sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > Pel Caç Nat 53 (1970/72) > Depois da sua primeira saída para o mato, em Novembro de 1970, o Alf Mil Santiago aprendeu, intuitivamente, o significado etimológico da palavra líder, "aquele que vai à frente mostrando o caminho". Nesta ffoto, tirada posteriormente (talvez já em 1971) , vê-lo na estância balnear do Saltinho, "preparado para o banho com o Morna, soldado balanta".


Foto: © Paulo Santiago (2006) . Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


Texto do Paulo Santiago, enviado em 26 de Setembro de 2006.

Luís: Continuo hoje a lembrar as vivências no Saltinho quando estava adido à CCAÇ 2701.
Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72) (1)

Estamos emNovembro de 1970. A minha primeira saída do quartel com o Pel Caç Nat 53 foi numa coluna, na sexta-feira, após a minha chegada, ao Xitole, para levar o Alf Mil Mota, meu
antecessor no 53, que ia apanhar a avioneta para Bissau. Estas idas ao Xitole eram praticamente semanais, só não o eram, quando era a malta do Xitole a ir ao Saltinho.

Também nestes primeiros dias de Novembro foi um heli ao Saltinho, buscar,por ordem do Com-Chefe, o canhão s/r 82-B10. Voltaram a entregá-lo em Dezembro. Tinha ido na invasão de Conacri (2), soubemos à posteriori.

Em meados de Novembro, o Alf Mil Julião, na altura a comandar a companhia [,a CCAÇ 2701,] na ausência do Cap Clemente, em férias, chamou-me ao gabinete para me informar de um
patrulhamento que teria de fazer no dia seguinte. Sairia do quartel às 05.00 em coluna auto até Cansonco, donde seguiria a pé, ladeando o rio Pulom, até encontrar o carreiro dos
djilas continuando para Madina Buco. Não deveria ter problemas, era mais para me ambientar ao mato, informou-me.

Antes da saída às cinco horas foi a confusão,seria habitual, com a distribuição das rações. Eram os islamizados, em maioria, a quererem trocar as latas com carne de porco por outras com carne de vaca. Como não o conseguiam dentro do grupo, chateavam o vagomestre. O Fur Mil Duarte, mais antigo, lá orientou as trocas. Eu estava debaixo duma enorme tensão, não tinha dormido nada, imaginando os piores cenários, conhecia ainda muito mal os meus homens, não conseguindo chamá-los pelo nome. Estava com o buraquinho muito apertado.

Chegámos a Cansonco, onde estava destacado, naquela data, o 1º Pelotão da 2701, comandado pelo Fur Mil Josué, visto o Alf Julião estar no comando da companhia. Preparámo-nos para iniciar o patrulhamento. Sentia-me cada vez mais tenso. Começámos a andar com a secção do Duarte à frente, metendo-me eu aí no oitavo ou nono lugar da bicha de pirilau.

A mata impunha-me receio e, confesso, o meu comando naquele dia era incipiente, tinha quinze dias de Pel Caç Nat 53, era um periquito muito imaturo.

Tudo ía correndo sem incidentes, mas sentia-me cansado, a arma e os carregadores pesavam imenso, o calor e a humidade sufocavam. Fizemos um alto para descansar e comer um pouco da ração. Reiniciámos o patrulhamento e, passado pouco tempo, apanho um grande susto. Parece-me que todos os militares à minha retaguarda embalam a correr, ao mesmo tempo gritam nhac nhac nhac nhac. Corro também, procurando que alguém me diga o que se passa. Ninguém me responde. Sei de imediato o que está a acontecer, quando sinto o zumbido de abelhas junto aos ouvidos. Corremos mais uns metros e paramos. Estou estoirado. Continuamos a patrulha, com o pessoal a andar cada vez mais rápido.

Estão a experimentar-me. Chegamos ao fim da tarde a Madina Buco. Estou todo roto.

Aprendi a lição. A partir daquele dia ía sempre em segundo lugar e houve logo vários soldados que disputavam o terceiro e primeiro lugares. Intitulavam-se os meus guarda-costas.

Se não tivesse tomado a decisão de andar sempre na frente (3), nunca mais teria tido mão no Pel Nat Caç 53

Paulo Santiago

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado


(...) "A CCAÇ 2701, a que estava adido o Pel Caç Nat 53, era comandada pelo Cap Carlos Clemente, sendo comandantes de pelotão os Alferes Mil Julião, Mota, Rocha e Valentim. Havia outro Alf Mil Mota, o comandante do 53, que iria ser substituído por mim, o qual permaneceu no Saltinho unicamente mais três dias, após a minha chegada, tendo tido muito pouco tempo para o conhecer.

"Os meus Furriéis Milicianos eram o Duarte, o Martins e o Malveiro, este substituído passados dois meses pelo Almeida. O grupo de que eu iria assumir o comando era, etnicamente, bastante heterógeneo: havia fulas, balantas, mandingas e beafadas.

"Fui bem recebido, principalmente pelo camarada que ía substituir.

"O Cap Carneiro [, em Bissau,] tinha-me enganado. Não havia quaisquer fragas que servissem de base de fogo aos canhões s/r do IN" (...).

(2) Sobre a invasão de Conacri (op Mar Verde, 22 de Novembro de 1970), vd. entre outros os seguintes posts:

11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri)

4 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXVII: Antologia (12): Op Mar Verde

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXII: Onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970 ? (João Tunes)

9 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1088: Pensamento do dia (7): Capitão do Exército Português: 'O filho da p... do Tenente traiu-me miseravelmente' (João Tunes)

(3) A palavra líder, que vem do inglês, e cuja etimologia remonta por sua vez ao saxónico antigo, quer "aquele que vai à frente mostrando o caminho".

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