sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15652: Notas de leitura (799): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Trata-se de uma obra de divulgação sobre África: um continente desconhecido durante longos séculos, a despeito dos seus impérios; o continente passa a ser conhecido graças aos geógrafos árabes, o mundo islâmico estava em marcha, África era mais que os berberes, o ouro do Sudão, o glorioso Egipto e os cereais da Líbia; com o projeto Henriquino, a África tropical atlântica é alvo de narrativas que ainda hoje merecem a nossa atenção, pela riqueza do pormenor.
E assim chegamos aos contactos dos portugueses com o Benim, relatos que entraram na literatura e lá permanecem.
Este livrinho apareceu-me numa ofensiva numa livraria de obras em segunda mão, foi bafejado pela sorte, escrito em 1965 ainda hoje se lê com exaltado prazer.

Um abraço do
Mário


À descoberta de África, por Catherine Coquery (2)

Beja Santos

Os europeus já tinham afrontado o oceano Atlântico antes de o empreendimento henriquino em direção à costa de África. Conheciam desde a Antiguidade a rota do Norte na mira do estanho da Cornualha, e faziam a cabotagem em direção às cidades flamengas onde emergia o capitalismo. Em contrapartida, no Sul, e ao largo da costa marroquina, as tentativas foram raras e mal sucedidas: os irmãos Vivaldi, de Génova, partiram em 1291 e sonhavam alcançar o Rio de Ouro, nunca regressaram. Navegava-se, é certo, por todo o Mediterrânio, queria-se atingir o Oriente, mais do que o ouro do Sudão, cobiçavam-se as sedas, as pedras preciosas e as especiarias. O declínio do tráfico mediterrânico é também devido à extrema agressividade dos sultões Mamalucos que fizeram frente ao comércio veneziano, genovês e pisano. Enquanto se sonha com novas cruzadas, começa a circular a notícia do reino do Prestes João, um reino grandioso e cristão no coração do continente negro.

É neste contexto que Catherine Coquery questiona como é que Portugal, com os seus meios limitados e uma frota reduzida foi o primeiro a abrir o caminho para contornar o litoral africano. Vê-se que leu cuidadosamente Vitorino Magalhães Godinho. O país escapara às querelas e devastações da Guerra dos Cem Anos; ganhara identidade e tinha as suas fronteiras definidas; e havia conhecimento das expetativas europeias em alargar as áreas comerciais. Com a dinastia de Avis, o país perdera a dimensão da feudalidade, parecia um país novo, pouco afetado pela Peste Negra. Uma nova aristocracia mostrava-se impaciente por atingir o Norte de África, por desempenhar um papel relevante nas transações financeiras entre a Europa e o Oriente, dispunha de marinheiros dinâmicos, estava na vanguarda do conhecimento científico e cartográfico, graças aos árabes, aos marinheiros genoveses e catalães e aos sábios cartógrafos judeus de Maiorca, conhecia a bússola, os portulanos e fazia-se transportar num barco flexível, apropriado para navegar longe da costa e assim enfrentar os ventos alísios. A autora duvida da exclusividade do projeto henriquino, considera que esta expansão não foi obra de um só vulto mas de um grupo social e de uma época. Os portugueses revelaram-se empíricos e sistemáticos.

Entrando nos textos, a autora apresenta-nos Gomes Eanes de Azurara e a sua Crónica da Guiné, transcreve as cinco razões que incitaram o Infante D. Henrique a procurar descobrir as costas da Guiné, e relata os terrores medievais. A fronteira meridional do mundo conhecido ficava a Sul de Marrocos, ao tempo confundia-se o Cabo Bojador com o Cabo Juby, situado 150 quilómetros mais a Norte. A passagem do Cabo Bojador por Gil Eanes em 1434 foi um acontecimento capital que acelerou os descobrimentos. Pergunta-se por que é que os navios temiam este Cabo Bojador. Havia uma crença muito antiga em que quem afrontasse estas paragens corria risco de vida, aventurar-se a esta viagem era o mesmo que um suicídio. E assim se passaram 12 anos até que se dobrou o Cabo. A partir de 1434, tudo parecia mais fácil. Azurara descreve o Infante como um homem de grande autoridade, admoestava sem rispidez, exigia permanentemente aos seus colaboradores que trouxessem indícios de terra. Por exemplo, Gil Eanes não conseguiu trazer gente mas trouxe sinais da vegetação.

