A apresentar mensagens correspondentes à consulta Cherno Rachide ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta Cherno Rachide ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3638: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (3): Jan 73: Com o Cherno Rachide, em Aldeia Formosa

1. Mensagem do Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã (Cumbijã, 1972/74) (*):

Camaradas e Amigos,

Após a minha leitura diária no nosso Blogue e quando há tempo e alguma dificuldade em escrever, exactamente o que nesta fase da história da Companhia me está a acontecer , busco em postes antigos, tudo o que tenha a ver com a passagem pela Guiné dos Tigres do Cumbijã.

Hoje li um poste do camarada Antero Santos sobre o chefe religioso Cherno Rachide (**), bem como um comentário sobre o mesmo, do nosso camarada L.G. (**)

A minha participação de hoje é mais de índole fotográfica. Vou enviar quatro fotos do arquivo da patroa e transcrever o que nelas escrevi em Janeiro de 1973. Por favor, se for caso disso corrijam algum lapso.

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 1. "A população na sua maior parte constituída por homens grandes (velhos ) segue a missa (leitura do Alcorão) pelo Cherno Rachide. Todos estão descalços e sentados em esteiras ou panos. Os fatos que envergam não os usam habitualmente, mas só em dias festivos como o Ramadã ou a Festa do Carneiro que para eles significa o início de um Novo Ano".

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 2. "Depois da degola do carneiro. O Cherno é o que tem a faca na mão. À sua esquerda está um dos filhos".

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 3. "Festa Fula da matança do carneiro. A figura central é o chefe religioso Cherno Rachide, que neste preciso momento acabou de sacrificar o carneiro depois de ter rezado missa". [O periquito do Cap Mil Vasco da Gama, por detrás do Cherno Rachide, não perde pitada da cerimónia]

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (***) > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 4. "Festa do carneiro, Janeiro de 1973". [O Cap Mil Vasco da Gama segue atrás do Cherno Rachide.]

Um abraço para todos

Vasco da Gama

PS - L.G., o teu comentário merece a minha total concordância, e se não fossemos exagerados/revoltados aos vinte e poucos anos na Guiné, mal de nós. Acrescento apenas que as ofertas em dinheiro e em ouro e não digo mais, também são prática no nosso burgo...

Fotos (e legendas): © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3581: A História dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (1): Apresentação e Chegada a Bissau

15 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3624: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (2): Natal de 1972 em Aldeia Formosa

(**) Poste de 18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)


Vd. também os seguintes postes:

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)
(...) "Cheguei à Guiné em 23 de Março de 1972 e fiz parte de CCAÇ 3566 - Os Metralhas [a mesma unidade a que pertenceu o Xico Allen]; a partir de 4 de Janeiro de 1973 e até ao fim da comissão passei a fazer parte da Companhia Africana CCAÇ 18 - Aldeia Formosa (Quebo para os africanos), tendo regressado [ à Metrópole] em 24 de Junho de 1974.
"De momento pretendo somente acrescentar uma nota acerca do chefe religioso Cherno Rachide que também conheci pessoalmente: faleceu em 1973 (dentro de dias informo a data exacta) durante o período em que estive em Aldeia Formosa.
"Na realidade o poder deste chefe religioso era enorme: a guerra parou para que um conjunto de autoridades religiosas dos países vizinhos se deslocasse a Aldeia Formosa para participar no seu funeral.
"Antero Santos, ex-furriel miliciano" (...)
4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).
(...) "Tive hoje, aliás, a oportunidade de conhecer pessoalmente o Cherno Rachid e constatar o seu carisma e o poder de atracção que ele exerce sobre os africanos islamizados. Esteve vários dias em Bambadinca, de visita ao chão fula. Com avioneta ou helicóptero, às ordens, claro!
"Sentado numa esteira, de pernas trançadas, recebia nos seus aposentos privativos os fiéis que, descalços como na mesquita, o iam cumprimentar, trazendo-lhe presentes, sobretudo em dinheiro (às vezes mesmo somas importantes!) em troca duma oração, dum conselho ou dum objecto cabalístico" (...).

Sobre as possíveis ligações do Cherno Rachide ao PAIGC, vd. os postes de:

27 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3361: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3374: Controvérsias (8): Cherno Rachide Djaló: um agente duplo ? ( José Teixeira / Manuel Amaro / Torcato Mendonça)
(***) A Região de Tombali fica situada no Sul da Guiné-Bissau, fazendo fronteira com as Regiões de Bafatá, Bolama/Bijagós, Gabú, e Quínara. Tem uma superfície de 3.736 Km2, e uma população de c. 90 mil habitantes. Os sectores que compõem a Região de Tombali são:
Bedanda; Catió; Komo; Quebo; Quitafine. (Fonte: PAIGC)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7795: Álbum fotográfico do Arménio Estorninho (CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70): Cherno Rachide e a festa do fim do Ramadão, Bissau, 1970



Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Após o final do Ramadão,  no dia seguinte,  efectuara-se um acto religioso de encerramento e o local escolhido fora o Parque Teixeira Pinto.  Dessa festa muçulmana, o Arménio Estorninho captou uma série de imagens, sob a forma de slides.... Na cerimónia estavam presentes Autoridades Religiosas e Tradicionais, bem como Militares e Civis, com destque para o  Governador General Spínola. 


Legenda da foto, acima: "A batucar para se obter silêncio e a fim de observar-se para a hora da Oração".





Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão > "Chegada a hora da Oração do meio da tarde Salat’ul Assr e,  segundo o Profeta Muhammad,  deve-se fazer o chamamento das pessoas para o acontecimento....No ofício Islâmico feita a chamada, são todos iguais e não há lugares reservados".



Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão >  "Chefes Religiosos, estando presente o Grande Marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa,  que enverga uma estola rosa. Preparam-se citando Iqámah, Cad Gámatis Salah (a Oração está pronta), posicionam-se com a mão direita sobre a esquerda wuquf, recitam o 1º Capitulo do Alcorão (Sura Al Fatiha) e seguido de outra passagem.  



Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão > "O Chefe Religioso Cherno Rachide, está a acomodar-se para a Oração. Aquando eu clicava para os slides, duvidei do Chefe Religioso que se levantara e devido à sua atitude de altivez (tratara-se de concordância ou de discordância)".


Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão  > "Oração em Congregação Jamah, os Crentes sentados sobre as pernas Juluç, dizem Subhana Rabiyal ála (Glória a Deus Omnipotente) e repetindo três vezes. Depois reclinam-se para prostração Sujud e repetindo também estes movimentos durante a Oração Adán. No slide  vemos à direitos dois altifalantes: a amplificação do som facilitava a sincronia das orações e por conseguinte também dos gestos".



Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão > "Em Oração os Crentes citam Alláhu Akbar (Deus é Grande), com os bicos dos pés, os dois joelhos, as duas mãos, a testa e o nariz de maneira a tocarem o chão (em posição de prostração Sujud). Oração em Congregação, os Crentes em disciplina seguem os movimentos do Imã e sem anteciparem nenhum gesto dos actos".  



 Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão > "Em Oração do meio da tarde Salat’ul Assr e no acto de posição de prostração Sujud "




Guiné> Bissau> Parque Teixeira Pinto> 1970 > Festa do fim do Ramadão > Espontânea colocação de um manto, sobre as cabeças de vários Imãs. Os Imãs sob um manto fazem as preces finais e segue-se Assalá Alaikum warahmatlláh a paz e a misericórdia de Deus estejam convosco. Terminado o ciclo, todos os Crentes levantam-se e dizem Alláhu Akbar (Deus é Grande)"...




Fotos (e legendas) : © Arménio Estorninho (2011). Todos os direitos reservados




1. Fotos do álbum do Arménio Estorninho, que reside actualmente em Lagoa, Algarve, e que foi  1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381,IngoréAldeia Formosa, Buba e Empada (1968/70). 


O Arménio é autor da série As Minhas Memórias da Guerra, entre outras. É um bravo e leal camarada que respondeu, de imediato, ao meu pedido de envio de cópia dos seus slides do Cherno Rachide, na seu sequência do poste P7675.


Acontece que está em Lisboa o nosso querido amigo Pepito: parte 6ª para a a Guiné e leva, finalmente com ele, as tão desejadas amplicópias, em papel, do Cherno Rachide, extraídas de imagens digitalizadas disponibilizadas, em tempo recorde, tanto pelo Arménio como pelo Vasco da Gama. O Pepito irá entregar estas fotos ao filho dele, e seu amigo, o Califa Aliu Djaló.  Já o pai do Pepito, o advogado Artur Augusto Silva (1912-1983), era amigo +pessoal e admirador do Cherno Rachide, falecido em Setembro de 1973.


Recorde-se aqui o comentário deixado aqui pelo Arménio, ao citado poste P7675, com data de 27 de Janeiro último:


(...) "Dirigindo-me mais propriamente a Pepito, digo que permaneci em Aldeia Formosa (Quebo) e nos anos de 1968/69, tendo a oportunidade de conhecer o Chefe Religioso Cherno Rachide, alguns filhos e o seu local de residência.

"De bom grado estou disponível para facilitar que as minhas fotos sirvam para uso pessoal do Chefe Religioso Sekuna e seus familiares.

"Sugiro que no nosso Blogue seja visitado o Poste P6918, encerramento do Ramadão em Bissau-
1970 (Mata Teixeira Pinto) e em  fotos 4, 8, 9 e 10, estando o então Chefe Religioso Cherno Rachide (com uma estola cor de rosa), ladeado por outros Imãs e me parece também por seus filhos.

"Porque são passados 41 anos muito se perde no sotão da nossa memória, por isso caso algo esteja errado peço que me corrijas e grato ficarei. Alláhu Akbar (Deus é Grande).

"Com um abraço extensivo a Aldeia Formosa (Quebo). Arménio Estorninho. CCaç 2381 - Aldeia Formosa".



