sábado, 15 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P961: No dia em que fui ferido pelos homens de Pansau Na Ina (João Parreira, Gr Cmds Fantasmas, Catungo, Maio de 1965)

Lisboa > Terreiro do Paço > 10 de Junho de 1965 > O Almirante Américo Tomás a condecorar o Ten Saraiva, comandante do Grupo de Comandos Fantasmas, com a Medalha de Valor Militar com Palma.

Guiné > Brá > 1965 > Guião do Grupo de Comandos Fantasmas.



Guiné > 1965 > Tita Sambo (Camjambari) > O Grupo Fantasmas. Final da operação Ebro, em 26 de Março. Para completar os intervenientes da Ciao, falta apenas a presença
do Cap Nuno Rubim que acompanhou o Grupo. Em pé: Cmdt Grupo Ten Saraiva, 5º da esq. e eu o 9º. O Fur Mil Morais está em frente do Saraiva e o Soldado Amadú à minha frente
(JP)


Guiné > Bissau > 1965 > Foto tirada no dia 11 de Junho, em frente ao Hotel Portugal, e por várias razões: Era o dia dos meus anos; fui a Bissau buscar o 2º Sgt. José Cabedo e Lencastre que vinha para o Centro de Instrução de Comandos; foi um dia depois da condecoração e promoção do Saraiva; os sapatos de pala castanhos que calçava atravessaram algumas bolanhas; de tarde saímos para instrução e à noite fui ai cinema UDIB ver o filme “Noites de Casablanca”, com a Sara Montiel (JP)

Texto e fotos: © João Parreira (2006) (ex-Furriel Miliciano Comando, Brá, 1964/66) (1)

Julgo que vale a pena deixar escrito alguns eventos, durante o período de 6 de Maio a 11 de Junho 1965, alguns deles relacionados com a operação Ciao na mata de Catungo, em Maio de 1965.

Na carreira de tiro dos paraquedistas, alguns dias antes tinha perdido uma aposta com o Morais, pelo que me competia em qualquer altura pagar-lhe um almoço no Grande Hotel.

Como alvo, daquela vez, foram escolhidas 3 garrafas distanciadas umas das outras (também havia quem preferisse latas e até granadas). A aposta consistia em, virados de costas para cada uma delas, e por 3 vezes consecutivas, dar um salto, enfrentá-las e, instintivamente com a
G-3 em patilha automática, dar apenas uma rajada de 3 tiros e, por sequência, acertar nas que ainda se encontrassem intactas.

Como não me foi dito que havia saída para o mato nesse dia, resolvi então convidá-lo para ir almoçar uma vez que faltavam poucos dias para ele regressar à Metróple.

Depois do almoço num ambiente calmo e agradável encontravámo-nos a beber whisky, a observar o que nos rodeava e a falar de coisas triviais, quando vimos o Tenente Saraiva dirigir-se para nós pelo que pensámos que se ia sentar connosco.

Desde o meu primeiro dia que senti que iria ter boas relações com o Ten Saraiva e assim aconteceu quer em Brá quer nas nossas deambulações por Bissau ou em operações. No mato admirava o seu empenhamento, a sua descontração e o seu à-vontade.


Guiné > Brá > O 1º Guião dos comandos em 1965 cujo lema, retirado da Eneida, de Virgílio, é Audaces Fortuna Juvat (2)
Afinal tinha acabado de chegar do Gabinete do Governador e Comandante-Chefe, onde tinha ido receber informações sobre uma operação e sabendo por alguém que me encontrava com o Morais no Grande Hotel, foi ter connosco e disse-me para regressar a Brá o mais depressa possível a fim de me equipar para dentro de poucas horas partir para uma operação no Sul da Província, tendo o Morais, que já tinha acabado a comissão de serviço, dito que também ia.

Então, foi-nos comunicado nessa altura que, dado o pouco tempo disponível, nos daria pormenores durante o trajecto.

Já em Brá vários camaradas dos outros dois grupos, ao saberem que o nosso grupo ía sair, insistiram com o Morais para não ir mas ele foi peremptório e disse:
- Já fiz tantas operações com o grupo que uma a mais não me faz qualquer diferença.

Progredindo silenciosamente por aqueles trilhos do mato naquela noite, escura como breu, em que à distância de um braço já não se via o camarada da frente, G-3 na mão e dedo no gatilho, 4 carregadores à cintura e nenhuma granada... (Aqui abro um parêntesis, para confessar que fiquei com uma certa aversão ao lançamento de granadas, que aliás todos nós as sabemos lançar, alguns porém só em teoria, desde que durante um tiroteio, numa das operação da CART 730 em que, para não largar a arma, resolvi utilizar só uma mão, pegando assim na granada com a mão esquerda e, sem pensar, uma vez que quer em treinos no CIOE, quer num dos combates já as tinha utilizado, daquela vez não sei o que é que me passou pela cabeça, o certo é que tentei imitar, talvez em desespero, o que via fazer em filmes de guerra, pelo que tentei puxar a argola com os dentes e o resultado foi óbvio, não só não consegui como fiquei com a ponta de um dente partido, tendo depois, como é natural, achado prudente ficar caladinho).


Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > O João Parreira, antes de ingressar nos comandos, era furriel miliciano da CART 730... Ei-lo aqui com o Furriel enfermeiro Zaupa da Silva junto à tabuleta Olossato-Farim. Distâncias: Olossato: 11 km; Farim: 43 km.

Continuando a progressão, e com todos os sentidos em alerta para aquela operação que se afigurava espinhosa e tentando não perder o camarada da frente, dois pensamentos iam-me constantemente martelando a cabeça:
- o que é que eu ando para aqui a fazer no meio do mato nesta noite tão escura, sujeito a perder-me, levar com um balázio que me pode deixar incapacitado para toda a vida ou matar-me, quando ainda não há muito tempo me encontrava bem instalado e livre de perigo ?

E o outro:
- Anda para aqui um gajo a dar o corpo ao manifesto enquanto muita malta nova na Metrópole anda neste momento a divertir-se em bares e em boites, e outros mais expeditos piraram-se do país, quando...

Já estávamos tão perto do acampamento que quase de repente esbarrámos com um sentinela que foi mais lesto a detectar-nos, pelo que começou a fazer fogo, seguindo-se logo fogo cerrado dos seus camaradas.

Reagimos ao fogo até conseguirmos calar as armas do IN tendo depois entrado no acampamento que, segundo as informações que nos tinham sido dadas, era ocupado por cerca de 80 homens comandados por Pansau Na Ina.

Excitados com o êxito do golpe de mão em que não sofremos feridos e em que foram causadas baixas que não foi possível estimar, depois da debandada e a subsquente destruição do acampamento, seguimos carregados com todo o material abandonado pelo IN para junto de 1 Pelotão que nos aguardava a alguns quilóemtros de distância.

Ao alvorecer foi possível olharmos com mais atenção para esse material, que a seguir descrevo:

Pist Met PPSH >3 ;
Carregadores p/ Met PPSH > 10;
Bolsas lona p/ carregadores PPSH > 8;
Espingarda semiautomática M-52 > 1;
Esp Mosin-Nagant > 1;
Pistola CESKA > 2;
Carregador p/Pist. Ceska > 1;
Aparelho pontaria p/Mort. 60 > 1;
Granada Mort. 60 > 4 ;
Capas lona p/Mort. > 3;
Mina A/P PMD-7 > 3;
Granada de mão defensiva DEF F-1 > 7;
Granada de mão ofebsiva RG-4 > 4;
Cunhetos p/Gr Mão Of RG-4 > 1;
Sabre p/esp. Mauser > 1;
Carr. p/ ML RPD > 4;
Carr. p/PM 25 > 2;
Cunhetos metálicos p/mun. > 2;
Lâminas carregadores p/esp. Simonov > 23;
Estojo limpeza p/esp. Simonov > 1;
Cartuchos cal. 7,62 > 1.262;
Cartuchos cal. 7,65 > 39;
Cartuchos cal. 7,9 > 773;
Cartucheiras diversas > 13;
Detonadores pirotécnicos > 27;
Disparadores para minas > 11;
Disparadores tipo MUV > 10;
Petardos > 4;
Cordão neutro > 4 mts.;
Bornais lona > 15;
Suspensórios lona > 23;
Bolsas lona p/carr. Degtyarev > 3;
Bolsas lona p/acessórios > 3;
Almotolias > 3;
Capecetes aço > 1;
Calças caqui > 8;
Camisas caqui > 7

Outro material: Vários livros e documentos. Material sanitário diverso: pensos individuais; ligaduras; algodão; comprimidos de sulfamidas; embalagens de penicilina; frascos de Sanergina; pinças; tesouras; tesouras de laquear; seringas; agulhas para injecções e ligaduras elásticas.

Pela razão já anteriormente descrita, foi dito ao Morais e ao Amadú para, a título voluntário, regressarem ao acampamento juntamente com outros que os quizessem acompanhar.

Andávamos descontraídos dentro do acampamento à procura de mais material, tendo por isso substimado a estratégia do IN, pelo que passado não muito tempo fomos todos nós (eramos 10) repentinamente atingidos por aquela bem orientada e por isso maldita granada de LGFog, ao que se seguiram durante algum tempo rajadas de várias armas.

(Em suma: O grupo que devido às circunstâncias foi muito sacrificado, era composto no início por 30 homens. Em 28 de Novembro de 1964 uma explosão no regresso de uma operação causou 8 mortos e 2 feridos que foram evacuados para o HMP, em Lisboa. Tendo sido interveniente em mais operações, só no início de Fevereiro de 1965 foi recompletado com um Furriel (!!!). Em 20 de Abril de 1965, na região do Inscassol ficámos 4 feridos com estilhaços de granada.)

