segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15632: Notas de leitura (798): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Esta obra tem o condão de nos dar uma sequência histórica de África até à conquista colonial, descrevendo os exploradores romanos, os relatos de geógrafos árabes e destacando os importantes documentos deixados pelos portugueses. Não será seguramente a melhor antologia desses comerciantes e navegadores que abriram uma nova era para o conhecimento do interior africano e da geografia do continente, basta dizer que a autora preferiu Azurara a André Álvares de Almada, mas o que está em causa é que se trata de um interessante livro de divulgação que não esconde ou ilude a probidade dos factos, estávamos em 1965 e o vigor ideológico e a denúncia anticolonial sobrepunham-se muitas vezes ao facto histórico.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


À descoberta de África, por Catherine Coquery (1)

Beja Santos

A Coleção Arquivos Julliard foi de grande notoriedade cultural nos anos 1960 e 1970. O livro que vamos falar conheceu a sua publicação em 1965, a sua autora era investigadora da École Patrique des Hautes Études e especializada em história africana. Que singularizava esta coleção? Para o tempo aparecia como um compromisso entre a erudição científica e a literatura histórica, era como se fosse um género novo, mostrando as fontes e pondo o leitor em contacto direto com os documentos cuja montagem era confiada aos melhores especialistas.

Na contextualização desta obra, procura-se entender os porquês da África misteriosa. Primeiro os constrangimentos: a barreira do deserto do Sahara, que fez temer as incursões a partir do Norte de África, segundo, o desconhecimento das mais antigas culturas negras, basta dizer que as “figuras de Nok”, que se desenvolveram no planalto da Nigéria central, no princípio da era cristã, só foram conhecidas em 1931, tratou-se de uma civilização de transição entre a pedra e os metais; na sua sequência, ainda hoje são bastante controvertidas as informações sobre impérios africanos, apesar das descrições dos geógrafos árabes, os impérios do Gana, do Mali, o reino de Tombuctu, o reino de Futa Djalon; e, não menos importante, mesmo com os descobrimentos só esporadicamente se avançou para o interior de África, temia-se o clima insalubre, a floresta impenetrável, mesmo que os mais audazes se sentissem tentados pela desmesura das distâncias ou a majestade dos grandes rios; tudo conjugado, os primeiros e importantes relatos vêm dos reinos da Costa da Guiné, e devem-se a registos assombrosos como o de André Álvares de Almada ou mesmo o de Duarte Pacheco Pereira, para já não falar em Alvise Cadamosto e Filipo Pigafetta. Quando os portuguses chegam à costa da Guiné no século XV existia o reino de Ifé, herdeiro da civilização de Nok, centro de dispersão das cidades Yoruba em que a mais célebre era o Benim, que os portugueses bem conheceram e de que há testemunhos esplendorosos.

Na primeira parte da obra, a autora fala-nos da Antiguidade, destaca os egípcios, depois os cartagineses, os etíopes, os romanos. Temos depois o Islão com os seus mercadores e geógrafos. Depois da morte de Maomé, em 632, a conquista árabe progrediu com uma extraordinária rapidez. A expansão dirigiu-se em primeiro lugar para o Oriente (conquista da Síria e da Pérsia), mas logo a seguir iniciou-se a expansão para o Este, a começar pelo Egipto e a Cirenaica. Sustidos em Poitiers, em 732, os árabes não se sentem imediatamente tentados em alcançar a África negra, mas as caravanas ganharam regularidade. Com a redescoberta de Ptolemeu no século IX, os geógrafos árabes, com o apoio dos melhores astrónomos e matemáticos do tempo, começaram a estudar África e orientaram-se para o oceano Índico. O ouro do Sudão passou a ser altamente cobiçado. A autora recorda como o ouro africano esteve na base da grandeza dos Omíadas em Espanha, no século IX, e dos Fatimidas que ocuparam Sijilmassa após a conquista do Egipto.

Os enigmas do interior africano permaneciam, cedo houve a atração do rio Nilo. A partir de Sijilmassa, no Sul de Marrocos, à entrada do deserto, estabeleceram-se contactos com os nómadas e fizeram-se as primeiras travessias do Sahara descritas por geógrafos eminentes como Al-Bakri e Ibn Battuta. Assim se chegou ao conhecimento de reinos e impérios.

Primeiro, o Gana, país de ouro conhecido pelos muçulmanos desde o século VIII, e que teve o seu apogeu no século X, a capital era Bamako, entre o Níger e o Senegal, desapareceu com as conquistas dos almorávidas. Al-Bakri descreve o Gana com imenso pormenor, o poder real e a sua imensa riqueza. Para lá do Gana, era tudo praticamente um mistério. Com a queda do Gana, foi surgindo o império do Mali, nele professava-se o islamismo. As tradições orais dos negros no Sudão guardaram memória dos êxitos de Sundiata, o verdadeiro fundador do Mali, que os árabes conheciam pela designação de Mansa-Moussa, que se distinguiu pelo seu poderio e santidade de vida. Ibn Khaldun e Ibn Battuta deixarão descrições sobre o esplendor da corte do Mali.

No momento em que Ibn Battuta percorria o Mali, este império caminhava para o declínio suplantado por outro, o império de Songhai de Gao, é neste tempo que se fala na prosperidade lendária de Tombuctu, que excitava os descobridores europeus mas também a cobiça árabe, foram estes que a conquistaram em 1591. Estes viajantes árabes descrevem a riqueza do Sudão, o comércio de troca e destacam o comércio internacional que fez a prosperidade do Sudão e que não exigia o uso do dinheiro, o que ali funcionava era o cobre, o sal e o ouro.

Toda esta situação se irá modificar com o aparecimento dos portugueses. Até ao fim do século XIV, África parece dominada pelo Islão, senhora do Mediterrânio Meridional e do oceano Índico, as duas artérias vitais do comércio marítimo. O projeto henriquino e a excelente oportunidade que cabe aos portugueses numa Europa em tumulto, constituem um novo dado para a descoberta de África.

(Continua)

Juntam-se reproduções de gravuras do século XVII incluindo a apanha do ouro, a corte de um rei africano e a confluência entre o Níger e o Senegal imaginada por um missionário do século XVII.




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Nota do editor

Último poste da série de 15 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15621: Notas de leitura (797): "Motorizadas portuguesas de 50 cc", de Pedro Pinto, edição dos CTT, 2015 (José Colaço)

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