terça-feira, 3 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1144: Geração Blogue? Eu, blogador, me confesso (Beja Santos)

Um tal g.g., guru da revolução da blogosfera... Giuseppe Granieri, italiano, nascido em 1968, autor de - entre outros livros recentes - La Società Digitale (2006) e Blog Generation (2005). Fonte: Blog Notes (2006) (com a devida vénia...) (LG)


Título: Geração Blogue
Autor: Giuseppe Granieri (1)
Editora: Presença
Local: Lisboa
Ano: 2006
Tema: Ensaio
Colecção: Sociedade Global
Nº na Colecção: 9
Preço c/iva: €12,50
ISBN: 9722335731
Nº de Páginas: 152
Data de lançamento: Agosto de 2006
Sinopse:
Apesar de ser um fenómeno relativamente recente, em poucos anos os blogues conheceram uma difusão extremamente célere na Rede, impondo-se como um novo modelo de comunicação que põe diariamente em contacto e em confronto pessoas e ideias, transformando a Internet numa imensa infra-estrutura de discussão, e criando uma comunidade cuja única regra é a relação.
Partindo destas características, Giuseppe Granieri procura responder a questões que relacionam os blogues, a informação, os media, a política e a democracia, e as regras que gerem e filtram todo este enorme ecossistema. Sustentado por exemplos concretos e actuais, este é um livro indispensável para compreender e acompanhar a revolução que os blogues estão a operar, em tempo real, no nosso quotidiano e que desafia a nossa visão do papel das novas tecnologias na sociedade num futuro não muito distante. (Fonte: Presença, 2006)


Blogosfera, o nosso lugar de conversa sobre uma dimensão do mundo que nos interessa ,
por Beja Santos


Caro Luís:
Acabo de ler Geração Blogue, por Giuseppe Granieri (Editorial Presença, 2006). Como sabes, dou matérias relacionadas com o lazer e a Sociologia do Consumo e o blogue, que interfere no consumo digital, é inescapável.

Gostaria de reflectir com os nossos tertulianos o estado desta entidade madura da Web, as interacções que comporta, até que ponto não praticando jornalismo informa-nos e até podemos sensibilizar os media (atenção, há jornalistas que são insignes bloguistas mas o contrário não é verdadeiro). Aqui vai o que ponho à discussão, sem detrimento de cada um tirar mais proveito da leitura do livro do que o meu arrazoado. E venham os comentários.

Primeiro, uma parte determinante do modo como vemos o mundo é hoje estranha às nossas experiências. Uma notícia da televisão não é comandável por nós e quando nos indignamos (caso dos cemitérios onde estão militares portugueses nas ex-colónias) é "por termos ouvido dizer". Antigamente também era assim (toda a mitologia nasce de uma narrativa de alguém que conta um conto e acrescenta um ponto).

Os media estabelecem a priori onde vão concentrar a atenção do público, o que pode levar um governo ou um gabinete de imprensa afecta ao governo a gerar factos novos que distraem a atenção dos diferentes públicos enquanto leis impopulares passam praticamente despercebidas. Um líder político pode fazer de manhã uma declaração bombástica que leva a reacções monumentais inesperadas, à noite dá parcialmente o dito por não dito, e no dia seguinte repõe uma parte da verdade, introduz elementos clarificadores e apresenta-se como vítima de interpretações soezes. Qualquer estudioso de comunicação conhece o elementar destas técnicas de manipulação.

Segundo, os blogues não têm nada a ver com esta realidade. Constituem o acesso mais simples e natural em que se oferece a um auditório uma partilha de opiniões e conhecimentos. Nenhum de nós sabe o material que vai encontrar no [nosso] blogue cuja coordenação cabe à abelha-mestra (neste caso, o Luís). Mandamos um documento, filmes, som, entrevistas (ou podemos mandar), o maestro põe a orquestra a funcionar, e quase em tempo real iremos funcionar como um anfiteatro onde se pode conversar segundo as regras que a comunidade (a tertúlia) decretou. Ao contrário do negócio dos media, por detrás de cada blogue está um indivíduo e o seu ponto de vista específico sobre o mundo.

Quando fui entrevistado sobre a decisão do actual governo em liberalizar os locais de venda dos medicamentos não prescritos, no dia seguinte fui massacrado e elogiado em vários blogues. É essa a missão da blogosfera: cada um publica a sua opinião sob a forma de breve comentário, artigo ou mesmo ensaio. Lançado no digital, os outros bloguistas fazem acrescentos, comentam ou fazem links ou mandam mails. É um mecanismo espontâneo em que uns filtram os conteúdos, outros produzem material novo de acordo com o sistema de leitura.

Terceiro, o sistema bloguista é muito rico, pela generosidade que instala, pelo turbilhão de contactos que fomenta, pela abertura às regras de conversação e por ninguém mandar em ninguém. Eu um dia fui contactado pelo Luís, aderi à envolvência e a certa altura acordei comigo próprio em fazer família nesta sala de conversa em que conheço alguns e desconheço muitos, o que não tem importância nenhuma, pois temos estórias para contar e neste caso a História somos nós.