Não sei como, mas o certo é que apesar de feridos em Catungo ripostámos e aguentámo-nos como pudémos até que com alívio vimos a chegada dos restantes elementos do Grupo que, ouvindo o tiroteio e pensando que estávamos em apuros, foram em nosso socorro e assim afastaram o perigo.

Depois de se certificarem que o IN tinha desaparecido ajudaram-nos a chegar até junto do Pelotão que nos aguardava, onde foram então feitos tratamentos sumários aos feridos, tendo o Grupo regressado a Cacine e daí para Bissau, com excepção de dois que de Cacine foram directamente de heli para o Hospital (3).

No Hospital durante uma visita da D. Beatriz Sá Carneiro, ela perguntou-me o que é que eu precisava e lembrei-me então de lhe pedir um Monopólio para a caserna dos nossos praças, tendo ela satisfeito o solicitado.

Por ironia do destino, em 22 do mesmo mês de Maio o Ten Maurício Saraiva, deslocou-se a Lisboa a fim de no dia 10 de Junho, no Terreiro do Paço, ser promovido a Capitão por distinção e condecorado com a Medalha de Valor Militar com Palma.

No dia em que o Ten Saraiva estava a ser agraciado fomos para terrenos perto da Base Aérea fazer treinos de saltos de helicópteros e um dos instruendos que ia no meu atrapalhou-se de tal maneira que ao saltar bateu com toda a força com a G-3 num dos vidros que o partiu.

Passados vários meses, o Alf Rainha (4) para se vingar dos danos infligidos aos seus camaradas do Grupo extinto, foi, estòicamente, com o seu recém-formado grupo Centuriões, no qual tinham sido integrados dois ou três dos feridos da Op Ciao atacar o mesmo acampamento.

No jornal Os Centuriões, oferecido em 21 de Agosto de 1965 pela Centuria em Brá
ao Centro de Instrução de Comandos cuja abertura foi dedicada aos velhos Fantasmas pode ler-se.

"Nós os Centuriões, sucessores dos famosos Fantasmas, dedicamos-lhes este terceiro número do jornal como prova de admiração pelos seus feitos e faremos o possível para os igualar e superar se a isso, como diz Camões, “não nos faltar engenho e arte” (ser comando é uma arte).

"Queremos aqui deixar também a nossa homenagem aos nobres soldados de Os Fantasmas, caídos no campo da luta em defesa do torrão Pátria e garantir aos vivos que faremos todo o possível para vingar as suas mortes" (...)


E a seguir, do Jornal dos Comandos do Grupo Fantasmas no Asilo em Brá, de 19 de Outubro de 1964:

HERÓIS DA NOSSA HISTÓRIA

Relato da estória passada com o 2º. Cabo indígena BARO BALDÉ em 1935-1936 nas operações militares que se realizavam nessa altura nos Bijagós:
Nas operações militares de Canhabaque (Guiné) em 1935-1936, foi louvado pelo Governador, Major CARVALHO VIEGAS, que as dirigiu, o 2º cabo africano BARO BALDÉ, do Corpo de Polícia, “pela forma disciplinada e corajosa como se portou durante as operações, principalmente no combate de Inhoda, onde, vendo cair ferido, inanimado, o 1º. Cabo europeu FARIA VENTURA, cobriu-o com o seu corpo, tomando conta da metralhadora que este manejava, e não deixando o inimigo aproximar-se, quando tentou apoderar-se do referido cabo europeu para o levar como troféu, segundo o costume gentílico”.
A Cruz de Guerra, cuja concessão o mesmo Governador propôs para BARO BALDÉ, teria assentado bem no peito deste bravo e dedicado Soldado da Guiné, cujas virtudes militares fariam inveja a muitos soldados europeus.
____________

Nota de L.G.

(1) Vd. posts anteriores do autor (ou a ele referentes):

3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros

6 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLI: O 'puto' Parreira, do grupo de comandos Apaches (1965/66)

13 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXIII: O baile dos finalistas do Liceu de Bissau de 1965 (João Parreira)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXI: Comandos: a equipa dos Fantasmas (1964)

20 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLIII: Com a CART 730 em Bissorã e Olossato (1965) (João Parreira)

06 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: O Justo foi fuzilado (Leopoldo Amado / João Parreira)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)

12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P868: Diabruras dos comandos (João Parreira)

13 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P872: A minitertúlia do 10 de Junho de 2006

19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)

30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P929: Felizmente falharam os tiros no heli (João Parreira)
(2) Expressão latina que quer dizer: A sorte (fortuna) protege (juvat) os audazes (audaces)

(3) Vd também o blogue do nosso camarada Virgínio Briote > Tantas Vidas > post de 18 de Fevereiro de 2006 > Nino ? Sentido > 14. Capitão Manilha

(4) O Rainha já uma vez nos contactou mas agora reparo que o seu nome não consta na lista dos membros da nossa tertúlia... Reproduzo aqui o post de 4 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXVII: Com imensas saudades daquela terra maravilhosa (Luis Rainha)

1. Recebi um e-mail de mais outro camarada dos velhos comandos de 1964/66: trata-se do Luis Manuel Nobreza D'Almeida Rainha, hoje com sessenta e quatro anos:"Serve esta para vos dar a conhecer um ex-comando da Guiné e que foi comandante do Grupo de Comandos Centuriões. Fui camarada de Virginio Briote que já é vosso conhecido. Tenho imensas saudades daquela Terra maravilhosa onde passei bons e maus momentos, mas nos quais sobressaem os bons.

"A minha presença naquelas paragens foi um amealhar de recordações, e hoje tenho uma saudade enorme dos meus antigos Camaradas (...).

"A minha actual direcção vai aqui:

Luís Rainha
3ª Travessa da Rua Quinta do Grou, 4 - r/c Esq. Casal da ROBALA
3080-398 FIGUEIRA DA FOZ

2. Comentário do Virgínio Briote:O Luís Rainha foi o comandante dos "Centuriões", um grupo que deu que fazer ao Pansau Na Ina, um dos adjuntos do Nino. Um dia, ou uma madrugada não sei, entrou-lhe tão sorrateiro no acampamento que teve tempo de apanhar o boné que o Pansau tinha trazido de Pequim. E a pistola também, uma bela arma, nacarada, que, pelo que sei, muitos anos depois lhe veio a trazer problemas. Nem a cruz de guerra o salvou!

Um abraço,
vb

Comentário de L.G.:

Virgínio e João:
Não conseguem trazer o Raínho à nossa tertúlia para ele nos contar esta estória do boné do Pansau Na Ina que deve ser de antologia ? E, já agora, também a estória dos dissabadores que a pistola do famoso guerrilheiro lhe trouxe, mais tarde, em Portugal...

sexta-feira, 14 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P960: Antologia (49): Oficialmente morreram 17 cubanos durante a guerra

Luís:

Segundo este artigo que anexo, e pelas afirmações de Filipe Perez Roque - Ministro das Relações Exteriores de Cuba, de visita a Cabo Verde, morreram 17 cubanos na Luta pela Independência da Guiné e Cabo Verde.

Saúde
Jorge Santos



Cuba manifesta desejo de intensificar cooperação com Cabo Verde
(26-06-2006)

Autor: Isabel C. Bordalo

Fonte: Inforpress, agência noticiosa de Cabo Verde

[Cabo Verde], Praia, 26 de Junho de 2006 (Inforpress)

O ministro das Relações Exteriores de Cuba, Filipe Pérez Roque, defendeu, hoje, o aprofundar das relações de cooperação entre Cabo Verde e o seu país, nas áreas já acordadas e de “acordo com as prioridades estabelecidas pelo governo cabo-verdiano”, após uma reunião de trabalho com o seu homólogo, Victor Borges.

Referindo-se às relações bilaterais, a nível político, diplomático e de cooperação, como sendo "exemplares" e gozando de uma "saúde excelente", Filipe Pérez Roque, lembrou a colaboração existente, nos domínios da saúde e educação, e também na agricultura, uma área que deverá ser retomada, no quadro dos programas de cooperação da FAO.

“A cooperação entre os dois países é histórica” e baseada num diálogo respeitoso e em ampla coincidência sobre muitos temas da agenda internacional”, afirmou o ministro cubano recordando que “mais de 600 jovens cabo-verdianos” foram formados em Cuba, encontrando-se actualmente mais de 60, nas universidades cubanas, e estudar para regressarem e incorporarem-se no “desenvolvimento da sua pátria”.

Nas áreas da saúde e educação, Filipe Pérez Roque lembrou que se encontram “40 médicos e especialistas” cubanos em Cabo Verde, bem como vários professores universitários e de ensino técnico profissional. 

O ministro das Relações Exteriores fez ainda questão de evocar os “17 cubanos que caíram combatendo pela independência da Guiné e Cabo Verde”, para recordar que Cuba sempre “se bateu pela independência dos povos africanos”.

Também o ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Comunidades de Cabo Verde, Victor Borges, se referiu as boas relações “políticas e diplomáticas” que os dois países têm mantido, sobretudo na área da qualificação dos quadros cabo-verdianos que “foram formados em Cuba e regressaram para participar activamente no desenvolvimento” do arquipélago.

Esta cooperação assume, segundo Victor Borges, “importância acrescida quando mais de três dezenas de médicos cubanos contribuem de forma significativa, com assistência técnica, para a melhoria do sistema de saúde cabo-verdiano”. A cooperação tem sido “igualmente profícua”, nos domínios da educação e formação, destacando-se aqui o “envio de especialistas para o ensino técnico e a concessão de bolsas de estudo”, como refere o Ministério dos Negócios Estrangeiros acrescentando que se encontram actualmente em Cuba 147 estudantes cabo-verdianos.