 Republicam-se algumas dessas fotos, agora em formato extra-largo, com as legendas do autor. Aproveito para publicamente, em meu nome e do nome do Pepito, agradecer a pronta colaboração do Arménio bem do Vasco da Gama. (LG)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3374: Controvérsias (8): Cherno Rachide Djaló: um agente duplo ? ( José Teixeira / Manuel Amaro / Torcato Mendonça)

Guiné > s/d > Bilhete Postal > 11- Raça Maometana (sic). Trajos Típicos [da] Guiné. Edição Foto Iris, Bissau, Guiné, Portugal. Impresso em Portugal [...] Lisboa. Reprodução proibida.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.

Um observação, mais uma vez, por parte do editor do blogue, para não se deixar passar, impunemente, uma crassa asneira que pode ser atribuída, no mínimo, a ligeireza ou a santa ignorância e, no máximo, a racismo encapotado, a incultura geral, a apressada exploração comercial, por parte do editor deste postal, a Foto Iris, do exotismo da Guiné - aos olhos dos tugas que chegavam, aos milhares, nos T/T Niassa, Uíge, Alfredo da Silva, Ana Mafalda... (Tratava-se, aliás, de um negócio altamente lucrativo, dada a procura dos postais ilustrados).

Primeiro, não há uma 'raça maoematana' (!!!). Aliás, não existe o conceito (antropológico) de raça aplicado aos seres humanos. Só há uma raça (ou melhor: uma espécie), a do Homo Sapiens Sapiens... Os grupos humanos distinguem-se sobretudo pela cultura (etnia, língua, apropriação do espaço, usos e costumes, produção, religião...), embora haja diferenças a nível do fenótipo (por exemplo, a cor da pele).

Por outro lado, não havendo mais do que uma raça (o que remete para o genótipo e não para o fenótipo), também não poderá existir um raça...maometana. Tal como não existe uma raça... cristã. Maomé e Cristo são apenas fundadores de religiões, o islamismo e o cristianismo. Há cristãos e muçulmanos... "brancos, pretos e amarelos"!

Na Guiné-Bissau, o que havia (e há) são diferentes grupos étnico-linguísticoss, alguns dos quais islamizados, como os fulas, os mandingas e os biafadas, que tendiam (tendem) a adoptar o vestuário árabe, de resto generalizado entre as populações norte-africanas e sub-saharianas, porque muito mais apropriado ao clima, e mais confortável e saudável, do que o vestuário ocidental.

Por razões de aliança histórica e estratégica, as autoridades portugueses, sob o governo de Spínola (1968-1973), deram um tratamento especial às autoridades tradicionais locais, políticas e religiosas, ligadas aos grupos islamizados e, em especial, aos fulas que habitavam maioritariamente na Zona Leste (concelhos de Bafatá e Nova Lamego) . O Cherno Rachide Djaló, futa-fula, que vivia em Aldeia Formosa e que já morreu, era naquele tempo a autoridade máxima religiosa do Islão na então província portuguesa da Guiné.

Sobre o Islão e a Guiné Portuguesa, vd. o texto, em linha, de Francisco Proença de Garcia > Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974) (LG).


Comentários ao poste de ontem, sobre o Cherno Rachide, de Aldeia Formosa (Quebo) (*):


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCAÇ 2381 (1968/70) > O Maioral Zé Teixeira, 1º cabo enfermeiro, junto ao obus 14 que batia a zona fronteiriça...

Fotos: © José Teixeira (2006). Direitos reservados.

1.José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70)

Sobre o Cherno Rachide, sempre o tive como agente duplo. Recordo que o então Major Carlos Azeredo em 1968, todos os dias o ia visitar, quando ele estava em Quebo. Um dia chegou ao refeitório e deu ordens para irmos todos para a paliçada as 17.30 h. Precisamente a essa hora começou um ataque de armas pesadas. Só que as granadas rebentaram todas para além da pista, exactamente o lado oposto da população.

Comentava-se que era para evitar que o Cherno corresse riscos de vida. Dizia-se por lá que o comandante de zona do PAIGC era sobrinho do Cherno e por isso Quebo estava bem protegido. De facto ali à volta toda a gente sofria ataques e Quebo apreciava à distância ou enviava granadas de obuz 14 mm para a tabanca atacada, como aconteceu com Mampatá e Chamarra.

2. Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf, CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71)

Meu Caro Luís Graça,

Eu conheci pessoalmente o Cherno Rachide Djaló, chefe dos muçulmanos, em Aldeia Formosa. E confirmo que este grande marabu era amigo do General Spínola e de mais alguém em S. Bento, Lisboa, que lhe pagava as viagens para Meca.

Em Dezembro de 1969, era eu professor do Posto Escolar Militar de Aldeia Formosa. Já tinha ouvido algumas histórias sobre a influência, o poder e os "poderes" do Cherno.Um dia fui abordado por um milícia, com ar preocupado, porque o filho (ou sobrinho?) do Cherno queria falar comigo, mas como não falava português, então ele, o milicia, seria o intérprete.

Recebi o visitante, que estava nervoso, mãos a tremer, que não falava português, mas percebia perfeitamente as minhas respostas. A preocupação do Cherno centrava-se na possibilidade de as cerca de trinta crianças que frequentavam a escola, serem aliciadas com o ensino da religião católica.
- Nada disso... zero... zero... - respondi, gesticulando. - E mais, se necessário, eu próprio vou falar com o Cherno, para garantir que não será ensinada religião católica.

Proposta aceite. Reunião marcada. No dia seguinte, lá fui à tabanca grande do Cherno Rachide Djaló.

Primeira surpresa, agradável, o aspecto luxuoso dos tapetes que cobriam aquele chão.Tirei as botas e sentei-me. Segunda surpresa, desagradável. Tinha na minha frente um homem abatido, com ar doente, olhar distante, que nem as vestas brancas, debroadas de amarelo torrado, conseguiam amenizar. O grande marabu estava mesmo preocupado.

Falei-lhe em voz baixa, pausadamente, reafirmando o que já tinha dito ao ajudante. Apenas ia ensinar os alunos a ler, escrever e contar. Fora da Escola, ao ar livre, faríamos educação física, jogos e canções. Mas nada de religião.
Enquanto o milícia traduzia, o Cherno fazia pequenos gestos de concordância.
Depois, fez uma pausa e disse que se era assim os meninos podiam frequentar a Escola.

Ficou tranquilo. Menos tenso, mas nunca sorriu. Despediu-se afectuosamente, como se estisse a abençoar-me. Agradeci, por mim e pelos alunos.

Regressei ao Quartel, mas pelo caminho uma dúvida permanecia no meu espírito.
Alguma coisa não estava certa. Um chefe religioso, mesmo ali, naquele sítio, naquela situação de guerra, não tem aquele comportamento. E hoje ao ler o post do Luis Graça, fez-se luz. Era isso, o "agente duplo".

O Cherno Rachid Djaló era um homem de confiança do PAIGC, pois embora estivesse no terreno ocupado por Portugal, tinha muita influência na população e não deixaria avançar a difusão da cultura e muito menos da religião dos portugueses. Aliás, nos ataques a Aldeia Formosa, os danos civis são quase nulos.

Manuel Amaro
ex-Fur Mil Enf
CCaç 2615,
1969/71


3. Torcato Mendonça (ex-Alf Mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

Olá, Boa Noite, muito breve numa, nem é comentário, pequena chamada de atenção para o titulo - Agente Duplo. Se me é permitido, falar assim daquele homem, pelo conhecimento que tenho é violento.

Mas ficam muitas interrogações no ar, desde as apontadas pelo Zé Teixeira, as visitas dos Governadores (conheci dois), os antecedentes e a implementação do PAI e PAIGC... e muito, muito! Quantos agentes duplos haveria na Guiné? Porque teria o Cherno de Aldeia Formosa tanto poder?

Isto dava uma bela conversa. Sim, porque há assuntos que se falam...só [, ou a sós ', meu caro José ?].

Os duplos...os duplos... e hoje???

Um tri-abraço do Torcato

Torcato Mendonça
________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 27 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3361: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)

Vd. também:

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).


(**) Vd. poste des

18 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3326: O meu baptismo de fogo (12): Aldeia Formosa, 23 de Abril de 1970: realiza-se a premonição de um furriel enfermeiro (Manuel Amaro)

29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2895: Tabanca Grande (72): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2895 (Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7675: Memória dos lugares (125): Aldeia Formosa (hoje, Quebo): em busca de fotos do Cherno Rachide, que morreu em 1973 (Pepito / Vasco da Gama)


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) >  "Festa Fula da matança do carneiro. A figura central é o chefe religioso Cherno Rachide, que neste preciso momento acabou de sacrificar o carneiro depois de ter rezado missa". [Em segundo plano, por detrás do Cherno Rachide, com o rosto enquadrado por rectângulo a verde, vê-se o Cap Mil Vasco da Gama, comandante da CCAV 8351, Os Tigres de Cimbijã, a vermelho]

 Foto (e legenda): © Vasco da Gama (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

 1. Há um ano atrás, a 7 de Fevereiro de 2010, o nosso amigo Pepito mandou-nos a seguinte mensagem que depois encaminmhei para o Vasco dsa Gama

Amigo Luís: Há dias sairam no nosso blogue mais duas fotos do Tcherno Rachid de Quebo (Aldeia Formosa) [, foto acima]. Tenho sido muito solicitado pelos filhos dele para obter fotos suas [O Homem Grande morreu em Setembro de 1973, sucedendo-lhe o seu filho Sekuna].

Qual é a possibilidade do autor das ditas cujas me autorizar a fazer amplicópias grandes para ass doar? Para isso preciso delas em formato menos reduzido, i.e., mais pesadas.

 abraço

pepito

2. Eis a resposta do Vasco da Gama, nesse mesmo dia, e que por razões de oportunidade (ou distracção nossa...)  nunca chegou a ser publicada... Mas julgo que o assunto merece ser retomado no nosso blogue. Pode ter haver mais camaradas que tenham (e queiram disponibilizar) fotos do Cherno Rachide. Aqui fica o apelo do Pepito e a generosa resposta do Vasco da Gama, o grande Tigre do Cumbijã, Cap Mil da CCAV 8351 (Cumbijã,. 1972/74). Vou pedir ao Vasco que me mande, de novo, as digitalizações das fotos (de ou com o Cherno Rachide) já publicadas e eventulamente de outras que encontre no seu álbum da Guiné, mas com maior resolução...


