segunda-feira, 31 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Esboço do sector, vendo-se a posição do antigo destacamento da Ponta do Inglês, abandonado pelas NT em Novembro de 1968, na nargem direita do Rio Corubal. Havia uma estrada que ligava directamente a Ponta do Inglês ao Xime.

Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971

Infografia: © Luís Graça (2005)


1. Mensagem do Paulo Santiago (ex-alf mil do Pel Caç Nat 52, Saltinho, 1970/72):

Mando-te a letra da Canção da Fome, da autoria do meu amigo e conterrâneo Manuel Moreira (1), ex-1º cabo do Pelotão comandado pelo Gilberto Madail, da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (2):


CANÇÃO DA FOME

Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês (3).
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da GUINÉ.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com Bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos Turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:

MANUEL VIEIRA MOREIRA.

Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968 (4)


______________

Notas de L.G.

(1) O Paulo Santiago e o Manuel Vieira Moreira são naturais de Águeda. O Paulo vive em Aguada de Cima.

(2) Vd. post de 23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P979: O Gilberto Madail pertenceu à CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (Paulo Santiago)

(...) "O mundo é pequeno. Tenho um amigo, aqui em Aguada, ex-soldado do pelotão comandado pelo Gilberto Madaíl. Telefonei-lhe há minutos, para me informar dos dados que procuravas.O Madaíl pertencia à CART 1746, transferida de Bissorã para o Xime. O grupo de combate, comandado pelo Madaíl, e do qual fazia parte o meu amigo Manuel Moreira, esteve destacado na Ponta do Inglês durante algum tempo, regressando ao Xime, visto ser muito difícil aguentar aquela posição. Conheço uma canção muito interessante, feita pelo meu amigo, durante a estadia naquele destacamento. Vou ver algo mais que possa ser publicado na Tertúlia, e que ele tenha em casa" (...).

(3) O estratégico aquartelamento da Ponta do Inglês , na margem direita do Rio Corubal, foi abandonado pelas NT em Novembro de 1968. Na altura era guarnecido por forças da CART 1746, a unidade de quadrícula do Xime: vd post de 19 de Março de 2006 >
Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado

A queda (ou o abandono) da Ponta do Inglês significou a interdição do Rio Corubal à nossa navegação, quer civil quer militar. E, como muito bem lembrava Amílcar Cabral, "o único rio de facto a sério, na nossa terra, é o Corubal"...


(4) Pontuação da minha responsabilidade. Para o Manuel Moreira vai um grande abraço de um camarada, da CCAÇ 12, que muito penou nas idas à Ponta do Inglês... Aliás, quem, da malta que esteve no sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), não tem dramáticas recordações da Ponta do Inglês ? Refiro-me aos operacionais das companhias de quadrícula (Xime, Mansambo, Xitole, Saltinho) e das sub-unidades de intervenção, dependentes de Bambadinca como a CCAÇ 12 e os Pel Caç Nat (52, 53, 54, 63)...

O Manuel Moreira está automaticamente feito membro da nossa tertúlia, desde que ele nos possa disponibilizar um endereço de e-mail (ou caixa de correio electrónico) para onde a gente possa mandar-lhe as nossas mensagens...

Agora que está inaugurado o Cancioneiro do Xime, espero que a veia dos nossos poetas populares não seque (ou não seque tão depressa).

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