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terça-feira, 23 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25432: 20º aniversário do nosso blogue (70): Alguns dos nossos melhores postes de sempre (VI): Na sua já famosa carta aberta a Salazar e Caetano, de 2010, o 'sínico' António Graça de Abreu recomendava-lhes vivamente a leitura do nosso blogue, lá no além...

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Guiné > Região do Oio > Mansoa > CAOP 1 > Março de 1973 > O Alf Mil António Graça de Abreu junto ao obus 14.... Antes estivera em Teixeira Pinto. Terminará a sua comissão em Cufar, no sul, nas vésperas do 25 de Abril de 1974.

A 8 de Abril de 1974, em Cufar, escreve no seu "Dário  da Guiné": 

"De Lisboa a minha mulher continua a dizer-me coisas de espantar. Ao fim deste tempo todo, por exemplo: 'Não contas senão o superficial, a tua vivência aí chega a mim só pela rama'. Como é possível?!... Em vinte e um meses e meio fui três vezes a Portugal,  da Guiné escrevi-lhe trezentas e quarenta e sete (347, tenho tudo numerado!) cartas e aerogramas, desdobrei-me na narrativa, na descrição minuciosa do meu quotidiano e desta guerra, desde os muitos pormenores aparentemente insignificantes aos contextos maiores em que vivo. 'Não contas senão o superficial'. Como é possível ?!..." (in Diário da Guiné..., 2007, p. 211).


1. Esta carta aberta já aqui foi publicada há mais de 13 anos... Foi escrita pelo António Graça Abreu, antes de empreender uma grande viagem à China,  com pedido de publicação, em 21 de Maio de 2009... Lamentavelmente, por um monumental lapso nosso, só seria publicada 18 meses depois, em 16 de novembro de 2010... Merece agora voltar à monstra principal do nosso blogue, no dia do nosso 20º aniversário...

 Como o dissemos na altura, é uma peça antológica, é um  documento de belo recorte literário e de mordaz ironia, senão mesmo de delicioso sarcasmo, sob a forma de carta aberta aos dois políticos que formataram este país e este povo, durante mais de meio século, legitimando uma guerra, de longa duração, a milhares de quilómetros de casa, e para  a qual ambos foram totalmente incapazes de encontrar uma inteligente e honrosa saída política... 

Não é um documento panfletário, é uma reflexão, didática,  serena, bem humorada,  sobre as oportunidades perdidas por e para todos nós (incluindo os povos africanos, que poderiam ter chegado à independência por meios pacíficos, proveitosos e honrosos, para os dois lados, reforçando os nosssos nossos laços históricos comuns).

Mas é também uma carta de confiança no futuro, de confiança em Portugal, e nos portugueses, de confiança e de orgulho  na geração, a nossa,  que soube fazer a guerra e a paz, independemente dos efeitos perversos, contra-intuivos, n
ão-esperados, que teve a descolonização, um processo em grande exógeno, sobre o qual Portugal de 1974/75 não podia ter grande controlo: 

"Penso que não combatemos pela Pátria salazarista e marcelista mas por um Portugal e uma Pátria que nos circulava no sangue e no entendimento. Essa Pátria não nos pode ser negada. Era, é a nossa terra, eram, são as nossas gentes".

 

BI militar do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu: 

(i) ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74; (ii) membro da nossa Tabanca Grande desde 2007; (iii) tem mais de 340 referências no blogue; (iv) é sinólogo, tradutor e escritor, autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp).


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2011). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
Carta aberta aos Profs. António de Oliveira Salazar 
e Marcello Caetano

por António Graça de Abreu


(i) Introdução


António Graça de Abreu, ex-alferes miliciano na Guiné-Portuguesa, humilde cidadão que teve a ventura de nascer no ano de 1947, durante a longa jornada autocrática de V. Exª., Sr. Presidente do Conselho Dr. António de Oliveira Salazar, e depois de viver extremadamente os últimos anos da ditadura mole e pouco iluminada de V. Exª., Sr. Prof. Marcello Alves Caetano, também Presidente do Conselho, confessa, do fundo das circunvoluções do seu desgastado coração, que anda há um ror de anos com vontade de vos escrever.

A primeira dificuldade, para além da minha inabilidade e ausência de qualidades para me dirigir a tão excelsas e ilustres figuras da nossa História Contemporânea, tem a ver com o embaraço de enviar esta carta para o espaço adequado. Qual o lugar onde hoje se encontram, Excelentíssimos Dr. Salazar e Dr. Marcello Caetano? No fofo azul do Céu, nas agruras amarelas de uma passagem prolongada pelo Purgatório, nos calores vermelhos do Inferno?

Como não sei qual foi o destino que para vós Deus escolheu (dependente por certo de tudo quanto executaram ou mandaram fazer na vossa breve/longa vida terrena), envio esta carta para o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, na certeza de que terá um molho bem cheio de leitores, gente de excelente qualidade, e que V. Exªs., onde quer que estejam, a irão ler.

Este blogue do Luís Graça na Internet  – coisa que não existia no tempo de vossas vidas– é um imenso sucesso de comunicação. São testemunhos de ex-combatentes da guerra na antiga Guiné Portuguesa, trocas de opiniões, entendimentos, desentendimentos, desabafos, uma espécie de terapia colectiva, muitos anos após o regresso dessas paragens quentes e amargas que nos marcaram a todos.

A segunda dificuldade, ao escrever esta carta, prende-se com o modo de vos tratar. “Excelências, Senhores Presidentes do Conselho, Prof. Dr. Salazar, Prof. Dr. Marcello Caetano”? Todas estas denominações vos pertencem, associadas à importância e dignidade dos cargos que, em ditadura, ocuparam ao longo de tantos anos.

Ora, há uns três meses atrás, o António Lobo Antunes, ex-oficial miliciano médico em Angola, 1971/1973, na crónica que assina na revista Visão, escreveu um texto algo zangado com Deus que, no início de 2009, lhe levou dois dos seus melhores amigos. E António Lobo Antunes resolveu tratar Deus por tu. Ele é um pouco, ou muito despassarado, mas enfim…

Eu também tenho as minhas guinadas e manias, mas pairo baixo, a razoável distância do autor de Os Cus de Judas. E os Profs. Salazar e Marcello também não são deuses.