 Queridos amigos, não precisam de me perguntar, as fotos não são minhas, são nossas, de todos nós. Tenho muito poucas fotografias da Guiné, pois para além de não ter máquina fotográfica nessa altura, curiosamente comprei ontem a minha primeira máquina, os sítios por onde andei, Cumbijã e Nhacobá, não se prestavam a grandes poses.

Recordo-me, no entanto, de estar sempre atento aos acontecimentos fora do vulgar ligados aos Homens Grandes como era o caso do Tcherno Rachide ou do General Spínola, momentos esses que já enviei para o nosso Blogue. Julgo ter ainda mais duas ou três fotografias, tenho de recorrer à minha mulher, uma ainda no Quebo com o "Califa" que era o homem mais velho de Aldeia ( dizia-se que tinha 83 anos em 1973) e penso que antigo chefe religioso, e garantidamente uma ou duas fotografias já depois de estar em definitivo no Cumbijã, onde recebi a visita do antigo chefe da Tabanca bem como do Sekuna, filho do Tcherno Rachide e que lhe sucedeu, e ainda de um Tcherno do Senegal que era irmão do Tcherno Rachide. Vou procurá-las e se tiverem interesse digam e eu enviá-las-ei de seguida.( Assim a minha mulher as encontre).

É curioso como fechando os olhos recordo toda esta gente e como gostaria de voltar a abraçar os moços que trabalhavam na minha companhia como carregadores o Umarú, o Mário e o Iaia.

Tenho uma foto dos dois primeiros e sei que o Umarú trabalhou após o 25 de Abril no porto de Bissau, pois escreveu-me em 78 ou 79 para a Figueira, andava eu por Coimbra, uma carta que andou perdida uma série de tempo. Vou enviá-las, juntamente com as outras, para que o Pepito me prometa que os encontra para que possamos conversar e,  eu,chorar um pouco.

Há dias, consegui falar por telefone com um antigo guia da minha Companhia que vive no Unal! Posso adiantar que era um Balanta, protegido pelo Tcherno Rachide e hoje convertido ao islamismo. Dava uma história curiosa e vou enriquecendo os meus conhecimentos sobre o Padé, falando com um filho dele que trabalha em Coimbra e também presta apoio à Associação Humanitária Terras e Gentes do camarada José Moreira.

Tinha previsto ir à Guiné este ano! Não dá...lá estarei para o ano...(?)

Pepito, desculpa a intimidade, conta sempre comigo para o que necessites da minha modesta pessoa.
Um abraço para ti e outro para o Comandante Luís.

 Vasco da Gama

 __________________

segunda-feira, 18 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11272: Notas de leitura (466): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Dezembro de 2012:

Queridos amigos,
Estamos quase a chegar ao fim desta coletânea de textos sobre a história dos Mandingas, suas lendas e canções, no fundo reproduz-se um conjunto de textos que foram editados pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa.
E esta canção de Cherno Rachide é uma pequena joia de que a Guiné se deve orgulhar.

Um abraço do
Mário


A canção de Cherno Rachide

Beja Santos

Foi minha primeira intenção limitar este pequeno trabalho às 15 lendas que antecedem. Elas tentam esclarecer algumas facetas da mentalidade dos povos Fula e Mandinga na época das lutas tribais.

O símbolo mais válido dessa época era o “judeu”, o trovar que cantava o heroísmo, a valentia e a fidelidade, ao mesmo tempo que vituperava a traição, a cobardia e a fraqueza.
O trovador, na véspera das batalhas, tocava as canções dedicadas a cada um dos guerreiros, convidando-os a declararem as proezas que se propunham cometer no dia seguinte. No momento dos combates, elogiava os intemeratos e insultava os indecisos, sempre tocando, sempre cantando, e levava assim os combatentes à morte, quase diríamos alegremente, arrebatando-os e enlouquecendo-os.

Os tempos mudaram.

O “judeu” cedeu o seu lugar ao educador e, como se trata de povos islamizados, em que a religião domina todos os aspetos da vida das sociedades, o económico como o político, o social como o educativo, o educador é simultaneamente o teólogo.

Se procura dar uma ideia da mentalidade antiga, dominada pelo trovador, é natural que pretenda agora mostrar a mentalidade nova, plasmada pelo “cherno”, o Fula, ou pelo “caramó” Mandinga.

Por isso achei necessário reproduzir aqui um artigo intitulado “A canção de Cherno Rachide”, que publiquei em 10 de Dezembro de 1961, num simpático jornalzinho de Bissau, “O Arauto”.

Ei-lo:

- “Tive há dias ocasião de conhecer uma das mais interessantes personalidades africanas desta Província. O meu colega de Fulacunda falara-me em termos de muito interesse de um educador Fula cuja fama e influência, dizia ele, seriam imensas em todo o Sul da Guiné portuguesa e muito para além da nossa fronteira.

Fomos a Aldeia Formosa, onde reside Cherno Rachide, o nosso homem, e confesso que no primeiro contacto ele me desconcertou.
No físico não tem nada da debilidade ascética de certos letrados muçulmanos nem da obesidade de alguns outros, originada aquela nos exagerados jejuns e esta por uma vida demasiado sedentária. Ele, pelo contrário, tem mais o aspeto do trabalhador manual. Robusto sem ser gordo, realiza o equilíbrio de uma mente sã habitando um corpo são.
Nas maneiras e no vestuário, foge igualmente à regra.

Nenhuma pose nas atitudes nem presunção no trajar. A longa cabaia era já bastante usada e enquanto durou a nossa conversa manteve-se descalço. Aliás, preparava-se para ir com os seus alunos cultivar o campo que os sustenta a todos. Este facto mostra que não se entrega a um marabutismo parasitário, que é algo corrente. Dias depois, disse-me em Empada um saracolé nada pronto a elogiar os Fulas que o Cherno, contra a opinião dos seus familiares, que o desejariam ver confinado ao ensino religioso e literário, persiste em trabalhar pessoalmente a terra para que os alunos nunca tenham a falsa noção de que o labor físico é degradante e só é nobre a atividade intelectual.

Nos primeiros momentos da conversa, sente-se que Cherno Rachide se entrega cautelosamente a estudar as intenções e o caráter do seu interlocutor. Depois de ganhar certa confiança, anima-se e é então extraordinariamente vivo e simpático.
Mostrou conhecimentos profundos da história e da etnografia dos povos sudaneses e citou muitas das suas máximas favoritas.
Uma delas explica a reserva que habitualmente usa ao fazer um novo conhecimento.

Há três coisas – diz ele – de que um homem reto se arrepende imediatamente: praticar uma ação indigna, dar consideração a quem não a merece e conversar com um tolo.

Quando nos despedimos, manifestei-lhe o desejo de levar comigo, e como recordação da nossa conversa, algumas conversas por si escritas sobre o tema que preferisse.
Recebeu com visível satisfação o meu pedido e escreveu em carateres árabes (o que é vulgar entre Fulas e Mandigas) e em língua árabe (o que já não é comum) a letra de uma canção que compôs para os seus alunos.

É esta canção que vou reproduzir e peço ao leitor desculpa de o fazer em maus versos. Há, porém, uma razão que me leva a cometer semelhante imprudência.
A composição de Cherno Rachide tem ritmo na língua original e eu gostaria que ele, ao ouvi-la ler, notasse também na versão portuguesa alguma musicalidade.

Esperando que esta boa intenção me absolva inteiramente de meter foice numa seara que nunca foi minha, aqui deixo a canção:

Filhos amados, vosso pai Rachide
Uma regra de vida vos vai dar
Segui-a com rigor e não tereis
Nada que lastimar.

Raparigas, sabei que um homem espera
Encontrar na mulher três qualidades:
Respeito aos seus segredos, ao seu leito
E a todas as vontades.

A vós, rapazes, dou-vos um conselho
Que todo o sábio para si tomou
De outro, ainda mais sábio, Logomane,
Que outrora assim falou:

— Deves ter fé em Deus que tudo vê
E tudo pode acerca dos mortais
Trabalha com ardor e serás útil
A ti e aos demais.

— Estuda e elevarás a tua alma
Que os livros bons te podem ensinar
Muitas coisas formosas deste mundo
E a Deus agradar

— A palavra, o alimento e o sono
Como remédio deverás tomar:
O bastante p’ra que o corpo não sofra
Mas sem nunca abusar.

— A boca é uma e as orelhas duas
Isso te indica como proceder
Usa o ouvido mais do que o falar
E saberás viver.

— Em três partes o estômago divide
P’ra comida só uma reservar
As outras hão de ser bem necessárias
P’ra água e para o ar.

— A noite é grande e não deve ser gasta,
Do sol-posto à manhã, toda a dormir,
Destina parte dela à oração
Terás feliz porvir

— Deves casar p’ra nunca cobiçares
Mulher de outro. Não nego, o casamento
Traz desgosto profundo.
Mas se a fêmea procuras fora dele,
Em vez desse desgosto terás dois.
Neste e noutro mundo.

Meus filhos, quem seguir estes conselhos
No decurso da vida há de contar
Satisfações a esmo.
E maiores triunfos que o atleta
Que vença toda a gente nos torneios,
Pois vence-se a si mesmo.

Esta canção entoada diariamente pelos seus alunos define Cherno Rachide, o homem que se confessa profundamente grato ao governo da Província por haver possibilitado a realização do sonho da sua vida: a peregrinação a Meca.