Guiné 63/74 - P959: O exemplo do Dr. Domingo Diaz (Zé Teixeira)


Guiné > Região do Cacheu > Ingoré (junto à fronteira com o Senegal) > CCAÇ 2381 > 1968 > O 1º cabo Teixeira, ainda no início da sua comissão, com duas crianças vestidas com a farda da Mocidade Portuguesa. "Eu, que tanto pensei em fugir, para não participar nesta guerra que conscientemente não queria e que, se não o fiz, foi por causa do sentido de patriotismo que cresceu em mim deste o banco da escola, - éramos um grandioso império que urgia defender de inimigos ambiciosos"....

Foto: © José Teixeira (2006)

Texto do José Teixeira, ex- 1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70.
Que motivação a do Domingo Diaz! (1)...
O texto/testemunho do médico cubano Domingo Diaz deu-me que pensar. Como é que um médico especialista, chefe de serviços de cirurgia algures em Cuba - que, apesar de se tratar de um cubano em Cuba, em plena revolução castrista, devia estar com a vida minimamente estabilizada -, [como é que um médico se mete numa coisa destas ?]

Lá como cá e em todo o mundo, um médico é um médico. Eu, sendo apenas um aprendiz de enfermeiro senti bem pela positiva quanto vale ter-se no mínimo um título de enfermeiro, para ser tratado com todo o cuidado, carinho e respeito, tanto pelos colegas e pelos superiores (militares) como pela população. Era o possível (embora pobre) salva-vidas de cada um deles.

Dispõe-se um homem destes a oferecer-se como voluntário, para entrar numa guerra, num país de pessoas, hábitos e culturas estranhas em que o clima era extremamente agressivo. Logo do lado do mais fraco em termos de logística, conhecimentos técnico/tácticos e de material de guerra, falta de apoio de rectaguarda, nas mais diversas áreas como: a alimentação, a segurança, a assistência medicamentosa e hospitalar (Equipamento mínimo exigível, a sanidade, enfermarias, hospitais, etc.).

Não é que nós tivéssemos muita coisa, mas creio que sempre tínhamos algo mais.
Com certeza tinha consciência de que se fosse apanhado pelo Tuga, dificilmente escaparia com vida e podia inclusive criar um conflito diplomático ao seu país, embora o Fidel se estivesse nas tintas para tal coisa.

Sabia, naturalmente, pela experiência vivida pelo povo cubano na Sierra Maestra, na luta encabeçada pelo Fidel Castro para libertar Cuba do ditador Fulgêncio Baptista e da influência nefasta dos americanos, que a força de um povo é tremenda, quando se trata de conquistar a liberdade. Não há barreiras ou limites inultrapassáveis- antes a morte.

Os resultados finais, projectados no tempo, é que poderão não ser os que alimentam o sonho que fez mover tão grandiosa e heróica máquina. Que pena, tantas vidas perdidas!

Teria consciência que apesar das diferenças, em termos de capacidades de luta, estas eram facilmente ultrapassadas pelos nacionalistas, graças ao conhecimento no terreno, pela capacidade de resistência natural às agruras do clima, pelas traições dos autóctenes que se encontravam do outro lado da barreira e sobretudo pela vontade, coragem e força anímica que fazia mover o povo da Guiné.

Mas que coragem! "Que força é essa que te faz estar de mal contigo e de bem com os outros!"...

Pelo texto, ficou claro, para mim, que se ofereceu e partiu como voluntário. A figura épica e espírito internacionalista do médico e guerrilheiro, lutador pelas liberdades, Che Guevara, marcara-o profundamente, ao ponto de deixar tudo e partir para a luta.

O testemunho fala por ele próprio quanto às barreiras, dificuldades e sofrimento que passou para entrar na Guiné, integrar-se e caminhar pelo seu interior, estranho agressivo, sem bases de apoio. Foge aqui, esconde acolá, acode além a um ferido, alimentando-se do que havia, quando havia, matando a sede com a água a que o seu organismo não estava habituado e sem reservas para combater as bactérias ingeridas.

Permite-nos também, a nós, perceber um pouco melhor as dificuldades e barreiras que os nacionalistas da Guiné, os turras tinham de ultrapassar para chegarem até nós, nas emboscadas e ataques aos aquartelamentos. Não tinham vida fácil, apesar de estarem como peixes na água, na sua terra.

Pensando nos missionários, sobretudo os católicos que ainda hoje partem para lugares inóspitos e estranhos, e aos quais o mundo tanto deve, salvaguardando as excepções em que, manipulados pelos sistemas (num passado recente), serviam mais esses sistemas do que o espírito de missão que os animava à partida... Esses, os missionários, têm sempre em vista a salvação da sua alma para um dia chegarem ao céu. Há algo de místico, sobrenatural por trás que os faz movimentar-se; a salvação eterna de si próprio e das pessoas com quem vão contactar e promover sócio e culturalmente. O risco de vida, embora real, é reduzido, pelo menos na actualidade. Mas... partir voluntário para uma guerra nestas condições !

Eu, que tanto pensei em fugir, para não participar nesta guerra que conscientemente não queria e que, se não o fiz, foi por causa do sentido de patriotismo que cresceu em mim deste o banco da escola, - éramos um grandioso império que urgia defender de inimigos ambiciosos.... Eu não o fiz pelo receio de ser apanhado na fuga, preso e tornado voluntário à força para os sítios mais agrestes da guerra, o medo do desconhecido na fuga ao assalto para França...

Aceitei, enfim, o desafio de caminhar pacificamente como o carneiro para o matadouro, pondo a mim próprio a condição de não dar um tiro. Esta ideia tomou força em mim, quando tive a sorte de ser escolhido para ser enfermeiro militar.

O Dr. Diaz apresenta-nos um testemunho rico em todas as dimensões. Confesso que na altura chamar-lhe-ia terrorista como ao Pedro Peralta, mas hoje com a cura que o tempo me facultou, foi um homem corajoso.

O Blogue e seu maestro estão de parabéns.

Creio que seriam de grande interesse continuar a explorar esta oportunidade de conhecermos o lado de lá com o apoio de alguém independente, isto é, alguém que apenas queria ajudar na luta pela emancipação de um povo, sem interesses pessoais e apenas motivado pela solidariedade internacional.

Assim se faz história.

Zé Teixeira
__________

Nota de L.G.

(1) Vd. posts de 11 de Junho de 2006:

Guiné 63/74 - P950: Antologia (46): Depoimento de médico cubano na guerrilha do PAIGC (1966/67)

Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez (Domingo Diaz, 1966/67)

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P958: 'Gajos das tropas africanas eram doidos' (Joaquim Mexia Alves, CART 3492, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15)


Guiné > Zona Leste >Sector L1 > Estrada Xime-Bambadinca > 1970 > Coluna auto da CCAÇ 12 nas proximidades da tabanca fula, em autodefesa, de Amedalai, a seguir à temível Ponta Coli.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Xime-Bambadinca > O 1º Capitão da CCAÇ 12 (1969/71), o Capitão Brito (hoje, coronel na reforma). Em 1972 comandava a CCAÇ 12 o Capitão Bordalo, aqui referido pelo nosso camarada, novo membro da nossa tertúlia, Joaquim Alves Mexia, ex-alferes miliciano de operações especiais que passou por aqui, quando esteve na CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), e depois no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Undunduma, Mato Cão) (1971/73)...

Fotos do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

© Humberto Reis (2006).

Caro Luis Graça:

Obrigado pelas fotografias e pelo relato do episódio (1).

Como a memória às vezes nos atraiçoa, aqui vai uma correcção ao meu primeiro mail, onde te dizia onde tinha estado na Guiné:

(i) CART 3492 (e não CART 3494, que esteve no Xime): Xitole e Ponte dos Fulas (1);

(ii) Pel Caç Nat 52 (Os Gaviões): Ponte do Rio Undunduma e Mato Cão

(iii) CCAÇ 15 (Taque Tchife): Mansoa e sua zona.

Quando estava no Pel Caç Nat 52, junto a Bambadinca, tinha uma forte ligação à CCAÇ 12, não só operacional mas de amizade com todos eles, especialmente o Capitão Bordalo e os seus Alferes, de que infelizmente neste momento não me lembro do nome de nenhum.

Para além das operações e outras actividades que iamos fazendo,sobrava-nos tempo para algumas loucuras, resultantes de algum cacimbo e do cansaço provocado pelo stress permanente, e por alguma incompetência, de quem deveria ser competente.

Entre algumas de que lembro, fomos uma vez à noite, o Capitão Bordalo, os seus Alferes e eu, armados até aos dentes, de Unimog jantar ao Xime, pela estrada de todos conhecida e que naquela altura só se fazia em coluna protegida, mercê das emboscadas que nela tinham acontecido.

Quando regressávamos, num alarde a roçar a loucura, talvez também ajudados por uns uísques, parávamos na estrada, no sítio das emboscadas, e voltados para a mata, aliviámos as bexigas (2).

Foi um momento hilariante, mas muito intenso, que nos uniu ainda mais na amizade e companheirismo.

Escusado será dizer que o caso foi conhecido e muito comentado, tendo recebido, como é lógico, olhares de reprovação de quem de direito, mas não mais que isso, porque os "gajos das tropas africanas são doidos e isto bem o prova".

Claro que não foi nada de muito importante ou heróico, mas apenas um modo de aliviar a tensão, com uma tensão ainda maior.