Não me levem a mal por, em bicos de pés no alto do meu banquinho de escritor pequeno e medíocre, (mas com quinze livros publicados), desejar tratar-vos igualmente por tu, com todo o respeito. Mas acho que não sou capaz.


(ii) A História

O nosso Portugal é uma das nações mais antigas da Europa. Fechados neste rectângulo, de costas voltadas para Espanha, tínhamos o oceano diante de nós. E, a partir do século XV, antes de quase todos os outros povos, embarcámos na ousadia e na loucura de navegar o mar. 

Áfricas, Américas, Índia, China, Japão, Austrália, nada do que eram então os grandes mares e as imensas terras desconhecidas parece ter escapado às quilhas das naus, ao calcorrear português, ao entendimento, nem sempre esclarecido, das gentes da pequena pátria lusitana. Demos “novos mundos ao mundo”, é verdade. E fixámo-nos em muitos desses lugares. Fomos ficando. Em meados do século XX ainda estávamos em Macau e Timor, na Índia, em Moçambique e Angola, nas ilhas de S. Tomé e Cabo Verde, na Guiné.

Depois de descobrirmos mais de meio mundo, face à pequenez do Portugal europeu, alimentámos naus e naus carregadas de mitos e sonhos. O bom do padre António Vieira (1608-1697) acreditava ainda num impossível Quinto Império lusitano espalhado pelo mundo e falava de nós como os que “têm a terra portuguesa para nascer e toda a terra para morrer”.

No século XIX construímos a ideia irrealista de um mapa “cor-de-rosa” a unir, sob domínio português, as terras de Angola e Moçambique. Na I Guerra Mundial (1914-1918) enviámos forças expedicionárias para França, para a Flandres, entre outras razões, para mostrar que tínhamos força (não tínhamos!..) e que outras potências europeias seriam mal sucedidas se algo fizessem para se assenhorearem das nossas colónias. 

Tivemos quinze mil mortos, (corrijam-me se estou enganado!),  bons filhos da terra portuguesa, nessa guerra estúpida e inútil. Como quase todas.

Em 1953, escrevia o general Norton de Matos, em choque aberto com V. Exª., Dr. Salazar, e que mais tarde haveria de se candidatar a Presidente da República pela chamada Oposição: 

“Que a vossa principal tarefa seja o engrandecimento da Pátria, dignificando-a (…). Não deixais que ninguém toque no território nacional. Conservar intactos os territórios de Aquém e Além-Mar é o vosso principal dever.” (in Norton de Matos, A Nação Una, Lisboa, Ed. Paulino Ferreira e Filhos, 1953).

Tudo isto V. Exª. conhecia, Dr. Salazar e, na linha do pensamento tradicional português e até do de alguns dos vossos opositores, Portugal afirmava-se “uno e indivisível”, estender-se-ia do Minho a Timor, eram “muitas raças, uma só nação”. Uma utopia, um sonho lindo e perigoso, inevitavelmente condenado pelos ventos e avanços da História.

A partir dos anos sessenta do século XX, quase todas as colónias das nações europeias em África transformaram-se em países independentes. Sabemos hoje que muitas dessas independências foram prematuras e constatamos como muitos dos pobres povos dessas terras, libertos do nada meigo jugo colonial, têm sido tratados pelos seus governantes africanos e chefes associados ao tribalismo, à incompetência, à corrupção, ao esmagamento dos mais elementares direitos humanos.

No que a Portugal diz respeito, naquele fatídico ano de 1961, perdíamos a Índia e logo de seguida iniciava-se a luta armada em Angola, com o massacre pela UPA (União dos Povos de Angola) de milhares de portugueses inocentes. 

O ódio racial era real e antigo, ao contrário do que a propaganda do regime de V. Exª., Dr. Salazar, queria esconder. A tese das “muitas raças, uma só nação” continuava a ser enganosa e iria provocar imensos sofrimentos ao povo português e aos povos de Angola, Guiné e Moçambique.

(iii) A Guerra

“Orgulhosamente sós”,  embarcámos aos milhares, de armas na mão para lutar contra o “terrorismo” em Angola. Em 1963, com o eclodir dos conflitos armados na Guiné e em Moçambique, novos espaços de guerra se abriram para os portugueses. Os chamados Movimentos de Libertação organizavam-se, contavam com poderosos auxílios externos (União Soviética, China, etc.) e Portugal fez um esforço tremendo para combater, com algum êxito, esses guerrilheiros que acreditavam lutar por um futuro melhor para a Pátria deles e queriam pôr fim a quatro séculos de mau colonialismo. O sangue, a dor, a morte passaram a fazer parte do quotidiano de Angola, Guiné e Moçambique.

Sempre na senda de um “passado glorioso”, da exaltação da nossa História, e também por razões económicas  
– Angola era, é, talvez o país mais rico de África – V. Exª, Dr. Salazar, insistia na “defesa da Pátria”, e V. Exa., Dr. Marcello Caetano, excelente professor na Faculdade de Direito de Lisboa, não discordava uma linha da política ultramarina seguida por Salazar.

Em 1968, eu não era nada de especial, tinha vinte gloriosos anos, vivera já durante um ano em Hamburgo, na Alemanha e, na Faculdade de Letras de Lisboa, fazia parte da Direcção da Pró-Associação de Estudantes e do Grupo de Poesia e Canção da Faculdade. Muitas vezes eram da nossa responsabilidade as primeiras partes dos espectáculos semi-clandestinos do Zeca Afonso, do Adriano, do Fanhais, do Zé Jorge Letria. Eu dizia poemas do Pessoa, da Sophia, do António Gedeão. Deste último, ainda sei de cor a Lágrima de Preta. Ignoro se V. Exas, Salazar e Marcello, são muito dados a estas coisas da poesia, mas aí vai:

Encontrei uma preta que estava a chorar
Pedi-lhe uma lágrima para analisar,
Recolhi a lágrima com todo o cuidado
Num tubo de ensaio bem esterilizado.
Mandei vir as bases, os ácidos, os sais,
As drogas usadas em casos que tais.
Nem sinais de negro, nem vestígios de ódio,
Água, quase tudo, e cloreto de sódio.