Como português e como cristão, só me regozijo que lhe tenhamos dado tal alegria”

Bilhete postal da era colonial, mostra os pais de Braima Galissá

____________

Nota do editor:

Vd. postes anteriores da série de:

1 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11174: Notas de leitura (460): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (1) (Mário Beja Santos)

4 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11190: Notas de leitura (461): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (2) (Mário Beja Santos)
e
15 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11255: Notas de leitura (465): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

Capa do livro de Manuel Dias Belchior, editado no início da década de 1960, A Grandeza Africana – Lendas da Guiné Portuguesa.

Foto: © Torcato Mendonça (2008). Direitos reservados


1. Texto enviado pelo Torcato Mendonça, alentejano e algarvio, andarilho, cidadão do Fundão, cidadão do mundo, nosso querido amigo e camarada, ex-Alf Mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69:



GRANDEZA AFRICANA > LENDAS DE FULAS E MANDINGAS


Em Julho de 1963, ofereceram-me alguns livros sobre África. Restam-me alguns, devido mais ao meu saltitar por vários poisos do que à voragem do tempo.

Foram trazidos agora á luz do dia, quando, talvez em Maio de 2006, senti vontade de falar de África apesar de, mentindo, mais a mim do que aos outros, ter dito: A guerra há muito acabou para mim… mas digo só que o Malan… foi o primeiro de demasiados escritos, ao longo destes quase dois anos.

Para melhor, não digo recordar, mas para ter mais a certeza do que escrevia, procurei certos livros, agendas e outro material. Lá estava este livro. Saiu portanto, do arquivo morto (onde já ouvi isto?!), A Grandeza Africana – Lendas da Guiné Portuguesa. Autor, o Dr. Manuel Dias Belchior, com muito belas ilustrações de José Antunes. O prefácio é do Major Carlos Gomes Bessa, (em 1961/63?), Comissário Nacional para o Ultramar da Mocidade Portuguesa.

Lembram-se da Mocidade Portuguesa? Óptimo. Camisa verde…cinto com fivela com S, de serviço… e lá vamos nós cantando e rindo.

No livro, além da beleza das ilustrações, temos, fruto da pesquisa do autor, quinze lendas de mandingas e fulas, desde o Século XIII até ao Século XIX; do Velho Mondem (foco original dos mandingas) ou no reino fula de Maciná – transcrição do livro, página 18. As últimas lendas já se passam na actual Guiné – Bissau.

Deve ser lido para assim melhor compreendermos o sentir e a cultura de outros Povos que connosco conviveram durante quase cinco séculos. A partir dos anos sessenta muitos de nós por lá andaram dois anos. Curiosamente, alguns tecem hoje rasgados elogios “ao bom povo… às boas gentes… que antes eram os sacanas dos turras e nharos de merda…e, porque não alguns, talvez devido ao excesso de sóis africanos, ainda dizem, hoje, que aquele povo não é capaz de"…

Não quero, ao escrever assim, ofender puristas ou anti-puristas. Colonialistas ou anti-colonialistas. Cada um é livre de sentir e viver como entende. Mas sejam frontais a bem da verdade. Compreende-se contudo certas tomadas de posição.

Este livro, estas lendas, abordam e mostram algo que merece relato, certamente propiciador de um maior e melhor conhecimento da cultura Africana e Guineense em particular.

Não comento o livro e menos ainda transcrevo qualquer lenda. Abordo muito ligeiramente o posfácio. Nele fala-se de um Homem Grande , nosso contemporâneo, a viver em Aldeia Formosa (hoje Quebo) e visitado pelo autor do livro. Esse Homem Grande era Cherno Rachide.

Ficou o autor encantado com o seu saber e simplicidade. Depois de conversarem e antes de se despedirem, Cherno Rachide, a pedido do autor, ofereceu-lhe escrito em árabe a sua canção – A Canção de Cherno Rachide, cantada diariamente pelos seus alunos.

O autor tentou, segundo diz, na transcrição para português, manter o ritmo e a musicalidade.

É essa canção que a seguir transcrevemos.

«Cherno Rachide mostra-se grato, pelo Governo da Província por haver possibilitado a realização do sonho de sua vida: a peregrinação a Meca». Transcrito do livro.

Se não for abuso talvez, um dia, se transcreva uma ou outra lenda. Talvez possa ter interesse, mais á cultura mandinga e fula ou Guineense.

Talvez…mas se tem para mim porque não para outros… Um dia…talvez!


Abril/08 TM
_______________________________

Canção do Cherno Rachide
tr e adapt. do árabe: Manuel Belchior

Filhos amados, vosso pai Rachide
Uma regra de vida vos vai dar,
Segui-a com rigor e não tereis
Nada que lastimar.
Raparigas sabei que um homem espera
Encontrar na mulher três qualidades:
Respeito aos seus segredos, ao leito
E a todas as vontades.
A vós rapazes dou-vos um conselho
Que todo o sábio para si tomou
De outro, ainda mais sábio, Logomane
Que outrora assim falou:

- «Deves ter fé em Deus que tudo vê
«E tudo pode acerca dos mortais
«Trabalha com ardor e serás útil
«A ti e aos demais.

- «Estuda e elevarás a tua alma
«Que os livros bons te podem ensinar
«Muitas coisas Formosas deste mundo
«E a Deus agradar.

- «A palavra, o alimento e o sono
«Como remédio deverás tomar:
«O bastante p’ra que o corpo não sofra
«Mas sem nunca abusar.

- «A boca é uma e as orelhas duas
«Isso te indica como proceder
«Usa o ouvido mais do que o falar
«E saberás viver.

- «Em três partes o estômago divide
«P’ra comida só uma reservar
«As outras hão-de ser bem necessárias
«P’ra água e para o ar.

- «A noite é grande e não deve ser gasta
«Do sol posto à manhã, toda a dormir,
«Destina parte dela à oração
«Terás feliz provir.

- «Deves casar p’ra nunca cobiçares
«Mulher doutro. Não nego, o casamento
«Traz desgosto profundo.
«Mas se a fêmea procuras fora dele,
«Em vez desse desgosto terás dois
«Neste e no outro mundo".

Meus filhos, quem seguir estes conselhos
No decurso da vida há-de contar
Satisfação a esmo.
E maiores triunfos que o atleta
Que vença toda a gente nos torneios,
Pois vence-se a si mesmo.

_____________

Notas de L.G.

(1) Referência bibliográfica constante da página
Memória de África, com a seguinte i

[190874]
BELCHIOR, Manuel
Grandeza africana : lendas da Guiné Portuguesa / Manuel Belchior ; capa e il. de José Antunes. - [S.l. : s.n., s.d.] (Lisboa : Oficinas de S. José : Edições O Mosquito. - 125 p., 23 p. il. ; 25 cm
Descritores: Artes Literatura Cultura regional Guiné
Cota: 2048/04AHSTP

Outras publicações referenciadas, de Manuel Dias Belchior ou Manuel Belchior:

Nas vésperas de um centenário : a grandeza de Mousinho / Manuel Dias Belchior In: Boletim da sociedade de geografia de Lisboa.- série 73, nº 1- 3 (Jan.- Mar. 1955), p. 47- 66.

Sobre a origem do termo Guiné / Manuel Dias Belchior.- In: Boletim Cultural da Guiné portuguesa / Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. - vol.XVII, nº 65 (Janeiro 1962), p.41-56.

Presença da Guiné / Manuel Belchior. In: Portugal em África. - Vol. 20 (1963), p. 240-250

Evolução política do ensino em Moçambique / Manuel Dias Belchior. - Lisboa : ISCSPU, 1965. - 42 p.

La actualidad social en las provincias portuguesas de Ultramar / Manuel Belchior. In: África. - Anõ 22, nº 282 (Jun 1965), Tercera epoca, p. 16-18

Fundamentos para uma política multicultural em Africa / Manuel Belchior. - [S.l. : s.n.], 1966. - 311 p.

O espírito ecuménico dos portugueses e seu valor gráfico actual / Manuel Belchior. In: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. - vol. XXII, nº 87-88 (Julho-Out. 1967), p. 293-308.

Para uma idade de ouro no ultramar português / Manuel Belchior. In: Permanência: revista mensal de actualidades ultramarinas. - ano 1, nº 6 (Out. 1970), p. 17, il..

Les congrés du peuple de la Guinée / Manuel Bechior. - Lisboa : Arcádia, 1973. - 126 p.


(2) Sobre o Cherno Rachide (ou Rachid), vd. posts de:

4 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

18 de Abril de 2006 >
Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

16 de Dezembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).

Sobre o Islão e a Guiné Portuguesa, vd. também o texto de Francisco Garcia:

FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA > Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974)

(...) "De acordo com o 'Relatório de Serviço' (...) , na antiga Província Portuguesa, de 16 de Junho de 1972, elaborado por Amaro Monteiro na sequência de missão determinada pelo Ministro do Ultramar, as linhas de articulação dos dignitários islâmicos, no âmbito interno e no contexto africano, eram:

(...) "2) No tocante à confraria Tidjanya, dizia a mesma fonte:

"Os dignitários islâmicos mais proeminentes eram Al-Hajj Cherno Rachid Djaló (futa-fula) de Aldeia Formosa (rebaptizada Quebo, após a independência), o Xerife Secuna Haydara (de linhagem xerifina) de Ingoré e, em Cambor, o Al-Hajj Cherno Mamagari Djaló (futa-fula).
"Cherno Rachid apresentava, como figura tutelar, seu irmão Al-Hajj Califa Mamadu Cabiro Djaló com posição prioritária honorífica e consultiva, embora o autêntico poder de accionamento fosse detido pelo Cherno Rachid. Articulava-se em consulta ao Califa Abdul Azis Sy (em Tivouane, a NE de Dakar) e, suplementarmente, a Al-Hajj Seydou Nourou Tal do mesmo país (em Dakar), conselheiro governamental e 'director de consciência' dos tidjanistas tocolores e guineenses. Exercia influência religiosa interna do tipo polarizante em todo o território, nomeadamente na áreas de Fulacunda e Gabú (postos não especificados) e, externa, como consultor, no Senegal (Casamansa), na República da Guiné (pontos não especificados) e no Mali (Bamako). Manifestava acatamento xerifino do tipo idêntico ao dos pólos de Jabicunda e Bijine tendo, também, feito a dádiva recomendável ao Xerife Yussuf Haydara" (...).