Atenção que a blogosfera não é inofensiva, como os acontecimentos do 11 de Março em Espanha o demonstraram. O bloguista conhece as potencialidades da Rede e as suas conexões: sms, chats, sistema de mensagens, blogues e os demais instrumentos de comunicação que nos conectam. Então não é verdade que um senhor em França garante que Osuma Bin Laden está morto porque viu em blogues que lhe merecem confiança? Este ponto remete-nos para a questão do capital cultural e a especialização a que chegou o blogue.

Imaginem vocês que ando à procura de uma edição do Monte dos Vendavais de Emily Brontë, com prefácio de Albert Camus, edição da Portugália, início dos anos 60. Este livro faz-me presentemente falta para outra conversa que estabeleço no blogue (Operação Macaréu à Vista). Pois pode acontecer que outro bloguista generoso lance o apelo através de links ou mails e a certa altura me escreva e me diz assim: "Eh pá, não estejas num sufoco, tenho aqui o livro para te emprestar" (oxalá que isso acontecesse...).

Somos uma comunidade cognitiva mas também emotiva e confiamos que a nossa opinião precisa de ser efectivamente pública. No blogue, o que dizemos diz respeito a toda a colectividade, somos cúmplices na memória e na revisitação da nossa camaradagem. Mesmo que não escrevamos para o blogue, estamos dentro da atmosfera daquela sala e podemos dar o nosso palpite. Eu que perdi todos os meus papéis até Março de 1969, lembrei-me da história do Fernandes que apareceu em Missirá e logo a seguir um camarada de Mansoa, [o Aires Fernandes,] confirmou que o Fernandes [, o Atleta], está vivo e recomenda-se. A alegria que eu senti, pertence ao blogue.

Quarto, os blogues tendem para a perícia. Neste, por exemplo, a atmosfera é a Guiné, ontem, hoje e seguramente amanhã. Quem quiser estudar a história da Guiné pode contar connosco. Somos umas abelhas que trabalhamos com a abelha-mestra. Agimos por conta própria e se alguém nos pedir auxílio (localização de um militar, de material escrito, de um depoimento...) pode seguramente contar connosco. A tertúlia é descentralizada, no futuro podemos ser centenas de milhares que não saímos das regras acordadas: a questão central é a Guiné. Da Guiné já ninguém nos pode tirar.

Quinto, a blogosfera não é informação mas pode gerar informação. A partir do momento em que o bloguista é sujeito e discursa na praça pública onde gera alfabetização digital, a sua narrativa e os elementos que depõe podem ser, ou não, utilizados como jornalismo. Mas jornalismo e blogue são duas coisas distintas. Um jornal tem editor, fontes oficiais, reuniões diárias do corpo redactorial, é matutino, vespertino, hebdomadário. No blogue não é assim: eu não mando mas falo sempre por mim, sou eu a própria fonte de opinião e estou sempre motivado pela satisfação pessoal.
A mediaesfera (televisão, rádio, imprensa escrita...) pauta-se por regras de eficiência e age de acordo com os interesses económicos, a palavra remuneração tem o poder de uma alavanca. Nós aqui no blogue só recebemos a gratificação de nos sentarmos no anfiteatro e darmos os bons dias ou as boas noites. Somos indivíduos e não uma organização que deliberadamente vai mexer com a informação. Por isso, como diz Giuseppe Granieri, o blogue é uma nova aventura para o jornalismo.

Sexto, somos uma nova forma de participação popular, estamos juntos sem necessitar de exibir o nosso bilhete de identidade cultural: aqui não manda ninguém, chegámos por afecto, e se perdermos a transparência acontece-nos a pior das punições, que é o descrédito de ninguém nos prestar atenção. Como não se pode prever o futuro, é inútil fazermos prognósticos sobre o nosso lugar na Internet. Mas há depoimentos animadores. Ségolène Royal, que talvez venha a ser eleita Presidenta da República Francesa, escreveu um dia: "Levei toda a campanha eleitorial a fazer fóruns. Quando falamos com as pessoas, ao fim do dia estamos cansados mas cheio de ideias. Se continuamos a fazer política só entre nós, nunca chegaremos a nada". O nós também somos nós. De uma coisa estou certo: se os blogues evoluírem, nós, os camaradas da Guiné, assentaremos acampamento numa outra esfera digital. Tenho dito.

Obrigado, malta, pela atenção dispensada.

Mário Beja Santos

(ex-alf mil, cmdt do Pel Cacç Nat 52, Mansambo e Bambadinca, 1968/70,
assessor principal do Instituto do Consumidor).
____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. blogue de Giuseppe Granieri: http://www.bookcafe.net/blog/

Blog Notes, weblog de Giuseppe Granieri (em italiano)

Vd. também entrevista a este guru da blogosfera:

La Rivoluzione dei Weblog: intervista a Giuseppe Granieri (em italiano

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