Podem pois adivinhar de que lado político eu me situava. A PIDE já me tinha debaixo de olho e o meu processo na PIDE (podem consultar, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, PIDE/DGS, procº. 9175 C7 NT 7555) é muito interessante e equivale às medalhas que, por bem, não ganhei na Guiné Portuguesa.

Os tempos tinham mudado, em finais dos anos sessenta do século passado cada vez mais pessoas e muita juventude, sobretudo a que frequentava as universidades, começava a contestar a vossa autoridade e a justiça das guerras em África.

E o vosso erro foi não terem entendido, para bem de Portugal e dos povos africanos, que a era gloriosa da Pátria portuguesa espalhada pelos quatros cantos do mundo pertencia a uma História de que nos podemos e devemos orgulhar, mas era apenas isso, o passado.

V. Exª., António de Oliveira Salazar e depois, a partir de 1969, V. Exª., Marcello Caetano, descartavam as hipóteses de negociações com os movimentos de libertação. E os conflitos não tinham solução. Não conseguíamos vencer os guerrilheiros em luta, nem éramos vencidos por eles.

O povo português, os povos africanos sofriam barbaridades. Em nome de quê, porquê, para quê? Vocês estavam a adiar o inadiável, o inevitável.

Em 1968, V. Exº., Dr. Salazar nomeia o então brigadeiro António de Spínola para governador e comandante-em-chefe das tropas na Guiné. Spínola, que fora tenente-coronel em Angola, apercebe-se da impossibilidade de se ganhar militarmente a guerra. A questão era política, sempre foi política e ao lançar a estratégia política de Uma Guiné Melhor António de Spínola pretende transformar o “inimigo em nosso amigo”. Consegue alguns resultados e o PAIGC treme. Spínola começa progressivamente a alicerçar a ideia de uma muito maior autonomia para os territórios ultramarinos, uma espécie de federação lusófona, e inicia estranhas negociações com o “inimigo” que, em 1970, se viriam a saldar pelo cruel e cobarde assassínio de três majores portugueses por guerrilheiros do PAIGC.

V. Exª., Dr. Salazar, tinha caído da cadeira de lona no forte de Santo António do Estoril, batido com a cabeça no chão e incapacitado, ainda sem acreditar, terminava o seu longo consulado ditatorial ao leme dos destinos tortos de Portugal.

V. Exª., Dr. Marcello Caetano, era um homem mais aberto e moderno. Mas não acabou com a ditadura, nem com a polícia política, nem com a asfixia da sociedade portuguesa. No que às guerras de África dizia respeito, foi muito mais “continuidade” do que “evolução”. Portugal permanecia num doloroso beco sem saída.

Até que em 1973, de início por razões reivindicativas e corporativistas que tinham a ver com promoções na carreira, um grupo de capitães, oficiais do quadro permanente, todos marcados pela inutilidade, irracionalidade e impossível solução das guerras de África, decide avançar para um golpe militar e depor o regime que governara Portugal a partir de 1926.

V. Exª., Dr. Salazar, desde 1970, dormia o definitivo sono dos injustos na sua campa térrea de Santa Comba Dão. E V. Exª., Dr. Marcello, foi exilado para o Brasil. As guerras de África iam acabar porque o problema tinha solução, era, sempre foi político.

O que veio a seguir já não é da vossa responsabilidade, sois apenas culpados por ter protelado, adiado até ao impossível, uma necessária solução política para os conflitos em África.

A descolonização, como sabem, foi um inenarrável desastre, as tragédias da guerra civil em Angola, os conflitos em Moçambique, os massacres em Timor, o fuzilamento de centenas de militares e civis africanos na Guiné, homens que tinham combatido ao nosso lado ou apoiado as tropas portuguesas, enfim todo um rosário de mágoas, dor e morte que não terminou com a independência desses territórios. Como foi possível, pós independência, que quase todos os mais destacados e heróicos comandantes da guerrilha do PAIGC também tenham sido mortos em lutas intestinas entre eles? Como é possível que hoje, ano de 2009, quase metade das mulheres da Guiné-Bissau estejam ainda sujeitas à excisão do clitóris, uma prática bárbara, atentatória dos mais elementares direitos da mulher, direitos humanos? Como é possível que hoje, 2009, em Bissau não exista uma única livraria?

Mas não foi para me debruçar sobre estes temas que vos escrevi. Vamos falar de nós.

(iv) Combatentes

A minha mulher é chinesa [foto à esquerda], criada na Xangai comunista, República Popular da China, onde nasceu em 1961. Há dois anos atrás, quando resolvi ir buscar o meu diário de guerra na Guiné, mais uns aerogramas da época [foto abaizo], e comecei a passá-los ao computador prevendo uma possível publicação em livro, a minha mulher zangou-se comigo. Via-me sofrer ao reescrever os textos, constatava como aquele diário ainda bulia comigo, houve dias em que, na escrita, algumas lágrimas me rolavam pela face, e ela não gostava. Fala bem português, está em Portugal há 24 anos e disse-me mais ou menos o seguinte:

“Então que prazer estúpido tens em mexer nesses papéis, tu afinal pertenceste a um exército colonial que andou a matar os pobres dos pretos. Não é melhor tentar esquecer tudo isso e dedicar o teu labor a trabalhos mais saudáveis”?!..




Cópia de aerograma, original, escrito em linhas concêntricas, reproduzido no livro "Diário da Guiné".



Em Julho de 2008 tentei e consegui convencê-la a ir comigo a Fátima, ao segundo encontro dos camaradas da CCaç 4740, com quem estive em Cufar, sul da Guiné, durante dez meses. Fomos à missa (o que raramente acontece!) com muitos dos homens da companhia 4740 e ao almoço com eles e famílias. E a minha mulher entendeu por fim o que une estes antigos militares da Guiné. Compreendeu, em palavras simples, como somos amigos, entendeu a alegria que temos em nos reencontrar, em recordar, em nos sentirmos irmãos.

[ À esquerda, capa do livro do nosso camarada António Graça de Abreu, Diário da Guiné: Lama, Dangue e Água Pura.  Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007.... 


É isto, senhores Dr. Salazar e Dr. Marcello Caetano, que vos quero dizer, dar-vos a conhecer a evolução das nossas vidas. 