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7845: Álbum fotográfico de Vasco da Gama (ex-Cap Mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74) (2): Aldeia Formosa, 1973; Cumbijã, 1974


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > Janeiro de 1974  > Foto 12> Da esquerda, Califa, o homem mais velho de Aldeia Formosa com 83 anos de idade, Aliú, chefe da antiga Tabanca do Cumbijã, eu, Sekúna (filho do Cherno Rachide, há pouco falecido, e seu herdeiro no "posto") e o Cherno da República do Senegal ( irmão do falecido Cherno Rachide).


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > Foto 9 >  Com alguns homens grandes de Aldeia. O que tem a "seta" na mão é o Califa, o homem mais velho de Aldeia Formosa e antigo chefe religioso. [Em Janeiro de 1973, o Cherno Rachide ainda era vivo, tendo presidido, em Aldeia Formosa,  à "festa do carneiro" ]. 




Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > Foto 13 > A população,  na sua maioria constituída por "homens grandes",  segue a leitura do alcorão pelo Cherno Rachide. Os fatos que envergam não os usam habitualmente mas só em dias festivos como o "Ramadão" ou "Festa do Carneiro", que significa para eles o início de um Novo Ano. 



Fotos (e legendas): © Vasco da Gama (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Mais três fotos do álbum do Vasco da Gama (ex-Cap Mil, CCAV  8351, Cumbijã, 1972/74), disponibilizadas ao Pepito e, através deste,  ao seu amigo Califa Aliu Djaló, filho do falecido Cherno Rachide) (*). 


Recorde-se, aqui, entretanto, as andanças da CCAV 8351 (1972/74) por terras da Guiné, e em especial na Região de Tombali:






(i) Cumeré,  entre 27 de Outubro e 15 de Novembro de 1972;  


(ii) Aldeia Formosa,  desde Novembro de 1972 até inícios de 73; 


(iii) a partir daqui, "dormíamos no mato na zona de Colibuía (desértica) quatro vezes por semana"; 


(iv) "ocupámos o Cumbijã em Março de 1973 e ficámos lá até finais de Junho de 1974";


(v)  O Vasco e os seus homens ainda estiveram em NHACOBÁ: "depois de ter assaltado este local em 17 de Maio de 1973, estivemos lá, dia sim dia não, recebendo ordens para aí nos  fixarmos em definitivo a 23 de Maio, e tendo abandonado esse local  às 22h00 do dia 24 de Maio após ordens superiores"); 


(vi) finalmente em Bissau,  em Julho e Agosto de 1974.
 __________

domingo, 11 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14138: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XX: setembro de 1973: (i) declaração unilateral da independência; (ii) início do Ramadão: o Islão como forte barreira antissubversiva; (iii) propostos como candidatos a peregrinação a Meca os régulos do Xime e Badora; (iv) morte do Cherno Racide, e AldeiaFormosa





Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) >  Julgo que  estas imagens têm alguma coisa a ver com a visita que o Cherno Rachide fez a Bambadinca, no meu/nosso tempo (c. 1970)...Infelizmente as fotos do meu camarada Arlindo Roda não trazem legenda (nem data)... ... A personagem central, vestida de branco e "gorro" preto, que parece estar a presidir a uma cerimónia religiosa islâmica,  pode muito bem ser o Cherno Rachide que eu conheci em Bambadinca... 

Recordo-me de as NT lhe terem armado uma tenda, no recinto do quartel de Bambadinca, para ele receber condignamente não só as autoridades locais, civis e militares, como também os seus fieis...  Ele virá a falecer, em Aldeia Formosa, em setembro de 1973. O Cmnd do BART 3873 organizou uma coluna de transporte (!) para os seus fiéis poderem ir prestar-lhe a última homenagem em Aldeia Formosa!,,,  No meu tempo, o troço Saltinho-Aldeia Formosa estava interdito... 



Fotos: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]


1. Continuação da publicação da História do BART 3873 (que esteve colocado na zona leste, no Setor L1, Bambadinca, 1972/74), a partir de cópia digitalizada da História da Unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte (*)

[António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e não como voluntário, como por lapso incialmente indicamos); economista, bancário reformado, formador; foto atual à esquerda].


O destaque do mês de setembro de 1973 (pp. 67/69) vai para:

(i) declaração unilateral, por parte do IN, da independência da Guiné-Bissau, "ato político que não teve eco no seio da população controlada pelas NT";

 (ii)  início do Ramadão: o Islão como forte barreira antissubversiva;

(iii) propostos como candidatos à peregrinação a Meca os régulos do Xime e Badora [, Mamadu Bonco Sanhá, tenente de 2ª linha];

(iv) morte do Cherno Rachide, de Aldeia Formosa
















__________________

Nota do editor:

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5716: Morte e sucessão do Cherno Rachide, ao tempo do BCAÇ 4513, em Set / Out 1973 (Fernando Costa)


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 2. "Depois da degola do carneiro. O Cherno é o que tem a faca na mão. À sua esquerda está um dos filhos".




Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 3. "Festa Fula da matança do carneiro. A figura central é o chefe religioso Cherno Rachide, que neste preciso momento acabou de sacrificar o carneiro depois de ter rezado missa". [Em segundo plano, por detrás do Cherno Rachide, vê-se o Cap Mil Vasco da Gama, comandante da CCAV 8351, Os Tigres de Cimbijã]

Fotos (e legendas): © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados


1. Mensagem, de 3 do corrente, enviada pelo Francisco Costa, ex-Fur Mil Trms, CCS / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (*)

Luis,

Junto envio transcrição integral dos textos oficiais sobre o período em que faleceu o Cherno Rachide e a sua substituição. Desta forma poderás escrever à tua maneira o que é relatado.

Como podes verificar, estou a escrever a história integral do Batalhão 4513 desde a chegada à Guiné até à partida. Já tenho actualizada a lista de pessoal que compôs o batalhão e que é superior à inicialmente transcrita.

É de notar que não consigo encontrar nenhum médico inscrito nos quadros do batalhão, o que é de estranhar pois tenho a certeza que existia.

Em relação à farda do PAIGC (**), a legenda é simples No dia em que foi feita a substituição das NT pelas do PAIGC no quartel de Aldeia Formosa, pedi a um soldado que fizesse a troca de uma farda dele por um camuflado meu.

Assim, guardei até hoje para servir de "Ronco" ou seja recordação, dos tempos em que as tropas portuguesas lutaram contra aqueles que nos substituíram no terreno.

Há muita gente que diz que foi "entregar o ouro ao bandido", eu não partilho dessa opinião, mas acho que muita coisa poderia ter sido feita com mais dignidade para com aqueles que lá deixaram parte de si, para não falar dos que não chegaram a regressar.

(Não guardo rancores, guardo sim boas ou más recordações).

Fernando Costa
Ex-Furriel BCAÇ 4513



Excertos da história do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (Transcrição, para suporte digital: F.C.)

CAPÍTULO II > ACTIVIDADE NO TO DA GUINÉ


4º Fascículo (período de 1Set a 30Set73)

SITUAÇÃO GERAL

Ainda de acordo com o planeamento aprovado do treino operacional do BCAÇ 4516, o início do período foi caracterizado pela movimentação das 3 companhias do BCAÇ 4516 e 2 do BCAÇ 4513 para BUBA para efectuar a Op "LANCE PERTINENTE" cuja finalidade visava, à semelhança da Op "OUSADIA SATÂNICA" atingir o UNAL no sentida N/S – o objectivo não foi atingido pela completa intransitabilidade do terreno nesta época de chuvas constantes e intensíssimas, a falta de trilhos, a ausência de guias e a enorme distância a percorrer, mas considerava-se que foi bastante proveitoso para a finalidade do treino operacional do novo Batalhão, pela série de ensinamentos que uma acção desta envergadura traz para o pessoal e especialmente para os quadros.

Findo o treino operacional, o BCAÇ 4516 tomou a responsabilidade da sua zona de intervenção passando a depender a CCAV 8351 e o 2º PEL ART, estacionados no CUMBIJÃ, do novo Batalhão.

Entretanto as acções do BCAÇ 4513, agora liberto do treino operacional, começaram a tomar maior volume e assiduidade, para os patrulhamentos e emboscadas na direcção da fronteira da República da Guiné, e mais incremento na contra-penetração nos tradicionais corredores de passagem do IN.

Durante o mês, apenas se verificou uma acção IN e esta junto do RIO CORUBAL, no limite da ZA/2ª CCAÇ, que consistiu num contacto entre uma força daquela companhia, durante a acção "OGIVAL" com um grupo IN que,  após detectar as NT,  fez alguns disparos e retirou em direcção ao INSASSENE, deixando 1 Granada   de RPG-2 e vestígios de sangue.

Verificou-se no período o falecimento do CHERNO RACHID, chefe religioso de extraordinário prestígio no meio muçulmano, cuja perda abalou muita a população, receando-se não ser fácil encontrar quem o substitua com o mesmo prestígio e a mesma devoção à Causa Nacional (***).

No dia 29SET regista-se a chegada à Província do novo Governador e Comandante-chefe, General BETTENCOURT RODRIGUES, que substituiu nos cargos o General ANTÓNIO SPINOLA.

Referem-se como actividades mais importantes:

SET73

01 - Integrada no TO do BCAÇ 4516, inicia-se a operação "LANCE PERTINENTE". Para isso são deslocadas para BUBA, além das três CCAÇ do BCAÇ 4516, mais 1 GR COMB da 2ª CCAÇ/4513; 1 GR COMB da 3ª CCAÇ/4513; 1 GR COMB da CART 6250; 1 GR COMB da CCAV 8351. Acompanha estas forças o 2º CMDT do BCAÇ 4513 a fim de dirigir a operação.