Dobrado o Cabo, as expedições avançaram ao longo de costas desertas onde viviam tribos nómadas até chegar à terra dos negros. Em 1445, atingiu-se a desembocadura do rio Senegal. E a autora recorre ao relato de Cadamosto, um veneziano ao serviço do rei de Portugal, ficámos a dever-lhe descrições pitorescas sobre o rio, o sistema tribal do rei de Sénega (Senegal), o fausto da corte, a poligamia, a presença do Islão e o animismo na Gâmbia, as guerras entre estes diferentes seres, é minucioso também na descrição dos costumes, no tipo de agricultura praticada, na natureza dos mercados e como os portugueses foram bem acolhidos, pondo saliva na pele dos brancos, encantados com a novidade da cor. A viagem de Cadamosto incluiu a Gâmbia e a costa da Mina, é um relato delicioso.

Os primeiros descobridores portugueses não se aventuravam para lá da costa, Azurara descreve a belicosidade dos nativos que vinham com as suas embarcações e setas envenenadas. A grande exceção foi o Benim, na atual Nigéria, um dos grandes centros da civilização das cidades Yoruba, cuja importância se extinguiu no século XVIII. O Benim estava intimamente ligado a Ifé, o importante centro de arte africano da Idade Média, com grandes artistas na estatuária, na cerâmica, no latão e no marfim. No Esmeraldo, Duarte Pacheco Pereira faz uma descrição magnificente do Benim, do Palácio Real, das muralhas e das riquezas, como o caso da pimenta negra.

Irão prosseguir os relatos sobre a Etiópia do Prestes João e a chegada ao Congo. Mas há uma referência espantosa que Catherine Coquery faz às desventuras de um mercador flamengo nas costas da Guiné, no século XV.
A primeira feitoria de escravos foi estabelecida em 1443, na baía de Arguim. No século XVI este comércio desenvolveu-se com o transporte de escravos para as ilhas da América; no século XV foram escravos para a Madeira, para as plantações de cana-de-açúcar. Foi um período de economia de troca, os mercadores levavam os produtos desejados pelos reis e traziam escravos.
Os portugueses sonharam com o privilégio exclusivo em África e obtiveram o apoio papal, assim se urdiu a prefiguração da partilha do mundo, o Tratado de Tordesilhas, sancionado pelo Papa Alexandre VI. Mas estes tratados não eram respeitados, primeiro pelo contrabando espanhol e flamengo, e mais tarde pelos ingleses e pelos franceses.
É assim que aparece Eustache de La Fosse, mercador natural de Tournai (hoje Bélgica), mercador em Bruges, aparece em Sevilha em 1479 e lança-se na aventura ao longo da Serra Leoa e na Costa de Ouro, onde foi preso pelos portugueses. Deixa-nos um relato primoroso do tráfico de escravos na região da Mina. O seu livro intitula-se Viagem à costa ocidental de África, 1479-1480. E aqui finda os relatos da descoberta de África para o período que nos interessa, mais adiante a autora falará detalhadamente do comércio francês e da presença no Senegal, Daomé e outras paragens.

Um dos grandes acontecimentos culturais que vivemos na década de 1990 foi a nossa presença na Europalia em 1991. Visitei esta exposição da Via Orientalis, o nosso caminho para o Oriente e as sucessivas permutas artísticas. A capa do catálogo mostra um saleiro da arte do Benim em marfim, pertence ao Museu de História Natural de Leiden, Países Baixos, temos aqui um português a cavalo e figuras de outros portugueses na base, é uma obra soberba.

Outra obra da arte do Benim, uma peça em latão, a figura exibe na parte inferior da indumentária cabeças esterilizadas de portugueses.

A cidade de Benim no século XVII, gravura que está Biblioteca Nacional, Paris
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Nota do editor

Último poeta da série de 18 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15632: Notas de leitura (798): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (1) (Mário Beja Santos)

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