Assim que tiver equipamento para isso, tratarei das fotografias.

Abraço

Joaquim Mexia Alves (2)
________

Notas de L.G.

(1) O Sousa de Castro já tinha topado o engano:

"Olá, Mexia Alves!... Há aqui engano quando referes Xitole – CART 3494. O teu nome não me é estranho, pertenci à CART 3494 que esteve sedeada no Xime; no Xitole estava a CART 3492. Alfa Bravo. Sousa de Castro".
Antes da CART 3492 (1972/74), esteve no Xitole a CART 2716 (1970/72), do BART 2917, a que pertenceu o nosso camarada David Guimarães: é, de resto, o período que está melhor documentado nas nossas páginas e no nosso blogue... Anterior a esta, havia a CART 2413 (1968/70), pertencente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)... A CCAÇ 12, no meu tempo (1969/71), trabalhou com as duas... Fizemos diversas colunas logísticas ao Xitole e participámos em diversas operações conjuntas, no Sector L1


(2) Obrigado, camarada... Andámos pelos mesmos sítios, fizemos as mesmas locuras, como essa de ir de Bambadinca ao Xime, beber um copo... Fi-lo de Daimler, sozinho, eu e o condutor, em finais de 1970, quando a Tecnil ainda estava a abrir a estrada, mais tarde alcatroada...

Desculpa a referência à tua empresa, que eu sei que tu amas muito e que tem sido a tua vida... Vou muito a Leiria, onde tenho amigos que talvez conheças (como o Dr. Carlos Mariano, ortopedista, por exemplo)... Um belo dia destes faço-te uma visita, para te conhecer em carne e osso. Quem me disse quem tu eras, na vida civil, foi um camarada nosso, que te conhece, a ti e à tua obra... Como vês, o mundo é bem pequeno...

Bom, fico a aguardar mais estórias, além das tuas fotos... Não temos pressa. Fica bem, com saúde. Bons negócios. Luís Graça.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)

(2) Provavelmente na Ponta Coli, entre o Xime e Amedalai: vd. posts de:

26 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVII: Coragem, sangue-frio e desprezo pelo perigo em Ponta Coli (Sousa de Castro, CART 3494)

(...) "Perguntei há dias ao Sousa de Castro se tinha cópia da história da companhia dele, na sequência da publicação do episódio da emboscada sofrida pelos seus camaradas na Ponta Coli, na estrada (já então alcatroada) Xime-Bambadinca, às 6 da manhã do dia 22 de Abril de 1972, e de resultaram pesadas baixas para as NT: 1 morto (furriel), 7 feridos graves e 12 feridos ligeiros". (...)

24 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXII: A morte, às 6 da manhã, em Ponta Coli (Sousa de Castro, CART 3494)

20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVIII: Notícias da CART 3493 (Mansambo, 1972) e da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973/74) (António Duarte)

(...)" Quanto ao ano de 1973 na CCAÇ 12 a acção foi mais animada. Instalados em Bambadinca, naquilo que se classificava de hotel, fazia-se operações sobretudo na zona do Xime. Assim em 3 de Fevereiro tive a primeira emboscada na Ponta Varela em que participaram três grupos de combate da CCAÇ 12 em conjunto com 2 pelotões da Cart 3494 (à época aquartelada no Xime). As NT não registaram feridos mas segundo se apurou em informações recolhidas no Enxalé, o PAIGC teria tido baixas.

"A 25 do mesmo mês houve uma outra emboscada numa operação na zona de Ponta Varela/Poidom e Ponta do Inglês/Ponta João da Silva, também com forças semelhantes à anterior, em que registámos 7 feridos, felizmente ligeiros. Foi praticamente toda a minha secção (Bazuca do 3º grupo de combate), que foi tocada. Por infelicidade um RPG 7 rebentou ainda no ar (com era normal), apanhando o pessoal abrigado. Não participei nesta acção, pois estava em Bissau para vir gozar as minhas segundas férias na Metrópole.

"Até final do do ano houve mais 3 emboscadas, tendo sido a mais grave na Ponta Coli (segurança à estrada Xime-Bambadinca) e n ataques ao quartel, felizmente com má pontaria, na maioria das vezes.

(...) "O comandante da CCAÇ 12 no início de 1972 era o Cap Bordalo, homem de grande carisma, seriedade e bravura. Era um líder. Penso que será [natural de] ou viverá na região de Lamego" (...).

12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLIV: A galeria dos meus heróis (3): A Helena de Bafatá

(...) "Pairava ainda na estrada Xime-Bambadinca o fantasma do furriel vagomestre do Xime que em Ponta Coli, antes de Amedalai, tinha por hábito desafiar impunemente o turra, insultando-o de cabrão e filha da puta para cima, turra esse que nós iríamos aprender a respeitar com a reverência temerosoa que é devida a todos os inimigos poderosos, armados ou não de RPG – até que um dia morreu com um tiro na nuca e a bela Helena de Bafatá nos braços (...).

Amorosa Helena, pequena fula dengosa, ‘salva das garras do Islão’ (sic) por zelosos missionários católicos – mas não da faca da fanateca, que te extirpou, na festa do fanado, o clitóris – para se tornar o colchão de todas as camas, a Vénus negra de batalhões inteiros, a iniciadora sexual de mancebos que as sortes vieram arrancar às saias da mamã, a alegre e traquinas companheira de muitas farras de caserna, correndo nua e lasciva do regaço de tropas bêbedos que nem cachos, para o abrigo mais próximo quando às tantas da madrugada soava o canhão sem recuo!... (...)

Guiné 63/74 - P957: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (6): De volta ao Saltinho, Bambadinca e Bissau


Guiné-Bissau > Saltinho > Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72) > O soldado Mamadú Jau, uma força da natureza, apontador de metralhadora (empunhando aqui uma MG 42, que a HK 21 não conseguiu destronar, mesmo na guerra de África).


Guiné-Bissau > Saltinho > Fevereiro de 2005 > Pousada > A sala do soldado do antigo aquartelamento ficaria, mais ou menos, nesta zona.



Guiné-Bissau > REgião de Bafatá > Saltinho > Fevereioro de 2005 > Bar da pousada no Saltinho, vendo-se os distintivos da CCAÇ 2406 e da CCAÇ 2701


Guiné-Bissau > Saltinho > Madina Buco > Fevereiro de 2005 > Pedro e João

Texto e fotos: © Paulo Santiago (2006)

V parte do relato da viagem do Paulo Santiago e de seu filho João Francisco à Guiné-Bissau em Fevereiro de 2005.


Vindos do Quirafo, passamos em Madina Buco (1), onde deixamos o indivíduo que nos acompanhara, regressando por outro itenerário ao Saltinho, passando por Chumael e Sincha Mamadú, onde deveria ter parado e procurado o meu ex-soldado Abdulai Baldé. Infelizmente, já em Bissau, soube que ele vivia naquela tabanca, não havendo hipótese de voltar para trás.

Quando chegamos ao quartel, digo estalagem, já estava o cabrito ofererecido pela Fatemá, pronto para ser comido (2). Convidei para almoçar conosco um casal, ele natural do Porto, funcionário da casa Nunes e Irmão, ela natural de Cansamange e aniversariante naquela data. Tinham três filhos.O cabrito estava óptimo, mas ainda estava com visões da GMC. Bebeu-se vinho de Borba e cerveja e sumo para o Sado. Houve também bolo de aniversário.

Visitara o Saltinho, tivera uma recepção grandiosa em Contabane (1), eu, branco com coração negro, tivera aquele encontro memorável com os meus ex-instruendos em Cansamange, recolhera-me em memória dos militares, milícias e civis imolados, perto do Quirafo,pela ignorância criminosa de um proveta lacaio de um tenente-coronel básico. Enfim, estava na hora de regressar a Bissau.

Fui despedir-me da Fatemá, agradecendo todo o carinho dispensado, principalmente ao João. Talvez volte outro dia para a abraçar.

Metemo-nos no jipe para o regresso a Bissau. Paramos em Bambadinca. Lá estava o meu ex-soldado Mamadú Jau (3), que o Buba ficara de avisar, quando no dia anterior ali passara. Continua uma força da natureza. Havia muita confusão, até ali já havia desfiles de Carnaval, era uma barulheira maluca e, só no dia seguinte era terça-feira de Entrudo. Não estive muito tempo com Mamadú e o Buba, aquela animação deprimia-me.

Chegamos a Bissau às 21,00 horas. A Polícia tem a estrada cortada no cruzamento do Bairro Militar. Vamos para casa do Sado e, às 23,00 lá conseguimos chegar à Residencial Coimbra.

Tinham sido dois dias que jamais esquecerei.

Paulo Santiago
ex-Alf Mil
Pel Caç Nat 53
(Saltinho, 1970/72)

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Notas de L.G.

(1) Vd. posts anteriores, e nomedamente:
5 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P938: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (4): branco com coração negro no Rio Corubal

(2) Vd. post de 30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

(3) Vd. post de 29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca

(4) Vd. post de 26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau

quarta-feira, 12 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P956: Antologia (48): Félix Laporta, o primeiro cubano a morrer, num ataque a Beli, em Julho de 1967

Guiné > Sector de Cubucare > Guerrilheiros do PAIGC sendo inspeccionados por um comandante. A partir de Maio de 1966, o PAIG começou a contar com o apoio (secreto) de Cuba, sobretudo em homens (médicos, artilheiros, instrutores). Oficialmente, morreram 17 cubanos em combate desde 1967 até ao fim da guerra.