02 - Inicia-se a Op "LANCE PERTINENTE" em direcção ao UNAL, com o deslocamento das forças de BUBA para BOLOLA, ao longo do RIO BAPO – UNAL. Continua-se as acções na região de ALDEIA  FORMOSA em direcção à fronteira e na região de CUMBIJÃ.

03 - Continua-se a Op "LANCE PERTINENTE". Forças da 3ª CCAÇ/4513 e CCAÇ 18 continuam a efectuar o patrulhamento da fronteira até ao RIO BALANA, em virtude de nesta época do ano, e devido às chuvas este mesmo rio não dar passagem. Forças da CCAV 8351 patrulham a região de CUMBIJÃ.

04 – Termina a Op "LANCE PERTINENTE" o objectivo não foi atingido pela muito difícil transpor o terreno nesta época, chuvas constantes e intensivas, falta de trilhos e ausência de guias e a enorme distância a percorrer. Forças da CCAÇ 18 patrulham a antiga picada da CHAMARRA-GANDEMBEL até à região de CHAMGUE LAIA.

05 - Regressam aos respectivos estacionamentos as forças do BCAÇ 4513 e BCAÇ 4516 intervenientes na Op "LANCE PERTINENTE". Forças da CCAÇ 18 patrulham o RIO BALANA sem contacto.

06 - Terminado que foi o treino operacional do BCAÇ 4516, as forças do BCAÇ 4513 retomaram a actividade intensiva de patrulhamento e contra penetrações nas regiões de BUBA, NHALA, MAMPATÁ, ALDEIA FORMOSA e nos corredores possivelmente utilizados pelo IN nos seus deslocamentos de S/N e vice-versa.

O BCAÇ 4516 assumiu a responsabilidade da sua área de intervenção, passando também desde esta data a CCAV 8351 e o 2º PEL ART (CUMBIJÃ) a dependerem operacionalmente daquele Batalhão.

07 - Forças da 2ª CCAÇ/4513 durante a acção "OGIVAL" entram em contacto com um GR IN EST em 20/25 elementos. O IN reagiu com RPG e AAut retirando-se em seguida. No reconhecimento efectuado capturou-se uma granada de RPG-2 e verificou-se a existência de extensas manchas de sangue. As NT sofreram 1 ferido ligeiro. Forças da 3ª CCAÇ/4513 e CCAÇ 18 patrulharam a região do RIO BALANA.

08 - Forças da 1ª CCAÇ/4513 detectaram em região (XITOLE 2 F 0-30) passagem de um GR IN estimado em 40/50 elementos no sentido N/S na madrugada deste dia.

10 - Forças das sub unidades do Batalhão e de reforço continuam os eus patrulhamentos e contra-penetrações respectivamente nas regiões de BUBA, NHALA, MISSIRÃ e Fronteira.

11 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamentos e emboscadas realiza-se mais uma coluna de reabastecimento a BUBA.

12 - Por necessidades prementes de reabastecimento, realiza-se mais uma coluna a BUBA.

13 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 executam patrulhamento conjugado com contra-penetração [C/PEN] na região de PONTE DO RIO CORUBAL sem contacto. Forças da 3ª CCAÇ / 4513 executam patrulhamento conjugado com contra-penetração  na região do RIO BALANA sem contacto. Forças da CART 6250 executam contra-penetração na região de MISSIRÃ sem contacto.

14 - Forças da CCAÇ 18 durante a acção "OBSERVADOR VI" patrulham a estrada CHAMARRA-GANDEMBEL até à confluência do RIO BALANA-RIO DADINA. Sem contacto.

15 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

16 - Continua a actividade operacional de patrulhamento e contra-penetração  de todas as sub unidades dentro das respectivas ZA.

19 - Pelas 2100 horas são avistados de ALDEIA  FORMOSA e na direcção de CHAPADA [Chamarra ?]vários very-lights e balas tracejantes.

20 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

21 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OLARIA" patrulham e executam contra-penetração  no RIO BALANA sem contacto.

22 - O Comandante do Batalhão acompanhou uma patrulha à região de CHICAMBILO. Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "ORTIGA" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração na região da confluência RIO CORUBAL-RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da CART 6250 durante a acção OASIS" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração na região de BOLOLA sem contacto.

23 - Forças da CCAÇ 18 durante a acção "OBJECTIVA" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração  na região do RIO BALANA sem contacto.

24 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

25 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OUSADIA" executam patrulhamento e contra-penetração no RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da CART 6250 durante a acção "ORIENTE" executam patrulhamento e contra-penetração  em MISSIRÃ sem contacto.

28 - Apresentou-se de licença, assumindo as funções de OF OP INF CAPITÃO JORGE F. CERVEIRA.
Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

29 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OXIGÉNIO" executam patrulhamento com contra-penetração na região de GAMÃ sem contacto.

30 - O Comandante do Batalhão acompanhou patrulhamento a JAI JULI.


CAPÍTULO II > ACTIVIDADE NO TO DA GUINÉ


5º Fascículo (período de 1Out a 31Out73)

SITUAÇÃO GERAL

A pluviosidade diminuiu consideravelmente, no entanto as bolanhas ainda se apresentam com muita água e os rios com grande caudal. Têm surgido problemas com o itinerário ALDEIA FORMOSA-BUBA, exigindo, alguns troços, medidas de manutenção, a fim de se manter a transitabilidade.

Por determinação superior, o BCAÇ 4516 passou a ser força de Intervenção do COMANDO-CHEFE, pelo que foi transferido para BISSAU, ficando no entanto, uma das suas CCAÇ, em reforço do Batalhão e sedeada em COLIBUIA.

A actividade do IN continuou a ser fraca, sendo de salientar a flagelação a CUMBIJÃ, não só pelo número de granadas utilizadas, como a precisão do seu fogo.

Da actividade das NT, dirigida essencialmente para a fronteira e corredores de passagem IN resultou a intercepção de uma coluna IN no corredor de BUJOL, detecção e levantamento de duas Minas A/P, uma delas na picada de MAMPATÁ-NHALA e o accionamento de uma Mina A/P  na região de NHACOBÁ.

Chegaram a BUBA, os Destacamentos de Engenharia nº 1 e 2 e a Brigada de Estudo e Construção de Estradas, para darem início à construção da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA, em duas frentes, sendo uma em BUBA e outra em ALDEIA FORMOSA.

Para os trabalhos da frente de ALDEIA FORMOSA, foi deslocado o Dest Eng nº 1. Como consequência deste deslocamento passou a ser exigido às forças do Sector um esforço extraordinário na realização de colunas de reabastecimento, a fim de colocar em ALDEIA FORMOSA os materiais necessários à obra a iniciar. Com a passagem das máquinas pesadas e de lagartas deste Destacamento, a estrada ficou bastante danificada, sendo necessário proceder-se a urgentes reparações em alguns pontos para garantir a transitabilidade da mesma.

Durante o período continuaram a deslocar-se a ALDEIA FORMOSA, em virtude do falecimento do CHERNO RACHID, várias autoridades tradicionais, algumas estrangeiras, entra as quais se destaca o CHERNO ALIU CHAM, do SENEGAL.

SEKUNA, filho do CHERNE RACHID, foi eleito, em assembleia dos "Homens Grandes", sucessor de CHERNO RACHID. (***)

Por motivo do acto eleitoral no dia 28, a festa do RAMADÃ nos dias 28 e 29, efectuaram-se diversas colunas a BUBA, NHALA, RIO CORUBAL para transporte da população.

Em 17 e 30 iniciaram-se os trabalhos de Engenharia de abertura da estrada de ALDEIA FORMOSA-BUBA, respectivamente nas frentes de ALDEIA FORMOSA E BUBA.

Referem-se como actividades mais importantes:

OUT73


01 - Deslocou-se a Bissau para entrar de licença disciplinar Major Dias Marques, 2º CMDT. O Nord-Atlas escala ALDEIA FORMOSA para transporte de frescos e pessoal.

02 - Forças da CCAÇ 18, durante a acção "OUTEIRO",  patrulham a Ponte do RIO BALANA sem contacto. Realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA. O avião fretado do TAGP escala ALDEIA FORMOSA fim levar frescos para BUBA.

03 - Tem início a acção "OMOPLATA" executada por forças da 1ª CCAÇ / 4513, com a colaboração de meios navais. Esta acção visa atingir PONTA NOVA. Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "ORALIO" patrulham o Trilho de GAMÃ sem contacto.

04 - Termina a acção "OMOPLATA" em que as forças da 1ª CCAÇ / 4513 detectaram e levantaram uma Mina A/P  IN em região de (EMPADA 7 D 7-50).

O CMDT recebe a visita de todos os "Homens Grandes" da região que vêm comunicar que,  reunidos em assembleia, elegeram SEKUNA, filho do CHERNE RACHID, como seu sucessor. Exprimem todo o seu apoio e lealdade à Causa Nacional. Este mesmo facto é comunicado à REP ACAP, para ser transmitido a Sua Excelência Comandante-Chefe. (***)

05 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA. O Nord-Atlas escala ALDEIA FORMOSA, para transporte de frescos e pessoal.

06 - As Companhias do Batalhão e de reforço continuam as acções de patrulhamento e contra penetração nas regiões da fronteira, corredor do MISSIRÃ e BUJOL. Pelas 1630 horas, apresentou-se em ALDEIA FORMOSA um elemento da população, que tinha sido raptado pelo PAIGC no SENAGAL, e que fugira quando chegou a KANDIFARA. Depois de interrogado seguiu para BISSAU. Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OPRESSÃO" executaram patrulhamento com contra penetração na região da Ponte do RIO CORUBAL sem contacto.

08 - Teve lugar em ALDEIA FORMOSA, uma reunião com o Comando do Batalhão em que estiveram presentes o Delegado da CH Serv Transp., o Delegado do QG/CTIG/4ª REP, o Comandante Interino e um Oficial do BENG 447, a fim de se coordenar os trabalhos de abertura da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA.

