segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15058: Notas de leitura (752): “O Guardião”, por Fernando Antunes, Edição de Setembro de 2011 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Setembro de 2014:

Queridos amigos,
Fernando Antunes assina um relato minucioso do que viveu no BART 2924, que operou na região de Quínara. Destaca-se a admiração profunda que nutre pelo segundo comandante da unidade e mais tarde primeiro comandante, hoje general José Figueiredo Valente. Fica-se hesitante se é melhor confiar no seu relato ou na história do BART 2924. Tendo sido sargento de informações e operações teve acesso a toda a documentação da guerra, daí poder ser essencial estudar a evolução deste setor da região Sul a partir destas duas fontes. É um cronista animado e confiante. Daí perceber-se o seu orgulho ao publicar na contracapa o louvor que lhe foi conferido por Spínola, em Setembro de 1972.

Um abraço do
Mário


O Guardião, por Fernando Antunes

Beja Santos

Logo na dedicatória se fica a perceber o tremendo vínculo de admiração que une o autor desta narrativa a quem o comandou no BART 2924, sediado em Tite: “Ao general José Fernando Valles de Figueiredo Valente, um homem íntegro, ao qual pudemos confiar, de boa-fé, a nossa vida, foi meu comandante na Guiné, o Guardião”. Edição de Setembro de 2011.

Partem em 23 de Setembro de 1970, Fernando Antunes é furriel, irá desempenhar as funções de Sargento das Operações, junto do Comando do Batalhão. Nos dados curriculares que apresenta, depreende-se que é mobilizado por motivos políticos, diz que estudou na Escola 12 do Bairro Alto, onde encontrou Domenico Conte, com quem estudou até ao 7.º ano. E adianta: “Separados, por um evento político em Coimbra, os estudantes fazem uma partida ao presidente Américo Tomás e todos os estudantes são chamados para o serviço militar obrigatório. Vai parar à guerra da Guiné. Ao 2.º ano do ISE acaba os seus estudos académicos”. Chegados em 28 de Setembro a Bissau são despachados por LDG para Bolama, é a primeira unidade que vai fazer a instrução de aperfeiçoamento operacional na antiga capital da Guiné. As instalações que o aguardam estão completamente degradadas, um edifício da Casa Gouveia, assim descrito: no rés-do-chão tem quatro casernas que por certo pertenciam às cavalariças; uma cozinha sem sistema de água ou esgotos, ali se fazia o rancho para todos; os duches são doze torneiras de água instaladas no pátio; os quartos improvisados têm beliches com três e quatro andares; a retrete é uma vala de quatro metros; o primeiro andar tem um varandim, uma sala e dois quartos onde se instalaram os três elementos do comando; a instalação elétrica é quase inexistente; não há equipamento de frio para conservar os alimentos. Bolama é uma cidade morta, a sua atividade económica está circunscrita ao arroz. Logo na primeira noite eclode uma intoxicação alimentar, o 2.º Comandante logo lidera a operação, o médico da unidade é rotulado de “uma dor de alma”, são os médicos Piu Abreu e Sá e Melo quem aguentam a borrasca. O Comando tem três oficiais superiores, o Primeiro Comandante que neste relato fica praticamente na sombra é dado como “um homem franzino e debilitado pelo vício sôfrego do tabaco”. Há evidentemente o Major Valente, que é tratado com todos os encómios e o Major Malaquias, assim descrito: “É um homem alto e forte, com uma presença serena, e quando aborda qualquer assunto fá-lo com ponderação e sabedoria e tem uma cultura acima da média”.

Feito o IAO, o BART 2924 vai para Quínara, a Frente de Luta do Quínara, para o PAIGC. O terreno operacional que lhes cabe é descrito minuciosamente: há a espinha dorsal de S. João-Nova Sintra-Fulacunda, que divide o norte do sul do setor; a norte situam-se os quartéis de Tite e de Jabadá; para sul sai o caminho que serve o aquartelamento a Nova Sintra. Utilizam-se dois itinerários, a picada de Tite-Enxudé e a de Nova Sintra-S. João, que é aberta quando o quartel de Nova Sintra recebe reabastecimentos por via fluvial. Uma pequena picada liga o centro de Jabadá à margem do rio Geba. Quínara foi inicialmente chão Beafada, ao tempo a etnia Balanta representava mais de 50% da população. O PAIGC é junto dos Balantas que encontra maior apoio. Fernando Antunes escreve a orgânica do PAIGC na região Sul, dispositivo militar e civil. São os quatros civis do PAIGC que dão instrução ideológica. O setor teria dez escolas do PAIGC. Refere a diretiva emanada de Spínola “Razão Confiante”, aplicação dos princípios constantes do programa “Por uma Guiné melhor” e a diretiva “Grande Razão” orientada para o reordenamento da zona de Bissássema. Ficamos a saber quais as tarefas da unidade e o dispositivo colocado em Tite, Bissássema, Enxudé, Nova Sintra, Fulacunda e Jabadá: mais de 800 militares, incluindo 200 efetivos dos pelotões de milícias. Segundo o autor, as instalações de Tite, Fulacunda e Jabadá eram aceitáveis, as de Nova Sintra degradantes e deficientes. Regista o estado psicológico a que chegara a unidade que foram render, o BCAÇ 2867, destaca vários oficiais que foram evacuados por doença do foro neuropsiquiátrico.