Foto: UN / Yutaka Nagata, fonte: Return to the Source: Selected Speeches, by Amilcar Cabral. New York: Monthly Review Press, 1974. (Imagem gentilment cedida por Jorge Santos, 2005)


Texto enviado pelo Jorge Santos:

Artigo onde o embaixador de Cuba em Bissau afirma:

(i) Os primeiros cubanos, 3 médicos e 3 artilheiros, chegaram à Guiné a 1 de Maio de 1966;
(ii) FÉLIX LAPORTA foi o primeiro soldado cubano a morrer num ataque ao aquartelamento de Béli (sudeste da Guiné-Bissau), a 2 de Julho de 1967.

Saúde
Jorge
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Se Cabral fosse vivo estaria ao lado de Fidel, diz embaixador de Cuba em Bissau

RTP -Informação

O embaixador de Cuba em Bissau afirmou que, se o fundador das nacionalidades cabo-verdiana e guineense, Amílcar Cabral, fosse vivo, estaria "com toda a certeza, a lutar contra o imperialismo" ao lado do presidente cubano, Fidel Castro.

Pedro Donia discursava numa cerimónia organizada pelo Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) destinada a celebrar o 40º aniversário da chegada à então província portuguesa da Guiné dos primeiros seis "internacionalistas" de Cuba, que ajudaram o "movimento libertador" na luta pela independência nacional (1963/74).

"Os ideais de independência e autodeterminação e de luta contra o imperialismo de Amílcar Cabral, tal como se apresentou perante Fidel Castro em meados dos anos 60, manter-se-iam hoje bem vivos se fosse vivo. E, se fosse vivo, estaria, com toda a certeza, ao lado do líder cubano", afirmou o diplomata.

Segundo os relatos históricos, os primeiros seis cubanos - três médicos e três artilheiros - chegaram a solo guineense a 1 de Maio de 1966, a que se juntou, um mês depois, novo grupo de "internacionalistas", que, ao longo do conflito e após a independência, ajudaram o PAIGC quer na luta quer no domínio da saúde e educação (1).

"Logo no dia em que chegaram começaram, imediatamente a trabalhar. Os médicos a assistir os feridos e os artilheiros na formação dos combatentes do PAIGC", afirmou Pedro Donia, lembrando a "amargura" de Cabral, então presidente do "movimento libertador", quando caiu o primeiro soldado cubano, Félix Laporta, a 2 de Julho de 1967, num ataque ao aquartelamento de Béli (sudeste da Guiné-Bissau).

Aqueles ideais, sublinhou o diplomata cubano, constituem a razão do regresso de Cuba a Bissau, após "alguns anos de adormecimento" nas relações bilaterais, reactivadas em Janeiro de 2005 quando o presidente do PAIGC, Carlos Gomes Júnior, então primeiro- ministro, efectuou uma visita oficial a Havana e rubricou um novo Acordo Geral de Cooperação.

Na cerimónia, que decorreu na sede do PAIGC em Bissau e onde está patente uma exposição fotográfica da presença cubana no país, estiveram presentes Carlos Gomes Júnior e a direcção do partido, bem como dezenas de antigos combatentes e responsáveis da missão diplomática da vizinha Guiné-Conacri, cujo exército também ajudou na luta de libertação do jugo colonial português.

No meio de fortes e sentidas homenagens a todos os que caíram em combate, independentemente da sua nacionalidade, o PAIGC distinguiu Fidel Castro com um "Diploma de Mérito e Reconhecimento", "símbolo do apreço" do partido de Cabral por "todo o povo cubano".

Por seu lado, Carlos Gomes Júnior sublinhou a importância do apoio cubano para a construção da nova nação guineense, sublinhando que ela está "selada com o sangue dos que tombaram" durante a luta.

O presidente do PAIGC apelou também para a libertação "imediata e incondicional" dos cinco jovens dirigentes cubanos que estão encarcerados em prisões norte-americanas, acusados de terrorismo, tema que o embaixador de Cuba denunciara momentos antes, no meio de fortes críticas à política de embargo dos Estados Unidos.

As relações formais de cooperação entre os dois países remontam a 21 de Outubro de 1976 quando, em Havana, se realizou a primeira reunião da Comissão Mista, mas caíram num "marasmo" no início da década de 90.

A cooperação entre os dois estados viria a ser relançada em fins de Setembro de 2004 durante os trabalhos da XII Comissão Mista - que decorreram em Bissau e permitiram a aprovação de mais de uma dezena de projectos - e seria reforçada com a visita de Carlos Gomes Júnior a Havana, em Janeiro do ano seguinte.

Entre esses projectos está o relançamento da Faculdade de Medicina de Bissau, criada em 1977 e desactivada no início dos anos 90, bem como outros ligados à formação e assistência às universidades, destacando-se o Instituto Agrícola (ou Escola Técnica Agrícola).

Na ocasião, as duas partes chegaram também a acordo em projectos de assistência técnica nos domínios das Pescas, Educação, Desporto, Cultura, Agricultura, Obras Públicas, Construção, Urbanismo e Saúde.

Outros projectos são o apoio à construção, de raiz, do Museu da Luta de Libertação Nacional, bem como a conservação dos locais históricos da guerra da independência (1963/1974), nomeadamente em Boé, leste do país.

Agência LUSA, 3 de Junho de 2006

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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez (Domingos Diaz, 1966/67)

Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972


Guiné-Bissau > Zona Leste > Rio Corubal > Saltinho > 1996: "Rápidos do rio Corubal, na zona do Saltinho, e a ponte na estrada que continuava para Aldeia Formosa (no nosso tempo era intransponível e até me lembro que o aquartelamento tinha no enfiamento da ponte um abrigo com uma metralhadora pesada)".

Foto: © Humberto Reis (2005)


V parte do relato da viagem do Paulo Santiago e de seu filho João Francisco à Guiné-Bissau em Fevereiro de 2005. O Paulo foi Alf Mil no Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72)


Mal saímos de Cansamange (deves ter razão, Luís) em direcção a Madina Buco, disse ao Sado que à noite, no regresso a Bissau, daríamos as galinhas (1) a alguém que necessitasse (quantos não serão) numa das tabancas do trajecto.

Passados uns 10 mikes chegámos a Madina. Mais abraços, mais uns nharros que me conheciam, enfim, continuava a limpar os olhos e os óculos. Um elemento da população, puto nos anos 70, pede para nos acompanhar na visita de saudade que ía fazer.

Seguimos em direcção ao Quirafo, que no meu tempo era uma tabanca abandonada. A CCAÇ 2406 tivera lá um grupo de combate destacado, mas a porrada era muita, a populaçãofoi saindo, e o grupo de combate recuou, sendo dividido por Madina e Cansamange.

Voltando a 7 de Fevereiro de 2005, a picada está em bom estado, não há minas e o Pedro carrega no acelerador. Encontramos, não acontecia nos anos 70, alguns meus irmãos negros de bicicleta. Damos com restos de um despojo de guerra da CCAÇ 2406 [a unidade de quadrícula do Saltinho, 1968/70], a cabina de uma GMC, rebentada por uma mina, e onde pereceram alguns dos militares, cujos nomes figuram no memorial que se encontra no Saltinho (2). Esta lembrança do perigo, ainda que mais completa, já existia no meu tempo de militar, passei-lhe bastantes vezes ao lado em deslocações para patrulhamentos e operações.

Uns 3/4 Km à frente aparece-me a razão da minha ida aquela zona, neste dia: uma GMC, ainda muito bem conservada, atendendo aos anos passados, destaca-se numa clareira ao lado da picada. O Pedro pára o jipe, saimos todos, o João filma a viatura de varios ângulos, são buracos de balas nos taipais, na cabine, há um grande buraco no chão da viatura feito por uma canhoada.

Afasto-me para um lado, faço uns minutos de silêncio e, como católico, rezo uma oração. Naquele local, em 17 de Abril de 1972, morreram 11militares, 5 milícias e um número ainda indeterminado de civis, devido à incompetência, à ignorância, à megalomania do capitão-proveta do Saltinho e do seu comandante em Galomaro. O meu objectivo daquele dia estava cumprido: um pensamento por uns homens que ainda mal conhecia e que tão estupidamente morreram.Vou tentar extrair do filme uma foto da GMC.

Visitamos de seguida a população da tabanca do Quirafo e regressamos ao Saltinho onde temos à espera o cabrito oferecido pela Fatemá. Nesta curta viagem, verifico que o João ficou abalado, quando o Sado lhe perguntou se ele, após o almoço, queria ir ao Quebo...Respondeu-lhe que já vira tudo o que lhe interessava no mato da Guiné.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post anterior, de 5 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P938: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (4): branco com coração negro no Rio Corubal


(2) Vd. post de 30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

Guiné 63/74 - P954: Cansissé, terra de mil encantos (Parte II) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Um posto de vigilância avançado, colocado sob a protecção da larga copa de uma frondosa árvore. Permitia, durante a parte diurna, a observação de quaisquer sinais de elementos 'estranhos' e também a da defesa dos campos de cultivos.



Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Uma palmeira mais nanica, onde os meus «soberbos» dependuravam os seus ninhos tecidos com engenho e arte, assumindo uma grande prodigalidade.

Fotos e legendas: © Idálio Reis (2006)


Textodo Idálio Reis, ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1)


Assunto: Cansissé, terra de encantos mil, como anfitriã do primeiro grupo do Exército que aí se alojou (Julho de 1969) (continuação) (vd. post anterior)


(vi) Também abundavam alguns animais, como a gazela e o porco-bravo, mas o que mais me espantava era a quantidade de lebres, o que me incita a narrar esta estória com um sentimento muito especial.