A guerra marcou-nos a todos, mas somos hoje companheiros fraternos, camaradas de armas recordando um duro passado comum, em terras que não eram as nossas, mas que continuam a exercer sobre nós todos os fascínios. Fomos obrigados a fazer uma guerra, é verdade, mas a grande maioria de nós também sabia fazer a paz, quase todos tiveram a humanidade e a dignidade de sair de cabeça levantada dessa guerra.

Centenas de milhares de homens passaram pelas guerras de África. Quase nove mil combatentes, no melhor dos seus vinte anos, lá perderam a vida. “Malhas que o império tece”, ou melhor, malhas cerzidas por uma política cega, de que vocês os dois foram os principais fautores.

Os meus heróis são os soldados portugueses que tombaram para sempre numa guerra injusta tendo por horizonte as bolanhas, o tarrafo e o verde e vermelho da bandeira portuguesa, os meus heróis são esses guerrilheiros anónimos do PAIGC que caíram no seu campo de luta.

(v) A Guiné

O velho Confúcio, nascido na China antiga no ano de 551 a.C., disse mais ou menos o seguinte: “Se conheces, actua como homem que conhece, se não conheces, reconhece que não conheces. Isso é conhecer”.

Como, apesar dos meus 62 anos, conheço ainda tão pouco, devo confessar-vos, Drs. Salazar e Marcello, que neste blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné tenho aprendido muito sobre o que aconteceu nos onze anos de guerra na Guiné e sobre esta essência tão obtusa de sermos portugueses.

Os testemunhos dos homens que viveram o conflito é sempre e naturalmente plural. Os nossos dois anos de Guiné tiveram cenários e tempos diferentes, as terras fulas de Bafatá e Nova Lamego (Gabú), o chão manjaco, com o Cacheu e Teixeira Pinto (Canchungo), Mansoa e o Morés, no sul, as terras do Tombali e do Cantanhez. Diversos espaços de luta, de excelente, extraordinária camaradagem e também de sofrimento. Ora, a Guiné dos anos 1964, 1967, 1970, 1972 ou 1974 não corresponde exactamente a um mesmo enquadramento logístico e estratégico. A guerra prolongou-se por onze anos. Depois, hoje escrevemos de memória, trinta e tal, quarenta e tal anos transcorridos. E a memória esquece, distorce, obscurece, exalta o entendimento.

Mesmo assim, muitos dos testemunhos dos ex-combatentes neste blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné assumem-se como marcos fundamentais das nossas vidas, imprescindíveis para entender quem fomos e somos.

Recomendo-vos vivamente a leitura do blogue, Profs. Salazar e Marcello.

Transparece, no entanto, em alguns dos textos publicados no blogue, reflexo também de falsas ideias feitas em estratos da sociedade portuguesa, uma constante ideológica de assumir culpas, de lançar culpas para o parceiro do lado, de subestimar as forças militares portuguesas e, lógico, de sobrevalorizar o poder dos guerrilheiros do PAIGC. Política, má política.

Fomos obrigados a combater contra povos pobres que acreditavam lutar por um futuro mais risonho para as suas pátrias. Não fomos militarmente derrotados. Porque, quase sempre fomos bravos, “forte gente” com “fracos reis”, como diria o nosso Camões.

Mas, V. Exª., Dr. Marcello Caetano, com algum fundamento, estava assustado com o que acontecia na Guiné, a partir de Abril de 1973, com os mísseis Strela e com a debandada de Guileje. Em Lisboa, com censura nos jornais, sem liberdade de imprensa, corriam extravagantes boatos. Dizia-se de boca bem aberta, mas à boca calada, que os aquartelamentos portugueses no sul da terra guineense caíam uns após outros. Contava-se que um quartel, a 30 quilómetros de Bissau, havia sido tomado pelo PAIGC, com centenas de mortos. Em Junho de 1973, à noite, às escondidas, em muros da cidade de Coimbra, alguém escrevia : “se tem o seu filho na Guiné, considere-o morto.”

Em V. Exª., Dr. Marcello Caetano, a preocupação crescia. Em Junho de 1973, mandava chamar o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general Costa Gomes, recentemente regressado da Guiné e perguntava-lhe:

 
– A Guiné é defensável e deve ser defendida?
(…) A resposta do General Costa Gomes foi categórica:

 
– No estado actual, a Guiné é defensável e deve ser defendida.”

(in Marcello Caetano, Depoimento, Rio de Janeiro, Ed. Record, 1974, pag.180.)


A menos de um ano do 25 de Abril, Costa Gomes considerava a Guiné “defensável”, o que era verdade em termos militares. Sim, mas à custa de tantos sacrifícios!… Quanto ao “deve ser defendida” era a perpetuação da tese política da defesa cega das terras africanas do império.

A Guiné-Bissau tornou-se um país independente a 23 de Setembro de 1974 e logo depois Costa Gomes chegou a Presidente da República portuguesa. As malhas rotas que o império tece.

(vi) Conclusão

António de Oliveira Salazar e Marcello Caetano, Excelências

Espero que tenham lido com atenção esta minha despretensiosa carta. É apenas um desabafo do coração, mas espero que, graças ao fantástico e extra-terreno blogue do Luís Graça & Camaradas d Guiné, tenha chegado ao vosso mundo.

Nós hoje, somos ainda uns duzentos mil ex-combatentes da Guiné. Sexagenários e septuagenários, jamais esquecemos esses cada vez mais distantes dois anos das nossas vidas. Penso que não combatemos pela Pátria salazarista e marcelista mas por um Portugal e uma Pátria que nos circulava no sangue e no entendimento. Essa Pátria não nos pode ser negada. Era, é a nossa terra, eram, são as nossas gentes.

Com vinte e poucos anos, quase todos nós demos o melhor de nós próprios (às vezes a própria vida) numa guerra que não desejámos. Mas temos orgulho na nossa bandeira e nesse estranhíssimo sortilégio de se nascer português.

Homens, ex-militares da Guiné, somos hoje duzentos mil irmãos.