09 - Pelas 17H30  GR IN não estimado flagelou o Destacamento de CUMBIJÃ durante 45 minutos, com 100 granadas de CAN S/R 82 e 5 granadas de MORT 82, sem consequências.~As NT reagiram com fogos de ART e MORT.

Esteve presente no Comando do Batalhão, a apresentar os seus cumprimentos de despedida, o CHERNO ALIU CHAM,  da REP SENEGAL, e que agradeceu todo o apoio prestado quando do falecimento do CHERNO RACHID e todo o apoio sanitário que continua a ser dado em todos os postos fronteiriços da REP SENEGAL. (****)

Chegaram a BUBA os Dest Eng 1 e 2 e a Brigada de Estudos e Construção de Estradas.

10 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA a fim de transportar para ALDEIA FORMOSA, os elementos do Dest Eng 1, assim como algumas máquinas e material do mesmo.

11 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OSIRIS" executam patrulhamento com contra penetração na região do RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da 3ª CCAÇ / 4516, accionaram na região de NHACOBA uma Mina A/P  IN, sofrendo dois feridos graves.

12 - Apresentou-se de licença disciplinar Cap Amaral, Comandante da CCAÇ 18.

13 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA, para transporte do material de Engenharia para ALDEIA FORMOSA.

15 - Notícia não avaliada da DGS local, refere que o IN tem deslocado forças de KANDIFARA para KASEMBEL. As companhias do Batalhão e de reforço continuam os seus patrulhamentos e contra penetração na região da fronteira e corredores de passagem IN, sem contacto.

16 - O Cmdt do Batalhão deslocou-se a NHALA e BUBA. Por determinação superior o BCAÇ 4516 passa a ser força de Intervenção do Comando-Chefe.

17 - Pelas 15h30  forças da 1ª CCAÇ / 4513 interceptaram em (XITOLE 2 E 7-17) grupo IN de 120 elementos armados, deslocando-se no sentido de S/N. NT sem consequências, o IN com prováveis feridos e mortos. Capturada 1 Granada  de RPG-7.

19 - Realizou-se coluna para transporte da 2ª CCAÇ / 4516 a fim de seguir para BISSAU.

20 - As companhias do Batalhão e de reforço continuam os seus patrulhamentos e contra penetrações na região da fronteira e corredores de passagem IN.

22 - Forças da CART 6250 procedem ao levantamento de minas instaladas pelas NT nas regiões de (XITOLE 4 E 4-41) e (GUILEJE 6 F 8-91).

23 - Durante a picagem do itinerário MAMPATÁ-UANE foi detectada e levantada uma Mina A/P  IN por forças da CART 6240. Seguiu para BUBA com destina a BISSAU a 1ª CCAÇ / 4516. O OF OP INF deslocou-se a BUBA e NHALA. Estiveram presentes em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do GA-7 e o Comandante da BAT ART/AAA 7040.

24 - Realizou-se mais uma coluna a BUBA para transportar a CCS / 4516, com destino a BISSAU. Chegou a ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1. Juntamente com o Comandante do Batalhão deslocaram-se a MAMPATÁ. Forças da 1ª CCAÇ / 4513 transportadas em meios navais iniciaram a acção "OLIMPO" sobre a região de ANTUANE.

25 - Terminada a acção "OLIMPO" em que forças da 1ª CCAÇ / 4513 detectaram e levantaram uma Mina A/P  IN na região (EMPADA 7 D 6-44). Iniciaram-se os trabalhos de abertura e asfaltagem da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA. Permanece em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1.

26 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513,  durante a acção "ORACULO", executam o patrulhamento conjugado com contra-penetração na região de GAMÃ e ponte do RIO BALANA. Durante este patrulhamento procede-se à instalação de um campo de minas na região da ponte do RIO BALANA, sobre a estrada para GADEMBEL. Regressa a BISSAU o Exmº Comandante da CAOP-1.

27 - Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia na estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA, frente de ALDEIA FORMOSA. Efectuou-se uma coluna a BUBA e outra ao RIO CORUBAL para trazer população com vista ao acto eleitoral do dia 28 e festas do RAMADÃ.

28 - Processou-se o acto eleitoral e iniciaram-se as festas do RAMADÃ, que trouxeram a ALDEIA FORMOSA muita população de BUBA, NHALA e SALTINHO.

29 - Pelas 1800 horas apresentaram-se em ALDEIA FORMOSA 3 elementos de população, naturais da REP GUINÉ, um homem,  uma rapariga e um rapaz. Realizou-se mais uma coluna a BUBA para transporte de regresso das populações que se deslocaram a ALDEIA FORMOSA.

30 - Esteve em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1, regressou a BISSAU no mesmo dia. Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia da Estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA,  frente a Buba.

31 - O Comandante do Batalhão deslocou-se a COLIBUIA e CUMBIJÃ, acompanhado de um delegado do BENG 447.

[Revisão / fixação de texto / bold: L.G.]
____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. postes de:

25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5193: Memória dos lugares (50): Aldeia Formosa, BCAÇ 4513: A última visita do Gen Bettencourt Rodrigues (Fernando Costa)

(**) Vd. poste 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5583: Memória dos lugares (62): Trocando roncos com o PAIGC em Aldeia Formosa, em Agosto de 1974... (Fernando Costa)

(***) Sobre este influente, poderoso e controverso dignitário muçulmano, vd. postes de:

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

(...) Não comento o livro e menos ainda transcrevo qualquer lenda. Abordo muito ligeiramente o posfácio. Nele fala-se de um Homem Grande, nosso contemporâneo, a viver em Aldeia Formosa (hoje Quebo) e visitado pelo autor do livro. Esse Homem Grande era Cherno Rachide.



Ficou o autor encantado com o seu saber e simplicidade. Depois de conversarem e antes de se despedirem, Cherno Rachide, a pedido do autor, ofereceu-lhe escrito em árabe a sua canção – A Canção de Cherno Rachide, cantada diariamente pelos seus alunos.

O autor tentou, segundo diz, na transcrição para português, manter o ritmo e a musicalidade.


É essa canção que a seguir transcrevemos. «Cherno Rachide mostra-se grato, pelo Governo da Província por haver possibilitado a realização do sonho de sua vida: a peregrinação a Meca». Transcrito do livro. (...)

27 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3361: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)

(...) "Os elementos de confiança do Partido são: em Cacoca, Daudá Camará, Abdulai Conté, Mbadi Bonhequi ; em Cacine, Laminé Camará, o relojoeiro, e Cassamá, motorista; em Missidé (Quebo), Aliu Embaló, e o grande marabu Cherno Rachid". (...)

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3374: Controvérsias (8): Cherno Rachide Djaló: um agente duplo ? ( José Teixeira / Manuel Amaro / Torcato Mendonça)

 16 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3638: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (3): Jan 73: Com o Cherno Rachide, em Aldeia Formosa

(****) Sobre o Islão e a Guiné Portuguesa, vd. o texto, em linha, de Francisco Proença de Garcia > Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974).


(...) Tom Gallagher esclarece-nos sobre a posição das comunidades muçulmanas, face ao Poder Português, no período em análise (1963-74), na seguinte passagem:
 
“(...) Ironicamente, o Portugal católico encontrou aliados mais leais entre as tribos muçulmanas, tais como os Fulas, na Guiné-Bissau e os Macuas, em Moçambique, do que entre os grupos africanos educados nas missões, mais inclinados a juntar-se aos nacionalistas. O conservadorismo da sua estrutura social fazia das tribos muçulmanas os aliados preferenciais dos portugueses, que chegaram a enviar peregrinos a Meca e construíram mesquitas na Guiné-Bissau em paga do apoio dos chefes locais (...)”(...).


Neste quadro, convém lembrar que, de acordo com o Supintrep nº. 10 (“Populações da Guiné”) e com a opinião de diversos autores guineenses (...), o Poder Português utilizou os grupos étnicos islamizados por possuírem uma organização social com uma estrutura mais complexa do que a das etnias de religião tradicional, podendo mesmo falar-se de uma estrutura “vertical”, com um “Estado organizado”, com classes e poderes separados, de acordo com as suas condições económicas. Esta organização proporciona-lhes uma elevada coesão pela obediência fiel dos elementos das tribos aos chefes religiosos e políticos, que disfrutavam de uma notável importância e aceitação perante os seus, pelo que o apelo a estes auxiliares era “(...) uma condição sine qua non de uma vitória portuguesa face aos animistas (...)”

De acordo com o “Relatório de Serviço” (...), na antiga Província Portuguesa, de 16 de Junho de 1972, elaborado por Amaro Monteiro na sequência de missão determinada pelo Ministro do Ultramar, as linhas de articulação dos dignitários islâmicos, no âmbito interno e no contexto africano, eram:


1) Quanto à confraria Qadiriya:

Em Jabicunda, o dignitário mais destacado da confraria era Al-Hajj Mamadu Mutaré Suaré (Jacanca), que exercia influência de tipo polarizante em todo o território, na área de Bafatá, e externa, na Gâmbia e no Senegal, articulando-se, neste último, com o seu irmão Caranca Djura Suaré (Casamansa), em consulta numa plataforma de paridade, não excluindo certo acatamento ao mesmo. Fazia a dádiva recomendável devida ao destaque, na linhagem xerifina, ao “Xerife” Yussuf Haydara (de Casamansa), portador da “Baraka”, aparentado com os Haydara de Tombuctu (Mali) e articulado a Marrocos.

Por via de seu irmão, inseria-se na dependência própria dos quadros confraternais, articulando-se, assim, ao “Cheik” Sidaty Ould Talibouya, expoente máximo da Qadiriya no Senegal, cujo poder de accionamento se estendia à Gâmbia, Mali, Guiné-Conacry e Guiné Portuguesa. Este “Xerife” senegalês visitava todo o território, colectando. Apresentava-se, pela linhagem e atributos pessoais, como ultrapassando na sua missão o quadro estrito das confrarias, e fundia-se com o Rei Imã numa origem multissecular: “a Casa do Profeta”.