Ainda em Gandembel, acolhi um soldado em rendição individual, um presidiário com uma pena pesada, já homem trintão, e que tinha sido recambiado para a Guiné com a promessa de a sua condenação ser substancialmente reduzida. Chamava-lhe o periquito velho.

Naturalmente que a sua integração no grupo não foi fácil, por manifesta desconfiança. As contrariedades de uma vida complicada eram claramente significativas, muito perceptíveis, ensimesmava-se demasiado, e este seu comportamento de refúgio não merecia dos seus pares a mais consentânea e cordial atitude (as convulsões da guerra determinavam a tramóias de difícil compreensão), pelo que procurava ter para com ele uma especial atenção, que sempre procurou retribuir com uma dedicação e carinho muito cordiais.

Um certo dia, pediu-me para caçar, pelo que só precisava de uma Mauser e algumas munições; naturalmente que o precavi para alguns perigos suspeitos, mas não impedi aquele homem de procurar alguma libertação de si mesmo, de recuperar a sua auto-estima, de dar azo a ter as suas miragens. E era raro o dia que não me presenteava com uma ou outra peça de caça, porquanto a caça dita maior estava já entregue à perícia e ao faro de 2 milícias.

E Cansissé também nos soube ofertar um rancho melhorado, em quantidade e qualidade, e em que até as bebidas eram frescas, pois havia frigoríficos a funcionarem.

(vii) Uma das outras facetas que viemos a encontrar, eram os campos de cultivo. Estes eram, na sua parte maior, pertença do dignitário régulo que, pela sua plenipotência, tinha o direito de, em alguns dias, usufruir de um grande contingente de pessoal que lhe ofertava a mão-de-obra necessária para a sua lavoura. Os nativos também tinham as suas hortas, onde tudo se cultivava para seu auto-sustento, mas em que o trabalho era essencialmente executado por mulheres.

O papel detido pela mulher nesta sociedade era inteiramente secundarizado, onde a prática do trabalho mais penoso lhe estava encarregue. Era uma submissa do seu marido, a sua serva, para além de imposta a uma hostilidade muito restritiva do seu meio. Para além de ter de cumprir todos os labores domésticos, tinha que assumir cuidadosamente o papel de esposa e de mãe prolífica. Mas ademais, cabia-lhe o trabalho de campo, em que todo o amanho era feito a poder de braço, com a utilização de alfaias ainda muito rudimentares, pelo que o mesmo tornava-se árduo, penoso, sacrificado. Somente alcançava alguma dignidade social, quando a condição de mulher-grande lhe era facultada, mas até a atingir, ficava para trás um ror imenso de sujeições e canseiras, uma vida compelida, agreste, de muitos filhos paridos e amamentados, de carinhosa mãe criadeira.

(viii) Era essencial manter activa a parte operacional da tropa, que se fazia essencialmente na parte da manhã. Para além de se ir frequentemente à sede do Batalhão, em Nova Lamego, também era importante tomar conhecimento do que eventualmente se passava no círculo envolvente de Cansissé, em especial as zonas de sul e de leste, já que a oeste nada de novo. (Erich-Maria Remarque já nos havia confidenciado!)

Guiados por milícias, em bicha de pirilau, tivemos o ensejo de pisar uma parte substancial dos regulados de Tumaná. E nessas deambulações, certificavamo-nos que a paz parecia continuar a reinar. E hoje, rememoro com alguma nostalgia duas facetas desta outra estória. Lá mais longe, para sul, havia o rio Campossa a correr mansamente, rumoroso, tão encantador quanto a sonoridade do seu nome deixa intuir, e onde havia duas pirogas de 2 a 3 lugares, feitas por um artesão de Cansissé, que ia desbastando um tronco de árvore, dispondo apenas de uma ferramenta semelhante a uma enxó, e que permitia atravessar o rio para a sua margem esquerda (a canoa que me foi ofertada, por lá ficou, talvez saudosamente à minha espera). As zonas ribeirinhas eram de uma vegetação tropical densa.

E entre a sua margem direita e as imediações de Cansissé, um outro tipo de floresta ressurgia, bastante mais dispersa e com árvores de grande porte, e em quase todas elas, na folhagem das copas, se divisavam umas colmeias cilíndricas feitas à base de uma gramínea parecida com o junco, e onde era perfeitamente audível o zumbido das abelhas, no seu afã constante. E quanto era delicioso o mel de Cansissé!

(ix) Quase todas as tardes eram destinadas ao recreio. O pessoal escolhia os seus sítios costumeiros, para repouso, de divertimento, na distracção. Porém, antes de tudo, como ritual consagrado, havia a preocupação constante e apegada de dar novas às famílias e aos amigos, procurando expressar na esverdeada folha de um aerograma, o aperto afagado dos laços de amor/amizade, o estreitamento das relações mais afectivas e carinhosas, cada vez mais intensos e saudosos, à medida que se começava a antever alguma luz de aproximação no fundo desse infindo túnel que era a distância da separação. O deslizar suave da pena ao longo da folha, reflectida na confidência das palavras contextualizadas e que tantas vezes se ressentiam do ânimo ou desalento do remetente, assumia agora uma outra serenidade, pois que a escolha das palavras transcritas quase não necessitava de ser dissimulada, por forma a não mais iludir todos os que cá tínhamos deixados na incerteza do regresso.

O grupo, já há muito, tinha criado o seu espírito de clã, com a formação natural de núcleos cimentados numa maior amizade, que cada um deles mantinha as suas cadências mais consoantes aos seus propósitos. Como era interessante, aperceber-mo-nos dos seus modos de agir, com as suas interactividades codificadas, entender os seus queixumes, exultar com as suas façanhas.

Uma grande parte dessas tardes livres era passada na fonte de Semba-Uala ou dos Fulas, onde não só abastava a água vertida fresca e pura para refrigério dos nossos corpos requestadores. No exotismo daquelas bandas rescendia um misterioso magnetismo, que nos impelia para os seus recônditos, na quimera da ilusão de aí encontrar alguma deidade, que lançasse encantos tamanhos que nos turvasse todos os sentidos até à saciedade. Os ludíbrios de hoje, instigavam-nos para uma procura incessante no amanhã, e incandescentes tacteávamos caminhos condutores para corpos elanguescentes.

A fonte dos Fulas era a nossa predilecção, já que nos propiciava ir perdidamente ao encontro das bajudas, onde despontavam as belas futa-fulas, de formosos corpos de ébano de um talhe gracioso e delicado, de sorrisos cândidos e brandos, de brilhantes olhos gentios, de uma provocante lascívia infrene. Foi a fonte que nos dessedentou, que desobstruiu de vez os resquícios das poeiras de Gandembel que mais se tinham entranhado, mas foi outrossim, e indelevelmente, um exuberante lugar de requintes, de galanteios murmurosos, de encontros regalados, onde suspiros de comprazimento e languidez se vinham a esvanecer em aromas da terra molhada.

Tudo é finito. E chegou o dia da despedida, com regresso a Nova Lamego, onde nos quedámos até meados de Novembro, que marca o fim da comissão, com o Uíge a aportar em Bissau à nossa espera.

E, meus caros Tertulianos, se hoje no nosso blogue nos compungimos das facetas horrendas da guerra subversiva, que tivemos heroicamente de defrontar por esses trágicos locais, se nesses sítios que calcorreámos, houvesse uma fonte similar à de Cansissé, seguramente que os nossos ‘posts’ eram descritos de um modo bem distinto, de um maior encanto por uma outra saudade, tecendo loas à Mãe-Natureza.

Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > Entre as forças militarizadas, agora juntas, foi criado um forte espírito de coesão. Até ao Unimog, lhe coube um papel relevante para esse reforço, pois possibilitou a muitos dos milícias ter a grata sensação de desfrutar de um meio de transporte desconhecido.


Guiné > Região de Gabu > Cansissé > CCAÇ 2317 > Julho de 1969 > A cultura do amendoim. Em volta do campo chão da povoação, praticava-se uma agricultura com uma relativa extensão, ainda que realizada essencialmente à custa de trabalho braçal.


Fotos e legendas: © Idálio Reis (2006)


1.
Mensagem do Idálio Reis, ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69)(1)

Caro Luís:

À tua notificação para escrever algo sobre Cansissé (2), aqui o faço com incontido prazer. Desta vez até com algumas fotos (região de Gabu > Cansissé), reabilitadas de uns slides pelo profissionalismo do nosso Albano Costa. Tudo segue em forma anexada. Se achares demasiado longa, partilha-a à tua forma.

Quanto às fotos, a minha intenção foi a de exprimir o que o grupo viveu naquele tempo em Cansissé.

E agora, tenho de compulsar os arquivos da minha Companhia, para falar sobre Gandembel/Ponte Balana. Procuro também algumas fotos representativas.

Luís, que gozes umas boas férias em companhia dos teus. Um abraço do Idálio Reis.

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Assunto: Cansissé, terra de encantos mil, como anfitriã do primeiro grupo do Exército que aí se alojou (Julho de 1969).

Caro Luís e demais Tertulianos.

Cansissé merece que a releve com um enlevo muito especial, que evoco de uma maneira fortemente impressiva e dedicada, porquanto reconheço hoje ser o meu complacente lugar da saudade, tão suavemente enternecida e meiga.

Lá longe, no sortilégio daquele chão da região de Gabú, foi possibilitado ao meu grupo fruir de certos encantamentos que julgávamos desapegados e esconsos, pois que os tempos passados até então tinham sido endemoinhados, por um qualquer espírito pérfido, malévolo, cruel.