Saúda-vos, com pouca amizade, o António Graça de Abreu

(Revisão / fxação de texto, negritos,  numeração dos subtítuos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG)
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Nota do editor  L.G.:

(*) Último poste da série > 23 de abril de  2024 > Guiné 61/74 - P25428: 20.º aniversário do nosso blogue (8): Bem hajam!, a minha palavra de gratidão para os nossos editores e colaboradores (João Crisóstomo, Nova Iorque)

Vd. também poste de 21 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25418: 20º aniversário do nosso blogue (6): Alguns dos nossos melhores postes de sempre (V): Canjadude, pânico no abrigo Norte: Ei!!!!!… malta… um Crooocoodiiiloooo!!!... (José Corceiro, ex-1º cabo trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", 1969/71)

sábado, 9 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25252: Historiografia da presença portuguesa em África (413): O luso-colonialismo nunca existiu: para África, só desterrado ou com "carta de chamada" (António Rosinha / Valdemar Queiroz)


Cartaz (detalhe) do filme de Marta Pessoa, "Rosinha e Outros Bichos do Mato" (Documentário, 101 m, Portugal, 2023, Produção "Três Vinténs"):

(...) "Em 1934, o Estado Novo apresenta-se ao mundo com uma Exposição Colonial onde o viril Império português exibe como símbolo máximo Rosinha, uma nativa guineense. 'Rosinha e Outros Bichos do Mato'  revisita este acontecimento para entender o que nele se construiu e como ainda hoje pode ecoar no pretenso 'racismo suave' dos portugueses." (...)  (Fonte: Três Vinténs)


1. Comentários do António Rosinha e Valdemar Queiroz ao poste P25244 (*);

(i) Antº Rosinha:

Estes luso-cariocas de 1930, de colonialistas não tinham nada. (Colonialismo = A exploração desenfreada dos recursos dos territórios ocupados.)

Imaginemos a felicidade e a paixão destes luso-cariocas embasbacados com as riquezas da autossuficiência da mancarra, da cachaça de cana e do coconote e com aquelas descomunais estradas da Guiné, isto em 1930, quando desde 1880 os outros só já pensavam nas minas do ouro e diamantes

Aliás, havia em todas as gerações de "portugueses ultramarinos", uma determinada classe de pessoas que de colonialistas não tinham nada, eram simplesmente e apenas uns sonhadores "tropicalistas" acomodados aqueles paraísos tropicais, Bolama, Ilha de Luanda, Lourenço Marques, Rio de Janeiro e as terras de Jorge Amado.

Tropicalista é uma alcunha que inventei para gente que gostava de chabéu, mas tenho outros nomes, colonialista eram os exploradores europeus que dividiram África e deixaram os Bijagós para a gente.

E ainda obrigaram a gente a mandar para lá o Teixeira Pinto.

Ás vezes dá para pensar se não seria esta geração de apaixonados tropicalistas, contemporâneos de Salazar, e também de Henrique Galvão e Norton de Matos, etc. se não teriam inspirado Salazar a dar o grito "para Angola e em força" em 1961.

7 de março de 2024 às 11:41 

(ii) Valdemar Silva:

Antº. Rosinha essa das colónias e do colonialismo é sempre a mesma coisa para quem quer avaliar a "habilidade de chico-esperto",  transferindo de um dia pra outro o ministro das colónias para ministro do ultramar, mas não desfazendo a ideia de "Império" bem a maneira do salazarismo.

Em 1940 não se colocava esta questão, havia colónias e prontus.

No Cartaz da grande Exposição do Mundo Português, na Secção Colonial havia "GinKana de Negros - com várias provas originais". Não sei se havia algum com o cantar à desgarrada de brancos na Secção de Minhotos.

Saúde da boa
 

(iii) Antº Rosinha:

Valdemar, tens razão, devia de haver na exposição minhotos a cantar à desgarrada, pois que o império era do Minho a Timor.

Mas aí talvez a imaginação dos apaixonados pelo ultramar não chegasse a tanto.

Mas nas colónias havia minhotos e malta do Norte suficiente para não deixar morrer o vira do Minho e os pauliteiros de Miranda.

(iv) Valdemar Silva:

Pois, pois Rosinha, mas eram todos patrões e não estavam virados para essas brincadeiras.

Em Bissau, não me lembro o Restaurante, encontrei um meu conhecido empregado da mesa da Portugália (Arroios) a servir, também, às mesas, e como já não estava na tropa fiquei admirado.

Explicou-me que ele e outro tinham comprado o trespasse do Restaurante e um ficava ao balcão e outro servia às mesas.

Julgo que era difícil encontrar um empregado de mesa minhoto a servir num restaurante em Luanda ou Lourenço Marques, ou noutras cidades de Angola ou Moçambique.


(v) Antº Rosinha:

Valdemar, restauração, comes e bebes, do bom e do melhor, em Luanda, em São Paulo e Rio de Janeiro, era ou foi domínio de Minhotos e transmontanos.

Mas em Angola, Nova Lisboa, Sá da Bandeira e localidades mais pequenas, era gente do Norte donos de restaurantes, hoteis pensões etc.

Metia um ou outro beirão, mas muito pouco.

Em São Paulo, (10 Lisboas?) em cada esquina um minhoto ou um transmontano.

Mas ainda havia grandes supermercados de gente do Norte, acima do Douro, principalmente.

Em Angola vi gente começar do zero e irem longe, e outros darem com os burrinhos na água.

Vou-te contar uma de um retornado de Barcelos, que me serviu muitas imperiais de bandeja na mão em Luanda na Ilha, simples empregado, que se deslocava numa motorizada daquelas que faziam imenso barulho que me acordava de manhã, era meu vizinho, e me acordava às duas da manhã quando largava a cervejaria.

Pois com o 25 de Abril veio para Portugal e não largou a bandeja., Largou apenas a tal motorizada e encostava um bruto BMW à porta de um bar restaurante que explorava por conta própria, bem junto à estação de comboio movimentadíssima, de Vila Franca de Xira.

Eu,  que tinha vindo recentemente do Brasil, para onde tinha emigrado com o 25 de Abril, fiquei boquiaberto, quando precisei de apanhar aquele comboio, vou tomar a minha bica, e dou de caras, na caixa registadora,  com o meu antigo vizinho de Luanda, e perguntei-lhe pela motorizada.

Como havia mais de 5 anos que não nos viamos, foi aquele surpresa e eu já não apanhei o comboio, ele entregou a caixa registadora à mulher e contou-me entre outras coisas como de motorizada velha foi parar ao BMW novinho, à porta do bar, café, restaurante.