Logo em 1 de Janeiro de 1971 tem lugar o reconhecimento do local onde iria ser implantada a tabanca reordenada de Bissássema. Em Fevereiro chega a 1.ª Companhia de Comandos Africana, comandada por João Bacar Djaló, as refregas vão ter lugar, o PAIGC mostra-se agressivo, começam as flagelações. O autor ajuda fazer nascer o jornal de caserna “A voz do Quínara”. Em Março, realiza-se a operação “Desejada Oportunidade”, haverá acampamentos destruídos, o IN retira temporariamente, emboscará os comandos africanos em Jufá, tabanca de controlo IN, os comandos perdem a cabeça e descarregam sobre a população. A ação psicossocial começa a dar frutos, em todo o setor, muitos civis apresentam-se. Em Maio, realiza-se um encontro preparatório do “II Congresso dos Povos da Guiné”, nesse mês Tite é atacada. Escreve: “O IN teve a ousada estratégica de, utilizando de longe a artilharia, manter os guerrilheiros, os apontadores de RPG bastante perto do aquartelamento, perto do arame-farpado, sujeitando ao perigo de morte as centenas de guerrilheiros, a hipotéticos erros da sua artilharia, o que demonstra um destemor nunca manifestado até hoje”. É mencionado o potencial de guerra que cabe aos efetivos do PAIGC capitaneados por Nino Vieira. Os meses passam, foi criada a rádio Tite com emissões diárias de uma hora, com música pop da atualidade.

Fernando Antunes destaca uma conversa que teve com um dos participantes da Operação Mar Verde, o comando africano acha que valeu a pena pela libertação dos camaradas prisioneiros, o resto foi uma total desilusão pelo insucesso. Estamos em Outubro de 1971, o Comandante Valente planeou ações de surpresa, e uma delas, a ação “Novidade” resulta a captura do presidente de comité conhecido por Pascoal Có, mais tarde abatido quando tentava fugir. O Comandante Valente é promovido a Tenente-Coronel, agora é o Comandante efetivo da unidade. São inauguradas as escolas de Enxudé e Bissássema. Em Dezembro de 1971 é constituído o grupo especial de milícias, todos da etnia Balanta. Há mais população a regressar. A estrada alcatroada Tite-Bissássema, a despeito das minas do IN, apronta-se. Pela primeira vez, em Março de 1972, Jabadá sofre um ataque diurno. Para surpresa do leitor que procura seguir atentamente este relato de quem se documentou com a história da unidade, fica-se a saber que o PAIGC se vai reunindo com a população sujeita a duplo controlo, intimida-a a não fornecer informações às tropas portuguesas. A estrada asfaltada é inaugurada em Abril. Nasce a cooperativa agropecuária em Bissássema. O Ministro da Defesa comparece à inauguração da estrada asfaltada Tite-Enxudé. O grupo especial de milícias tem os seus roncos, destaca-se a captura do comandante Tamba Bazooca. E em Agosto chegou a hora da despedida. Findou aqui o relato. A admiração pelo guardião é irrestrita, o pai adotivo e o irmão mais velho e todos no BART 2924.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15048: Notas de leitura (751): “Nhoma, uma trajetória de luta”, por Bnur-Batër (Respício Nuno e Eduíno Sanca), Edições Corubal, Guiné-Bissau, 2013 (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Anónimo disse...

O Major Malaquias,José Malaquias ou o Zeca Malaquias, Ilhavense da rua João de Deus, cerca de seis anos mais velho do que a minha pessoa, estava de facto em Tite quando eu estive em Mansoa. Como o autor o descreve, não me surpreende. Tirou, creio que posteriormente, o Curso do Estado Maior e atingiu o Generalato. Ainda é vivo, mas não mais voltou a Ílhavo. Um irmão mais novo, quase da minha idade, também militar, mas da Arma de Artilharia, foi o que esteve no CAOP 1, em Mansoa e Cufar, no tempo do AGA.

Continuação de boas férias e abraços para todos

JPicado