Estava-se em Julho de 1969, com três partes da comissão vencida (1), e o que buscávamos com uma sôfrega avidez era um qualquer ameno recanto que nos portasse a um estado de tranquilidade repousante, penhor de paz. De tão requestada, ansiávamos uma serenidade confiante para corpos descoroçoados e ofegantes poderem revigorar, de tão insidiosamente assolados por uma guerra sem tréguas.

Estávamos convictos que a poderíamos almejar, e ante aquele sinal-símbolo que sempre norteou a nossa conduta, do «pare, escute e olhe», lenta e conscientemente fomos avançando, e julgo que o soubemos fazer da melhor forma, com a dignidade que nos competia e que era nosso dever, primando na excelência das nossas acções com a população autóctone. E o primeiro grupo da tropa colonial a demandar Cansissé, orgulha-se desse facto.

(i) Cansissé era uma grande tabanca, localizada num vasto perímetro de terra plana e de elevada potencialidade agrícola. Típico aldeamento rural, onde conviviam dois grupos étnicos islamizados, embora de diferenciadas características comportamentais, que determinava com que a tabanca fosse atravessada longitudinalmente por uma larga passagem divisória. A parte ocidental, mais populosa, pertencia aos fulas, enquanto a poente se sediavam os mandingas.

À entrada do povoamento, deparava-se um extenso terreiro. Aí havia um pavilhão-armazém, suficientemente amplo, já construído há alguns anos, porventura quando a Lei do Indigenato se interessou na construção de algumas infra-estruturas destinadas ao forçado armazenamento e comercialização dos produtos agrícolas, e em que preponderavam o milho e o amendoim. Também neste vasto espaço, sobressaía uma árvore de grande porte, de um espesso tronco e de uma copa de abundantes frondes, ponto de encontro para convívio com os anciãos e de remanso ameno e refrescado para o contento solitário das leituras.

E logo surtiam as moranças, mais aprimoradas que nos povoamentos que havia no Sul da Província. Todavia, havia uma certa distinção para as do régulo, mais espaçosas, de uma construção mais estruturada e ostentosa, onde cabia todo o seu harém e quiçá alguns convidados, sendo todas elas envolvidas por um tapume em função de resguardo. E o aldeamento prolongava-se até aos lhanos campos de cultivo.

(ii) Chegámos a 14 de Julho, num dia benfazejo por uma chuva quase incessante, tendo calcorreado os cerca de trinta quilómetros que distavam de Nova Lamego, em menos de uma hora, o que desde logo era uma missão inatingível nas zonas por onde tínhamos deambulado, e portanto de difícil compreensão para todos nós.

Apesar de encharcados, Cansissé aí estava, e ante a surpresa ora deparada parecia estarmos satisfeitos, pois que os antecedentes que este novo destacamento nos propunha, de acordo com informações obtidas, animávamo-nos a acalentar uma esperança desejada e a garantir um maior grau de confiança, para os dias que iríamos aqui permanecer.

A entrada em Cansissé mereceu honrarias especiais, pois o régulo e os homens-grandes, e um grupo local de milícias, para além da população, nos esperavam com cordiais cumprimentos de boas-vindas. Prestado o reconhecido e público agradecimento, alojou-se o pessoal no arrumado pavilhão existente, exceptuando a minha pessoa e o Vasco Ferreira (ex-furriel, um dos muitos feridos de Gandembel, e em missão de voluntariado para esta missão), a quem foram ofertados guarida de maior requinte numa apresentável morança do régulo.

E por lá nos quedámos por um período de quase sete semanas, em desfrute de um tempo de contentamento e encanto, que ia conseguindo suavizar a nossa velada ansiedade do regresso definitivo, até porque nos parecia, com grata satisfação, que o delongar do tempo parecia agora querer escoar normalmente.

(iii) Os primeiros dias serviram para reconhecer a zona, como a verificação das condições de segurança do povoamento, a análise da capacidade do grupo de milícias, a auscultação dos nativos com enfoque especial para o seu estado sanitário, mormente dos mais idosos.

O grupo de milícias, com cerca de 30 unidades, era composto por homens de uma faixa etária dos 25 a 40 anos, que ali viviam com as suas famílias. Era um reduzido contingente com funções essencialmente de defesa local, e ainda armados com espingardas Mauser. Desde logo, procurou-se fazer o seu entrosamento, tendo-se criado uma empatia forte, cimentada por uma cumplicidade mútua de grande generosidade.

No que respeita ao grau de segurança da tabanca, em princípio era de molde a não ofertar perigos de maior, já que se dispunha de um largo raio de visão exterior, pois que era circundada por extensas plantações de amendoim, e a vegetação arbórea era rala. Porque não havia iluminação, estabeleceram-se postos de vigilância nos cantos da povoação, com uma integração equitativa e feita de forma rotativa. Durante a parte de dia, havia 2 postos avançados, que também desempenhavam funções de guardiãs das culturas.

Quanto à vertente dos cuidados de saúde, foi efectivamente o maior benefício que comprovadamente se lhes trouxe. Numa enfermaria improvisada, atendia-se a população que acorria cada vez em maior número, afluídos de outros aldeamentos. Sobre este apoio, recordo com agrado, que o medicamento preferido era o administrado por acção injectável, o tal pico, como gostavam de referir. Pequenos aconchegos de ontem, que muito provavelmente hoje não existem.

(iv) Logo aos primeiros dias, começámos a ter a grata sensação que estávamos a viver, porventura não no país da Alice, mas num outro qualquer rincão reencontrado, esquisito, singular, também com as suas maravilhas. À despedida de cada dia, recordo que se divisava em Cansissé um inebriante pôr-do-sol, de uma luminosidade reverberante que esbugalhavam os nossos olhos de espanto e pasmo, até que o céu se estrelasse em toda a sua amplidão, para podermos ler as estrelas, numa angustiada procura do nosso futuro mais imediato.

Sentíamos com uma incrédula e incontida emoção, que a situação sofredora da guerra ostensível e impenitente, aparentemente estava ausente, ainda que cada um de nós continuava a ter como fiel companheira a G-3. Contudo, a espaços, esta começava a perder parte das suas prerrogativas, pois de quando em vez a sua mudez de descanso trancado era suplantada pelo sussurro ciciante de uma bela nativa, num concupiscente ardimento de furtivos encontros. Esta busca delico-doce era também um generoso contributo que Cansissé nos primava em ofertar, já que teve a primazia da primeira vez, a de um grupo forjado em têmpera de ferro e fogo, vir conviver com as suas gentes.

(v) O meio natural onde Cansissé se inseria, era de uma rara e contagiante beleza, onde tudo parecia decorrer a um ronceiro e tardo ritmo, em acorde com infindas harmonias, qual anelo esperançoso e embriagador, que só se desentoavam surdamente muito para além do intemporal e infindo horizonte. Todo esse meio envolvente, era modelado em tranquilidade e acalmia, onde serenamente os dias se repetiam num compassado ciclo de uma movimentação recortada, pausada e vagarosa.

Por lá perambulavam um número infindo de aves, num constante e mavioso chilreio, trinando os seus gorjeios que nos especava em atencioso e surdo recatamento, para audição de sonatas do paraíso. Entre elas, estavam os periquitos na sua policromia esverdeada, as mansas rolas que nos circundavam emitindo os seus gemidos de agradecimento por algum bago de arroz. Também, com um carinho muito especial, havia um pequeno passeriforme de uma plumagem de um colorido brilhante e de grande beleza, que o rebaptizei de soberbo, com um sentido gregário notável, em que o (re)vejo numa imensidade de ninhos numa atarracada palmeira, feitos pelo entrelaçamento de fios de um fino trabalho de arte de tecelagem.


(Continua)
_____________

Notas de L.G.

(1) Vd. posts anteriores:


19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)


18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)

12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P866: De Cansissé e a Fonte dos Fulas ao Baixo Mondego ou como o mundo é pequeno (Idálio Reis)

(2) Não foi uma ordem, apenas um desejo, pronta e plenamente satisfeito pelo nosso camarada Idálio Reis: "... aguardo com curiosidade o teu relato das mil e uma noites que passaste em Cansissé, bebendo a água da sabedoria (e quiçá dos amores) da Fonte dos Fulas" (...)

terça-feira, 11 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73)




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole. Um antigo armazém do comerciante libanês Jamil Nasser.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole. A antiga casa do comerciante libanês Jamil Nasser

Fotos (e legendas): © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves que, pelo endereço de e-mail, deve trabalhar nas Termas de Monte Real, do Grupo Lena, um grupo empresarial do centro do país ligado à hotelaria e ao turismo:

Caro Luis Graça

Por acaso entrei neste blogue. Estive como Alferes Miliciano de Operações Especiais, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, na Guiné, e curiosamente nos sítios aqui tão falados, ou seja:

Xitole > Cart 3494 > Ponte do Rio Undunduma

Entre Xime e Bambadinca > Pel Caç Nat 52 (Os Gaviões) > Mato Cão

Mansoa > CCAÇ 15 (Taque Tchife)

Não tive tempo agora para ver e ler com atenção [o resto do blogue e as demais páginas na Net], mas prometo voltar.

Abraço

Joaquim Mexia Alves


2. Já lhe dei as boas vindas, e recordei-lhe as regras da nossa caserna (virtual):

Camarada:

(i) Serás bem vindo à maior caserna virtual da Net, reunindo camaradas (e amigos) da Guiné, incluindo malta do teu tempo... Temos umas regras mínimas que podes consultar em:

http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial_tertulia.html

(ii) Tratamo-nos por tu, como bons camaradas que fomos (e queremos continuar a ser). Na nossa lista de e-mails temos já cerca de um centena de endereços.

