povoação”, espécie nativa. Nas colónias francesas inglesas foram introduzidas variedades asiáticas. No entretanto, para além do arroz local conhecido como “arroz vermelho”, as populações começaram a produzir o “arroz branco”, também chamado “arroz da Gâmbia”. Em paralelo, assiste-se à criação de explorações agrícolas e comerciais, as chamadas “pontas”, os governadores e administradores aplaudiam estas explorações, no fundo assistia-se à progressiva ocupação do território.

Imagem da cultura do arroz na Guiné
Extraída do site http://www.gbissau.com, com a devida vénia

As origens dos primeiros chineses que chegaram à Guiné não estão esclarecidas, admite-se que tenham vindo de Cantão e do estuário do Rio das Pérolas, tal como muitos outros seus conterrâneos que foram mandados para Moçambique. Estes primeiros chineses terão chegado à Guiné em 1902, assinalo o arranque da expansão da orizicultura que teve lugar a partir da primeira década do século XX. Os autores contextualizam a atmosfera da chegada dos chineses à região de Tombali, era uma região que tinha, além de um posto militar português, algumas feitorias e mesmo alguns europeus. O rio Tombali tornou-se uma área de fixação de ponteiros de origem cabo-verdiana.

Estes dois primeiros chineses eram degredados, tinham vindo através de Macau, chamavam-se Kat Chan e Lai-Assung, eram tratados ambos como mestres de lavrança de arroz. Estes dois degredados chineses seguramente que espiolharam a região metro-a-metro até decidirem pela zona de Catió, localizada entre os rios Tombali e Cumbidjã e encostada às ilhas de Como e Caiar. Lai-Assung, também conhecido por Chang-a-leng, fixou-se em Cubaque, Kat Chan foi primeiro para Canchungo e só depois é que partiu para Catió.

Os autores explicam as consequências dos acontecimentos. Na época de 1915-1924 na zona em redor de Catió estes dois chineses desenvolveram a cultura do arroz. Tiveram agora fatores a seu favor. A partir dos anos 1920, o fluxo de migrantes Balanta para a região Quínara, onde se fixaram em chão Beafada aumentou consideravelmente, e a partir de 1926, os primeiros ponteiros de origem cabo-verdiana obtiveram ali concessões de monta. Deu-se em certos casos a crioulização dos chineses. E os autores enfatizam que os percursos dos chineses e dos seus descendentes na Guiné evidenciam o modo como se processou a aculturação e a crioulização, de um modo geral integraram-se muito bem na sociedade guineense durante o período colonial. Forçados a permanecer na Guiné, alguns dos primeiros chineses procuraram novas oportunidades para a sua realização na pesca e na agricultura, quase sempre com sucesso. E os autores dão uma razão para este sucesso: tentaram recriar a China na Guiné e conseguiram-no.

O conflito armado levou alguns membros da comunidade luso-chinesa a juntar-se ao PAIGC, caso de José Costa Júnior e seu irmão Noel Costa, morto em 1965. Um descendente de chineses, Jonas Mário Fernandes, entrou em rotura com Amílcar Cabral, em Dakar, nos anos de 1960.

O trabalho de Harvik e de Estácio foi elaborado também com base em conversas com agricultores e ponteiros, mostram-se fotografias de chineses e até dos seus descendentes. É um mundo que já não existe, adiante-se. Estes degredados, contudo, relevaram-se exímios na cultura do arroz e convém não perder de vista que nos anos 1950 muitas toneladas chegavam a Portugal. Quando Sarmento Rodrigues chegou à Guiné, um dos seus primeiros cuidados foi o de mandar recuperar/regenerar os ouriques que estavam degradados, operação que se salvou numa revitalização da orizicultura guineense. Lá muito atrás, ficara a herança chinesa, a segunda geração de chineses na Guiné preferiu o comércio, mesmo no Senegal e na Guiné Conacri.

Para leitura integral do artigo:
http://www.academia.edu/11682935/Recriar_China_na_Guin%C3%A9_os_primeiros_Chineses_os_seus_descendentes_e_a_sua_heran%C3%A7a_na_Guin%C3%A9_Colonial
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14920: Notas de leitura (739): Parabéns ao nosso camarada Mário Cláudio / Rui Barbot Costa [, ex alf mil, secção de justiça, QG, Bissau, 1968/70], Grande Prémio de Romance e Novela APE/ DGLAB - 2014, atribuído ao seu último livro "Retrato de rapaz"

1 comentário:

Luís Graça disse...

Mário, estás em todas, não te escapa nada... O nossoc camarada Estácio, que foi profissionalmente engenheiro técnico agrícola, nascido em Bissau, em chão de papel, e com costela transmontana, já há uns largos temnpos me tinha disponibilizado uma cópia, rara, da separata da sua comunicação de 2002...

Tenho-a em "stand by", à espera de tempo e vagar para a digitalizar e publicar no blogue, numa série própria... Tem inúmeras fotos dos chineses que chegaram à Guiné, via Macau, no início do séc. XX e dos seus descendentes. A tua rencensão chamou-me a atenção para este notável trabalho de pesquisa, que só li por alto:


Estácio, António J.E. (2002) – O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense, in:
Actas, V. Semana Cultural da China
, Centro de Estudos Orientais, ISCSP/UTL: 431 ‑66.


O Estácio, que tem um amor imenso à sua terra, sem deixar de ser um português dos melhores, tem um livro pronto sobre Bolama. Falta-lhe um editor ou cerca de 4 muil euros para lançar o livro, em edição de autor. Propus-lhe fazer um "croudfunding"... Entretanto, surgiu-lhe um problema de saúde e a prioridade é afgora é tratar-se e ficar bom...

Um abraço do tamanho do Geba para ele, de toda Tabanca Grande. Luis