Bastante mais novo que eu, sei que numa das minhas vindas da Guiné, fui visitá-lo, já tinha passado o negócio...imagina se tiver saúde!

Tive colegas minhotos, de profissão, retornados, todos com golpe de vista.

Gente do Norte é que povoou por toda a parte.

8 de março de 2024 às 19:50 

(vi) Valdemar Silva

Rosinha, tudo o que explicas não me faz confusão ou sequer duvidar da grande valia dos minhotos, transmontanos ou beirões.

A minha dúvida é ter-lhes passado pela cabeça ir trabalhar para África para patrões como por cá devia acontecer. As suas ideias eram de ir ou ficavam depois da tropa como patrões de qualquer actividade.

Contaram-me que a falada "carta de chamada" era exigida a quem queria ir trabalhar,  por ex., para Angola desde que apresentasse o que ia fazer, dado não haver lugar para brancos, além do Estado, em profissões por conta de outrem. E depois sem trabalho viviam de quê, diziam os exigentes.

8 de março de 2024 às 23:12 

(vii) Antº Rosinha:

Carta de chamada era um documento de uma pessoa estabelecida, comerciante, fazendeiro, proprietário em que se responsabilizava durante um período (tenho na ideia que era meio ano) pela estadia do emigrante, e caso este não se adaptasse responsabilizava-se em "devolvê-lo" â procedência.

Foram muitos menores, tipo sobrinhos para casa de tios, ou irmãos, em que estes faziam o tal documento de responsabilidade.

Também se podia emigrar para as colónias, sem carta de chamada, mas tinha que deixar como caução dinheiro para viagem de regresso, caso não se adaptasse, ou as autoridades achassem inconveniente a sua presença, penso que era ao fim de meio ano que podia levantar a caução.

Eu tinha lá um irmão, foi fácil.

Para ir para o Brasil havia uma coisa semelhante.

Valdemar, só estranha essa da carta de chamada, que já vem essa norma desde tempos "dos reis" quem nunca esteve perdido num deserto, sozinho sem bússula.

Até quem ia das nossas aldeias para Lisboa, ia dirigido a algum parente ou conterrâneo.

Com uma cartinha com a morada e o nome da pessoa.

Mas havia ainda a história dos colonos, mas isso é outra história em que ultrapassa o próprio Salazar.

9 de março de 2024 às 11:13
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sábado, 17 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25182: Capas da Vida Mundial Ilustrada (1941-1946) - Parte V: "São 31 as crianças que a benemérita Creche do Alto do Pina enviou este ano [em agosto de 1944] para a Parede, onde ficaram instaladas no Sanatório de Santana. Quinze dias de sol, de luz, de liberdade, de pão certo!" (Foto Serôdio)





Legenda: "São 31 as crianças  que a benemérita Creche do Alto do Pina enviou este ano para a Parede, onde ficaram instaladas no Sanatório de Santana. Quinze dias de sol, de luz, de liberdade, de pão certo!" (Foto Serôdio)


1. Estas duas instituições pertenciam à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa... Era assim a Lisboa de há 80 anos, no auge do Estado Novo, onde o sol, a luz, a liberdade, o pão (certo)... não eram para todos/as... 

Alguns de nós, antigos combatentes da Guiné (entre 1961 e 1974),  já tinham nascido, outros estavam a nascer, mas a maior parte estava para nascer... E mesmo dez anos depois, em 1954, quantos de nós sabíamos o que era uma "colónia de férias", ou mesmo era dizer "quinze dias de sol, de luz, de liberdade, de pão certo"... ?!  Vinte anos depois, isso, sim, iríamos conhecer a "colónia de férias" da Guiné...

Apesar da censura aos jornais da época (imposta desde o 28 de Maio de 1926 até  ao 25 de Abril de 1974), podemos sempre (re)ler, nas linhas e nas entrelinhas,  a nossa história através desta e doutras publicações, felizmente guardadas e disponibilizadas (em papel e em formato digital) pela Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa.
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Nota do editor:

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24930: Notas de leitura (1646): Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) - Parte VI: A maioria dos colaboradores eram militares e administradores coloniais, além de escritores





Lourenço Marques, c. 1930 > "Ontem e hoje"...


Lourenço Marques > 1930 > O S.S. "Durham Castle" carregandoo primeiro embarque de frutas, na ponta-cais do novo armazém frigorífico de Lourenço Marques

Fonte: Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, nº 3,  dezembro de 1932, pp. 62-63


1. Quem eram estes homens (e uma ou outra mulher, como a escritora  e "africanista" Maria Archer, 1899-1982) que colabravam no Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, e que nos seus escritos defendiam a política colonial republicana e mostravam um entusiasmo incontido pelo futuro de Angola e Moçambique ? 

O investigador brasileiro Marcelo Assunção (#) deu-se ao trabalho, na sua tese de doutoramento, de procurar identficá-los e listá-los pelas suas funções ao tempo da República (derrubada pelo golpe militar de 28 de Maio de 1926) e pela sua profissão. Na sua amostra, tem a seguinte composição (n=82)
  • 13administradores;
  •  6 militares;
  •  36 escritores;
  • 18 administradores e militares;
  •  5 administradores e escritores
  •  0 militares e escritores
  •  4 administradores, militares e escritores
Vê-se que havia uma forte proporção de  militares ou/e gestores coloniais entre os sócio-correspondentes da Sociedade:

 "A maioria escrevia sobre o mundo colonial a partir das suas próprias experiências nas colónias."

"Diversos membros da Sociedade faziam parte não só de organizações colonialistas responsáveis pela produção de um saber colonial defensor do Império, mas também estiveram na vanguarda, ainda em tempos da República, do processo de pacificação e de campanhas militares (...).

"Norton de Matos, João de Almeida, J. R. da Costa Júnior, Paiva Couceiro e outros militares que participaram ativamente desses processos foram membros e publicavam diversos artigos no Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (...). Mesmo aqueles que não participaram diretamente das campanhas militares,  foram em sua maioria gestores responsáveis por funções estratégicas na instauração de infraestruturas, visando a modernização das colónias entre os anos 1910-30." (Assunção, 2017, pp. 16/17).


