sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

Guiné 63/74 - P501: A sanha revolucionária e os meus Jagudis (A. Marques Lopes)


Texto do A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano atirador de infantaria (CCAÇ 1690, Geba; CCAÇ 3, Barro, 1967/69), hoje coronel, DFA, reformado.

Foto > Guiné > Barro > 1968 > CCAÇ 3 > O Grupo de Combate do Marques Lopes, Os Jagudis, fazendo uma pausa no mato. Eram quase todos de origem balanta, por escolha do seu comandante. Havia um cabo, fula, e três furriéis brancos.

© A. Marques Lopes (2005)


A propósito do que o amigo Mário Dias diz sobre "a sanha revolucionária dos que, a seguir ao 25 de Abril de 1974, consideravam como bestas criminosas todos os que tinham combatido ao lado de Portugal - militares portugueses incluídos" (1), permitam-me que possa discordar desta ideia com alguns laivos de generalização.

E lembrar que os principais intervenientes (assim como outros que não estiveram, por várias razões, na primeira linha) da revolução foram combatentes activos na guerra e, referindo-me expressamente aos que estiveram na Guiné, conheciam bem e estimavam os combatentes africanos que lutaram ao lado dos portugueses.

Se o Mário Dias se refere a alguns grupelhos ultras então existentes, com alguns dos seus antigos elementos agora em posições na vida governativa e partidária, e até em altas instâncias internacionais, pode ter razão quanto à sanha revolucionária mas não que eles tenham decidido alguma coisa, nos idos tempos da revolução, sobre o futuro dos ex-combatentes.

Lembro que as independências, nomeadamente a da Guiné, a reconhecida por Portugal [em 10 de Setembro de 1974], se deram na fase acesa do período revolucionário. A velocidade e a complexidade dos problemas então existentes ter-se-ão presentado com mais urgência aos, então, responsáveis. Mas lamento e concordo que foi errado não ter tido também a preocupação para com a sorte dos combatentes africanos.

E digo isto porque sei que alguns dos meus Jagudis de Barro também foram fuzilados após a independência da Guiné, o que, obviamente, me entristeceu muito. Mas peço ao Mário Dias que não pense que foi a sanha revolucionária. Foi, sim, a falta de preocupação, havia outras... que não é desculpa, nem justificação, estou de acordo. Aliás, é o que pensam os actuais governantes relativamente aos ex-combatentes.

Quanto aos fuzilamentos no Cumeré, num encontro que tive com ele há alguns anos, o Luís Cabral garantiu-me que não foi ele o responsável mas sim o Nino Vieira, por iniciativa própria, como Ministro da Defesa de então. E, porque o conheço como pessoa, acredito que o Luís Cabral não tomaria uma decisão dessas, assim como não a tomaria, penso eu, o Amilcar Cabral, se fosse vivo na altura.

Lembro que a vingança dos vencedores de uma guerra de libertação (ou assim considerada) para com os que estiveram do lado do inimigo sempre deu em situações dessas. Os partisans franceses mataram muitos colaboracionistas após a libertação, os franquistas mataram muitos republicanos após a sua vitória, os vietcongs mataram muitos sulistas após a saída dos americanos... Claro que, porque os conheci e vivi com eles, gostava que isso não tivesse sucedido aos meus Jagudis. Lamento e fiquei triste.

A propósito, esteve há pouco tempo em Portugal um jornalista guineense que eu conheço, o António Nhaga, que é correspondente em Bissau do Diário de Notícias. Disse-me ele que um tio dele foi soldado da CCAÇ 3, a companhia onde estiveram os Jagudis. Após a independência fugiu para o Senegal, por lá esteve uns anos, mas está agora em Bissau. Quando lá for proximamente vou-me encontrar com ele.

Abraços
A. Marques Lopes
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Nota de L.G.

(1) Vd. post de hoje, Guiné 63/74 - DXV: Uma dívida que Portugal nunca pagou aos seus soldados africanos (Mário Dias)

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