quarta-feira, 5 de abril de 2006

Guiné 63/74 - P662: Carlos Fabião, sete momentos de intervenção (Afonso Sousa)

Guiné > Bissau > o Afonso Sousa (CART 2412, 1968/70) junto à estátua de mais um pacificador da Guiné, dos primeiros anos da República.

© Afonso M. F. Sousa (2006)

Texto do Afonso M. F. Sousa (ex-furriel miliciano de transmissões, CART 2412, 1968/70).

Para um conhecimento mais preciso do homem e do militar.

Carlos Fabião: mais um dos militares de Abril que parte.

Do seu percurso de militar, sobretudo nos primeiros tempos da revolução de Abril, Fabião sobessai como uma figura que parece trepar a montanha da revolução por vertente diferente da dos seus camaradas.

...Os seus comportamentos, são questionáveis. Mostram, por vezes, um homem enigmático...uma figura que parece fazer suscitar algumas dúvidas ou objecções !

É necessário um melhor conhecimento do homem, do cidadão e do militar Carlos Fabião, para uma melhor análise e entendimento do seu verdadeiro ideal, no contexto da revolução e da descolonização.

Atentemos nos seguintes sete momentos (entre outros possíveis) da sua intervenção no processo e período revolucionários:

1) - Os seus instintos de democrata já se evidenciaram, e de forma corajosa, em finais de 1973, quando numa aula do Instituto de Altos Estudos Militares fez a denúncia de um golpe de estado de direita em preparação, que seria conduzido por Kaúlza de Arriaga e onde estariam também Silva Cunha e Silvino Silvério Marques.

2) - Aquando do convite do Presidente da República, General António de Spínola, para assumir o governo transitório da Guiné, escreveu-lhe uma carta em que, a dada altura, dizia: "O senhor tem o direito de me pedir isto, mas está a destruir-me".

3) - Em Maio de 74, no seu discurso de tomada de posse, terminou dizendo a frase inesperada: "por uma Guiné melhor num Portugal continuamente renovado".

4) - No Verão do mesmo ano, não quis presenciar o arriar da última bandeira portuguesa, no território da Guiné. Quis trazer para a metrópole os comandantes africanos, com quem fora sempre tão cúmplice e solidário (Fabião tinha sido o criador do Corpo Especial de Milícias, quando Spínola chegou à Guiné). Ficou triste e desiludido, por este seu testemunho de gratidão não ter sido concretizado e, por vicissitudes várias, até impedido.

5) - De regresso à metrópole haveria de ser convidado para formar governo, sucedendo a Vasco Gonçalves. Declinou o convite. Da sua escusa, mais tarde, haveria de justificar: "Eu, para formar Governo precisava de apoio total dos 'gonçalvistas' que não mo iriam dar. Os 'otelistas' (...) também não. Quanto aos Nove (...), a força deles nessa altura era quase só conspiratória."

6) - No Verão quente de 75, acaba afastado da vida militar activa, na sequência do 25 de Novembro, mas nunca recriminou os que o ostracizaram. Dizem que foi uma atitude incompreensível, injusta e iníqua.

7) - O papel de Carlos Fabião no exemplar processo de descolonização da Guiné merece sempre ser destacado pelos altos serviços prestados a Portugal, mas só muito recentemente foi reconhecido pelo Presidente da República, ao atribuir-lhe a Ordem da Liberdade. Porquê só agora ?


Ao afigurar-se como um um militar diferente do da grande maioria dos seus camaradas, fazedores do 25 de Abril, todas as reflexões parecem importantes para dissipar dúvidas e fazer brotar alguma clarificação na indubitável definição do perfil e do carácter de Carlos Fabião.

Testemunhos pessoais dizem dele um homem de poucas palavras, muito observador e de uma rectidão extrema e sobretudo muito humano. Sempre muito preocupado com os seus homens, em todos os aspectos: segurança, saúde, alimentação. Um bom estratega e um grande militar.

Homem de carácter íntegro, de exemplaridade de comportamento moral e de honestidade e simplicidade incomensuráveis.


Que a história lhe faça a devida justiça.
Afonso Sousa

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