Henrique Galvão (Barreiro, 1895 - São Paulo, 1970): "Licenciado em Matemática, antigo Governador do Distrito da Huila, antigo Diretor das Feiras de Amostras de Luanda e Lourenço Marques, Diretor da Exposição Colonial do Porto (1934)".



Exposição colonial do Porto, 1934: "uma aldeia lacustre da Guiné"


Exposição colonial do Porto, 1934:  "Uma visiat de Sua Excia. o Snr. Doutor Armindo Rodrigues Monteiro, digníssimo Ministro das Colónias, e de sua comitiva, durante as obras da Exposição:


Alguns ddos colaboradores do Boletim eram escritores brasileiros como José Lins do Rego (1901-1957) ou Gilberto Freyre (1900-1987). Outros são homens que vão continuar a colaborar com o Estado Novo, como Armindo Monteiro (1886 - 1955)  (ministro das Colónias,1931-1935; embaixador de Portugal em Londres, 1937-1943), Henrique Galvão, Craveiro Lopes (presidente da República, 1951-1958), etc., mesmo que depois se tenham afastado de Salazar, ou entrado em rota de colisão com o regime, como foi o caso de Henrique Galvão que, enquanto deputado por Moçambique, à Assembleia Nacional, denunciou o trabalho forçado, em 1947.

O Boletim começou a sofrer pressões por parte do Estado Novo, logo em 1935, acabando por ser inviablizado em 1939. Era de distribuição gratuita, sendo financiado pela publicidade e outras receits.  Os anunciantes eram brasileiros e portugueses (incluindo, por exemplo, as empresas de navegação).

O  regime de Salazar, para garantir o monopólio do discurso sobre as colónias e a política colonial, acabou por estrangular e silenciar o Boletim:  dificuldades consulares,  recusa em financiar iniciativas de propaganda colonial, no Brasil, pressão sobre os anunciantes, ordem do ministério do interior aos CTT para  apreender todos os exemplares do Boletim que chegavam a Portugal, com o argumento de que, sendo uma publicação periódica, de  cariz político, estava sujeito à censura prévia...

Tabela dos colaboradores do Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (##)

 

Colaboradores

Vinculo com a Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro – Profissão

 

Profissão e informações biográficas (###)

 

 

 

António Augusto Dias

Autor de artigo no boletim

Antigo Membro do Conselho Provincial de Angola

 

António Augusto Miranda

 

Sócio-Correspondente, Autor de artigo no boletim

 

Escritor

António de Sousa Amorim (também chamado de “António de Balfruda”)

1° Secretário da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, Editor do Boletim, Autor de Artigo

Jornalista, Escritor

António Maria Godinho

Autor de artigo no boletim

Escritor

António Vicente Ferreira

Socio-Correspondente, Autor de artigos

Antigo Alto Comissário de Angola, Antigo Ministro das Finanças, Antigo Deputado, Membro do Instituto Colonial Internacional, Membro do Instituto Colonial Belga, Professor do Instituto Superior Técnico de Lisboa, Militar, Escritor

Armindo Monteiro

Autor de artigo no boletim

Ministro das Colónias, Administrador Colonial, Militar

Arnaldo Cândido Veiga

Autor de artigo no boletim

Escritor, Médico

Artur Ramos

Autor de artigo no boletim

Etnólogo, Antropólogo, Escritor

Augusto Casimiro

Socio-Correspondente, Autor de artigos e de um livro sob o selo da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro

Militar, Antigo Governador do Congo, Antigo Secretário Provincial e Encarregado do Governo de Angola, Escritor e poeta

Armando Marques Guedes

Autor de artigo no boletim

Diretor de “O Primeiro de Janeiro”, Antigo Ministro das Finanças, Professor da Universidade Técnica de Lisboa

Brito Nascimento

Autor de artigo no boletim

Juiz de Direito

Caetano Gonçalves

Autor de artigo no boletim

Advogado, Escritor

Carlos Coimbra

Autor de artigo no boletim

Escritor, Historiador

Carlos Leal

Autor de artigo no boletim

Ator, Escritor

Carlos Malheiro Dias

Autor de artigo no boletim

Historiador, Escritor

Conde D’Aurora

Autor de artigo no boletim

Juiz do Trabalho, Escritor

Conde de Penha Garcia

Autor de artigo no boletim

Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, Diretor da Escola Superior Colonial, Membro do Instituto Colonial Internacional, Antigo Ministro das Finanças

Craveiro Lopes

Autor de artigo no boletim

Militar (General), Governador Geral do Estado da Índia

Delfim Costa

Autor de artigo no boletim

Alto Funcionário do Ministério das Colónias, Antigo Deputado

Diego Macedo

Autor de artigo no boletim

Escultor, Museólogo, Escritor

Domingo Cruz

Autor de artigo no boletim

Militar (Oficial da Armada), Antigo Deputado

Duarte leite

Autor de artigo no boletim

Escritor, Historiador, Diplomata

Edison Carneiro

Autor de artigo no boletim

Etnólogo, Antropólogo e escritor

Eduardo de Azambuja Martins

Autor de artigo no boletim

Militar (Coronel), Oficial do Estado Maior, Comandante do Regimento de Infantaria N°11

Eduardo Ferreira Viana

Autor de artigo no boletim

Governador Geral de Angola, Militar

Evaristo Moraes

Autor de artigo no boletim

Historiador, Escritor, Advogado

F. Alves Azevedo

Autor de artigo no boletim

Diplomado pela Escola Superior Colonial, escritor e publicista

Francisco das Dores Gonçalves

Diretor do Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, Autor de artigo no boletim

Jornalista, Escritor

Francisco Pinto da Cunha Leal

Autor de artigo no boletim

Engenheiro, Militar

Francisco Veloso

Autor de artigo no boletim

Advogado, Escritor, Gestor Colonial

Gabriel de Medina Camacho

Autor de artigo no boletim

Militar (Oficial da Armada), Antigo Ministro da Marinha e das Colônias


Gastão de Sousa Dias

Autor de artigo no boletim, Membro e Representante da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro em Angola

Militar (Oficial do Exercito), Professor do Liceu Nacional de Huila, Escritor

Gilberto Freyre

Autor de artigo no boletim

Antropólogo, Historiador, Escritor


Henrique Galvão

Autor de artigo no boletim

Militar (Tenente), Diretor da Revista Portugal Colonial, Governador de Huíla

Henrique Pires  Monteiro

Autor de artigo no boletim

Militar (Coronel do Estado Maior), Antigo Ministro do Comércio e Comunicações, Deputado, Membro da Revista Militar