Em Bijine, o mais destacado elemento era Al-Hajj Almami Sidi Acassamo (Mandinga) que manifestava acatamento xerifino e se articulava com o dignitário de Jabicunda, já citado. Contudo, em caso de recurso do respectivo parecer ou decisão, articulava-se ao “Cheikh” Sidi Abu Ibrahimo, na Mauritânia (Boutilimit) e não com Caranca Djura Suaré; também fazia a dádiva recomendável ao Cheik Sidaty Ould Talibouya.

2) No tocante à confraria Tidjanya, dizia a mesma fonte:

Os dignitários islâmicos mais proeminentes eram Al-Hajj Cherno Rachid Djaló (futa-fula) de Aldeia Formosa (rebaptizada Quebo, após a independência), o Xerife Secuna Haydara (de linhagem xerifina) de Ingoré e, em Cambor, o Al-Hajj Cherno Mamagari Djaló (futa-fula).

Cherno Rachid apresentava, como figura tutelar, seu irmão Al-Hajj Califa Mamadu Cabiro Djaló com posição prioritária honorífica e consultiva, embora o autêntico poder de accionamento fosse detido pelo Cherno Rachid. Articulava-se em consulta ao Califa Abdul Azis Sy (em Tivouane, a NE de Dakar) e, suplementarmente, a Al-Hajj Seydou Nourou Tal do mesmo país (em Dakar), conselheiro governamental e “director de consciência” dos tidjanistas tocolores e guineenses.

Exercia influência religiosa interna do tipo polarizante em todo o território, nomeadamente na áreas de Fulacunda e Gabú (postos não especificados) e, externa, como consultor, no Senegal (Casamansa), na República da Guiné (pontos não especificados) e no Mali (Bamako). Manifestava acatamento xerifino do tipo idêntico ao dos pólos de Jabicunda e Bijine tendo, também, feito a dádiva recomendável ao Xerife Yussuf Haydara.

Em Ingoré, o Xerife Secuna Haydara pertencia a uma família originária de Marrocos (Fês) e efectuou os seus estudos em Tuba, na Guiné-Conacry. Apresentava-se com uma ambivalência confraternal, pois era dirigente tanto da confraria Qadiriya como da Tidjanya (note-se, caso único no território), para o que concorre a sua natureza xerifina.

Secuna Haydara também exercia influência interna de tipo polarizante (em toda a linha de S. Domingos a Farim) e externa, a título consultivo (Casamansa), sendo a sua articulação em posição de acatamento com Al-Hajj Cheikh Ibraimo Djabi e, a nível paritário, com o Cherno Rachid. Este dignitário era parente do Xerife Yussuf Haydara, a quem não fazia a dádiva recomendável.

Por fim, o dignitário de Cambor, Cherno Mamagari Djaló, foi iniciado na confraria Tidjanya, no Senegal, pelo Xerife Hakilo Haydara, a cujo irmão Yussuf fazia a dádiva recomendável e a quem consultava, recorrendo, só em última instância, ao Califa Abdul Aziz Sy. A sua influência religiosa, a nível interno, é de tipo polarizante, em Cambor e nas zonas limítrofes. No entanto, manifestou alguma rivalidade em relação a Cherno Rachid pela sua influência no Gabú. Ao nível externo, efectua consulta no Senegal (Casamansa), Gâmbia (área de Djadjaburé) e em Conacry (não especificado).

Procurámos na medida do possível actualizar, presencialmente, todos estes pólos articuladores e difusores do Islamismo no território. Assim, no que respeita à confraria Qadiriya, os principais centros continuam a ser Jabicunda e Bijine, aos quais acrescentamos entretanto Farim.

Em Jabicunda, o Almami Ansu Cissé exerce influência interna, de tipo polarizante, em toda a área de Bafatá e, externa, na Gâmbia e Senegal. Paga a dádiva recomendável a um “Xerife” senegalês, cujo nome não conseguimos apurar. Os dignitários de Bijine Ualió Quntchumba Faty e Al-Hajj Koba Gassama (...), e Farim, Arafan Bacari Touré, respectivamente, todos com acatamento xerifino, articulam-se com o dignitário de Jabicunda, já referido.

No que se refere à confraria Tidjanya, Cambor é, presentemente, o maior pólo de difusão, sendo ainda dignitário Al-Hajj Ualió Mamagari (...) (portador de “Baraka”), considerado “Homem Grande” em todo o território; exerce influência de tipo polarizante no mesmo território, a nível interno, e externamente na Guiné-Conacry, Senegal, Gâmbia, Mali e Mauritânia (...).

Em Quebo, o dignitário islâmico mais proeminente é Al-Hajj Amadú Dila Djaló, filho de Cherno Rachid. Manifesta acatamento ao Xerife de Fês, Tidjani Hajj Zambir, filho de Sidi Al-Hajj Bensalem a quem faz a dádiva recomendável. Exerce influência religiosa interna, de tipo polarizante, na região de Quebo e, externa, como consultor, na Guiné-Conacry e no Senegal. Quanto a consulta, articula-se, tal como seu pai, ao Califa Abdul Azis Sy (nascido em 1904).

Este dignitário foi iniciado na confraria Tidjanya em Tivaouane, no Senegal. Completou os seus estudos no Egipto e efectuou diversas vezes peregrinações a Meca. Salientamos que este dignitário é deputado pelo PAIGC, na Assembleia Nacional Popular.

Ingoré, última fronteira guineense antes de Casamansa (...), continua a ser um grande pólo de difusão do Islamismo (permanece a bi-valência qadirista-tidjanista).

Aos centros tradicionais do território, acrescentamos o pólo de Sinchã Santa Mansata (Canhamina), onde Al-Hajj Umarú, com formação no Egipto e amigo próximo de Hassan II (segundo faz crer), construiu aquela que é considerada a maior mesquita da Guiné-Bissau.

Na perspectiva de Amaro Monteiro, se “(...) accionadas de Sul para Norte N ondas de subversão metódicas apontando às credibilidades e às sedes geografico-culturais dos dignitários xerifinos, o mecanismo de comunicação visado, rarefeitas as respectivas bases de sustentação (...)”(...), reagiria em sentido inverso, ou seja, se se projectarem, numa carta, todas as articulações confraternais e as linhagens xerifinas, verifica-se que estas teriam muito provável coincidência com os itinerários/focos de violência ou de desestabilização, que, em última análise, visariam o Rei Imã. Caso aquele entrasse, hipoteticamente, em colapso, provocaria o “(...) «curto circuito» dos mecanismos de comunicação sócio-religiosos (...)”(...), no referido sentido geográfico e, claro está, forte trauma nos pólos articuladores das confrarias Qadiriya e Tidjanya.

O Poder, ontem (o português) como hoje (o guineense), apercebendo-se de que não se pode alhear da importância muçulmana no território (...), que não pode ignorar o seu dinamismo por vezes encarado como concorrente da política externa do Estado, procura, por exemplo, custeando as despesas com a peregrinação a Meca (...) de personalidades destacadas da comunidade islâmica e com a construção de mesquitas, ganhar alguma autoridade, ou melhor, tenta obter, ou continuar a obter, os favores dos muçulmanos, sobretudo, importantes numa altura em que o mundo islâmico - pela mão do integrismo - assume uma importância política inusitada e que convém esconjurar.

Porém, o Estado laico dificilmente penetra no campo religioso. Aquilo que dá força ao Islão, nomeadamente ao Islão popular, é o facto de este representar, pelo menos em princípio, uma contra-sociedade, ou seja, uma sociedade paralela, que escapa por natureza ao poder do Estado (...). Assim, o Estado procura o aproveitamento pragmático dos muçulmanos, pois as respectivas características culturais são susceptíveis de, se bem exploradas, em termos de Apsic, reforçar ou constituir uma consciência nacional.

Em 1985, criou-se em termos oficiais a Associação Islâmica (presentemente presidida por Al-Hajj Sori Sow), sediada na capital agrupando todas as confrarias e comunidades espalhadas pelo país. Esta fórmula coordenadora faculta ao Islão o benefício do reconhecimento oficial, ao mesmo tempo que permite às autoridades governamentais “(...) transformar as estruturas muçulmanas em verdadeiras instituições paralelas do regime (...)”(...).

Aquela associação dispõe de um importante papel nas relações externas das comunidades muçulmanas nacionais, visto que é ela a encarregada de regularizar os contactos culturais e religiosos com o mundo árabe e de atrair capitais.

Após as primeiras eleições multipartidárias, em 3 de Julho de 1994, também as associações islâmicas proliferaram, contando-se presentemente no país mais cinco associações: a União Nacional para a Cultura Islâmica (1991), a Al Ansar (1992), com maioria de associados Mandingas; o Instituto Islâmico para o Desenvolvimento, que agrupa Fulas e Mandingas (1993); o Comité de Redacção e Tradução, que agrupa, essencialmente, Fulas (1994); e a Organização Islâmica, Cultura e Desenvolvimento, cuja maioria de associados é de Mandingas (1995).

Para eficiente accionamento da população, quer uma subversão quer uma contra-subversão necessitam de adequado conhecimento dos mecanismos informais de comunicação; nestes, o vector sócio-religioso desempenha, na África Negra, elevada importância, potencializada em terrenos humanos como o da Guiné pela impressiva presença de massa muçulmana. Uma guerra de semelhantes características globais ultrapassava obviamente a área de acção habitual das Forças Armadas. Assim, a resposta portuguesa para obstar “(...) à guerra global que a ela condicionava os actos da política (...)”(...) requerer-se-ia também geral, ou seja, em todas as “frentes”, por acções oportunas e estreitamente coordenadas nos campos social, político, militar e psicológico, como veremos no próximo capítulo e aliás desde já se vem inferindo. (...)