Hugo Rocha

Autor de artigo no boletim

Jornalista, Escritor


Ismael Costa

Autor de artigo no boletim

Antigo Colono e publicista

J. M. Sarmento 

Beires

Autor de artigo no boletim

Diretor da “Seara Nova”, Antigo Oficial do Exército, Engenheiro

J. R. da Costa 

Júnior

Membro e Representante da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro em Portugal, Autor de artigo no boletim

Militar (Major), Escritor


Jacinto José Nascimento

Autor de artigo no boletim

Militar (Major), Diplomado Pela Escola Superior Colonial, Diretor da “Revista Militar”

Jacinto Perreira Martins

Autor de artigo no boletim

Delegado de Saúde Pecuária

Jenipro da Cunha

de Eça

 

Sócio-Correspon-dente, Autor de artigo no boletim

Militar (Coronel), Antigo Vice-Presidente do Conselho do Governo de Angola, Antigo Encarregado do Governo Gera de Angola, Antigo Chefe do Estado de Angola

 

João Mimoso 

Moreira

Autor de artigo no boletim

Escritor

Joaquim António 

da Silva Félix

Autor de artigo no boletim

Militar (Oficial do Exército), Agricultor

Joaquim Saldanha

Autor de artigo no boletim

Administrador

José Crespo

Autor de artigo no boletim

Médico, Escritor, Membro do Instituto Histórico do Minho

José de Nascimento Jacinto

Autor de artigo no boletim

Militar (Major), Diplomado Pela Escola Superior Colonial, Diretor da “Revista Militar”

José de Sousa Faro

Autor de artigo no boletim

Antigo Governador Geral de Angola, Antigo Governador de São Tomé e Príncipe

José Gonçalves

Autor de artigo no boletimMilitar (capitão)

José Lins

do Rego

Autor de artigo no boletim

Escritor, Romancista

José Osório de

Oliveira

Autor de artigo no boletim

Escritor, Gestor Colonial, Chefe da Divisão de Propaganda da Agência Geral das Colônias

José Pereira

Barbosa

Autor de uma carta para o boletim

Governador do Distrito de Moçâmedes, Administrador Colonial


Júlio Lemos

Sócio-Correspondente, Autor de artigo no boletim

Historiador, Secretário do Instituto Histórico do Minho, Membro da Real Academia Galega, Membro da Academia de Estudios Historico Sociales

Leão Ramos

Membro Honorário da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (Patrono) Autor de artigo no boletim

Escritor

Luís Augusto Ferreira Martins

Autor de artigo no boletim

Militar (General), Antigo Diretor da Escola Central de Oficiais, Presidente da Comissão dos Padrões da Grande Guerra, Escritor

Luís Fonseca

Autor de artigo no boletim

Engenheiro Civil


Luiz António de Carvalho Viegas

Autor de artigo no boletim

Governador da Guiné, Militar

Manuel Alves Correia

Autor de artigo no boletim

Padre, Missionário, Escritor

Manuel Pereira Figueira

Autor de artigo no boletim

Chefe do Gabinete do Ministério das Colónias

Manuel Peres

Autor de artigo no boletim

Historiador, Escritor, Diretor do Observtório Meteorológico da Ajuda de Lisboa, Escritor, Colonialista


Márcio Pimentel Ermitão

Autor de artigo no boletim

Militar (Capitão de Infantaria), Advogado

 

Maria Archer

Autora de artigos no boletim

Escritora, antropóloga e etnóloga.

 

Mário de Andrade

Autor de artigo no boletim

Escritor

 

Mário Gonçalves Viana

Autor de artigo no boletim

Jornalista, Advogado, Escritor

 

Monteiro Grilo

Autor de artigo no boletim

Diretor dos Serviços de agropecuária de Quelimane

Moreira Guimarães

Autor de artigo no boletim

Militar, Engenheiro, Professor


Nascimento Moura

Autor de artigo no boletim

Publicista, Diplomado Pela Escola Superior Colonial

Norberto Gonzaga

Autor de artigo no boletim, Membro da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro

Escritor, Historiador

Norton de Matos

Membro Honorário da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (Patrono), Autor de artigo no boletim

Militar, Antigo Governador e Alto Comissário de Angola

Nuno Simões

Membro Honorário da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (Patrono) Autor de artigo no boletim

Advogado, Escritor, Antigo Diretor da “Revista Atlântida”


Paulo Braga

Autor de artigo no boletim

Escritor, Jornalista

Renato Mendonça

Autor de artigo no boletim

Professor, Linguista, Escritor

Ricardo Severo

Autor de artigo no boletim

Militar (Capitão), Governador de São Tome e Príncipe

Rodrigo de Abreu Lima

boletim – Antigo Deputado, Ex-Secretário

Antigo Deputado, Ex-Secretário da Província do Interior de Angola

Ruela Pombo

Autor de artigo no boletim

Etnólogo, Missionário, Diretor da revista “Diogo Cão”


Salestiano Correia

Autor de artigo no boletim

Militar (Tenente-Coronel)

Serafim Lopes Rodrigues

Autor de artigo no boletim

Engenheiro Civil, Antigo Colono de Angola

Souza Melo

Autor de artigo no boletim

Escritor

Tito D’Albergaria

Autor de artigo no boletim

Administrador

Theóphilo Duarte

Autor de artigo no boletim

Militar (tenente)

Vicente Henrique de Varela Soares

Autor de artigo no boletim

Militar (Alferes de Infantaria)

Virgílio Saraiva

Autor de artigo no boletim

Escritor


(#) Fonte: Considerações finais. In: ASSUNÇÃO, Marcelo, F. M. - A sociedade luso-africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. 2017. 324 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017, pp. 321/323.

Disponível em formato pdf em: http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6960

(##) O autor, Marcelo Assunção (#), só cita os  que usou no seu trabalho, a lista seria muito maior se fossem colocados todos.

(###) Essas informações foram coletadas não só no boletim, mas também em sites e links de revista, a saber: 

(Seleção, revisão e fixação de texto, negritos: LG) (com a devida vénia...)
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