(iii) Para entrares, basta apenas mandares duas fotos (uma antiga e outra actual) e contares-nos a tua estória...


3. Resposta do camarada Mexia Alves:

Caro Luis Graça

Visitei hoje, mais uma vez, esta página e fui ver as fotografias do Xitole.

Deparei-me com a fotografia das ruínas da casa do Jamil Nasser (1), do Tio Jamil, como eu lhe chamava, e veio-me uma nostalgia difícil de explicar (2).

Quase todos os dias, ao fim da tarde, ía a casa do Jamil e no seu alpendre de entrada, bebiamos uns uísques, acompanhados de pedaços de tomate com sal, enquanto ele ouvia as notícias do Libano no seu rádio, em árabe, claro está, e comentava o que por lá se passava.

Para mim era como sair um pouco da tropa e entrar numa vida social, o que dava um certo equilíbrio emocional.

Um dia, quando me preparava para ir ter com o Jamil, apareceu o seu criado Suri, oriundo da Gâmbia, salvo o erro, para me dizer que o Jamil pedia para eu não ir ter com ele naquele dia.

Fiquei admirado, mas bebi o que tinha a beber no quartel. Mal anoiteceu, houve um tremendo ataque ao Xitole que, graças a Deus, não provocou quaisquer vítimas ou sequer ferimentos, mas destruiu bastante alguns edifícios.

Percebi o recado do Jamil, mas nunca falámos nisso. Tenho algumas histórias com ele e até fotografias, se não me engano, não tenho é muito tempo, mas logo verei o que posso arranjar.

A memória falha de vez em quando, mas penso que ainda me encontrei com o Jamil em Lisboa depois de ter vindo da Guiné.

Lembro-me que ele costumava ficar num Hotel, ao lado do Cinema Tivoli, se não me engano Hotel Condestável.

Abraço
Joaquim Mexia Alves


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Notas de L.G.

(1) O David Guimarães, além de duas fotos, de 2001, que disponibilizou para o nosso álbum, tem uma outra referência ao Samir Nasser, no post de 10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez' (David Guimarães):
(...) 

"O aquartelamento do Xitole estava bem minado em seu redor. Do lado da pista de aviação, tinha eu mesmo montado um poderoso fornilho às ordens do capitão. Esse fornilho era comandado do abrigo dos furriéis (vd. foto onde estou eu sentado em cima de um bidão). De resto todo o terreno à volta estava semeado de minas anti-pessoais 966... Para a protecção total e permanente do aquartelamento no Xitole só faltava um ponto por armadilhar: a estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho... Os ex-combatentes da CCAÇ 12 conheciam-na bem e sabiam onde era a casa de Jamil Nasser, um comerciante libanês que vivia no Xitole (...)... Pois era exactamente ali, naquela rampazinha que dava acesso ao aquartelamento" (...).

(2) Ficamos felizes, eu e o David Guimarães, que foi Furriel Miliciano na CART 2716, Xitole, 1970-1972), por te poder proporcionar esta possibilidade de te emocionares ao ver a casa, em ruínas, de um amigo com quem partilhaste bons momentos de convívio... É também para isso que este blogue serve: estamos todos os dias, com pequenos e grandes contributos de muitos camaradas nossos, a reconstituir essa memória, fragmentada, da Guiné do nosso tempo, dos bons e maus momentos que lá passámos... Ficamos à espera das tuas imagens, digitalizadas, do Xitole, de Bambadinca, de Mansoa e de outros sítios por onde passaste, no teu tempo (1971/1973)...

Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez - Domingo Diaz, 1966/67 (Luís Graça)

Guiné > 1966 > O médico cubano Domingo Díaz, que esteve em 1966/67 no território, apoiando a guerrilha do PAIGC e particiapandop em vários combates, desde o norte (São Domingos) , à região do Morés, e ao sul (Madina do Boé, Guileje). Na foto, é o terceiro de esquerda para a direita.
Foto: © Juventud Rebelde, Cuba, (2006) (Com a devida vénia).


Guiné > Anos 60 > Uma das mais emblemáticas fotos de Amílcar Cabral, dirigente do PAIGC. "Un compañero inolvidable" - é assim que o médico cubano Domingo Diaz descreve o líder histórico do PAIGC. O médico fazia parte de um grupo de revolucionário, constituído por médicos e instrutores, que chegou secretamente a Conacri para apoiar a luta de guerrilha do PAIGC.
Foto: Fonte desconhecida

Texto interessantíssimo, para se conhecer melhor a dura realidade do quotidiano da guerrilha do PAIGC... Trata-se do depoimento de um médico cubano, cirurigião de formação, quer esteve envolvido em operações de guerrilha, na Guiné, nos anos de 1966/67, apoiando o PAIGC ao abrigo do então em voga conceito de "internacionalismo proletário"... O envolvimento dos cubanos é ainda pouco conhecido... Daí o interesse deste artigo, no original.
Reproduzido, com a devida vénia, do jornal digital Juventude Rebelde, ISSN 1563-8340, CUBA, 8 de Junio de 2006 (Director: Rogelio Polanco Fuentes ):


Donde el tiempo no se mide por el reloj

Por primera vez el doctor Domingo Díaz (*) cuenta sus experiencias en las selvas de Guinea Bissau cuando en 1966 anduvo desandando ríos y selvas en compañía de guerrilleros guineanos. Su testimonio forma parte de uno de los capítulos del libro Historias secretas de médicos cubanos, del periodista de JR Hedelberto López Blanch, presentado este año en la Feria del Libro de La Habana

Hedelberto López Blanch
digital@jrebelde.cip.cu


Con 29 años y recién graduado como cirujano, el doctor Domingo Díaz Delgado llenó una planilla solicitando su incorporación como internacionalista en cualquier movimiento de liberación, inspirado en el ejemplo del guerrillero heroico, Ernesto Che Guevara.

A principios del año 66, respondiendo a esa solicitud, lo designan como miembro del primer grupo (muy reducido), de médicos y combatientes que participarían en la liberación de Guinea Bissau, cuya metrópoli era Portugal. Los guineanos llevaban dos o tres años en esa difícil lucha, y carecían de técnica militar, armamentos y asistencia médica. Las acciones se iniciaban prácticamente en esa época, pero dejemos que Domingo narre su historia.

—En ese momento yo era jefe de los servicios médicos de la división 1270 en el Mariel. Fuimos nueve médicos (tres viajaron por avión) junto a los instructores, en total 24 hombres. Tenía bastante experiencia en cirugía porque en esa época, desde que uno estaba estudiando podías participar en determinado equipo quirúrgico. Dos meses después de mi incorporación a este contingente, integrado por artilleros, morteristas, cañoneros y médicos, salimos hacia Guinea Bissau, en la motonave Lidia Doce de 2 000 toneladas. El viaje duró casi 20 días, hasta llegar al puerto de Conakry. La nave estaba deteriorada y fue un trayecto difícil, pues se rompió por lo menos tres veces. En una ocasión hubo un inicio de fuego en las máquinas y por poco tenemos que abandonar el barco.

«En unos sacos llevábamos mochilas, botas y otros implementos y en unas maleticas de madera, un equipaje sencillo. Íbamos vestidos de civil. Aquello era totalmente secreto, incluso para abordar el barco principal no lo hicimos en el puerto, sino en alta mar.

«Antes de salir de Cuba estuvimos cerca de dos meses entrenándonos física y militarmente con varios armamentos, pues aunque éramos médicos, iríamos hacia una zona de guerra. Hacíamos algunas caminatas que creíamos eran suficientes, pero cuando llegamos a Bissau nos dimos cuenta que había que haberse entrenado mucho más. En Conakry, el grupo permaneció alrededor de un mes a la espera de ser llevado a los lugares de destino. Guinea Bissau tenía tres zonas guerrilleras, que eran el Norte, el Sur y Madina de Boé, al este. Se combatía bastante para las posibilidades que tenían. En Guinea me recibió el dirigente principal de la guerrilla del Partido Africano por la Independencia de Guinea y Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral, un compañero inolvidable. Aprendí muchas cosas en los días que estuve con él. Guinea Conakry era la antigua Guinea Francesa y Guinea Bissau es un país mucho más chiquito que se puede comparar en extensión territorial con la antigua provincia de Villa Clara. Muy poco terreno y de ahí la dificultad de los combatientes para desarrollar esta lucha. Los portugueses tenían bastantes tropas, incluso fuerzas de la OTAN (Organización del Tratado del Atlántico Norte).

«De nuestro grupo, muchos fueron al sur, otros al este y a mí me designaron para ir como cirujano al norte. ¿Qué pasa? Que de Guinea Conakry no se podía ir directamente hacia el norte de Guinea Bissau, sino que había que dar un rodeo por el este en camiones, y atravesar parte del territorio de Senegal, país que limita al norte con Bissau y no era precisamente amigo de los guerrilleros, sino que por el contrario estaba a favor de Portugal. Por tanto, por el color blanco de mi piel, no podía hacer el recorrido por tierra, sin llamar la atención.
"Entonces me confeccionan un documento que funcionaba como pasaporte. Era un carné de militante del Partido del PAIGC con un nombre falso, donde aparecía como natural de Praia, una isla de Cabo Verde y con ese documento hago el vuelo, hasta la capital de Senegal, Dakar, acompañado de dos guineanos. Cuando llegamos al aeropuerto no entendían lo del pasaporte y los dos compañeros que me acompañan no supieron explicarles. De manera que tuve que darle un empujón a la talanquera en cruz que existía en el aeropuerto y salir hacia un carro de donde me hacía señas la compañera Lilica Cabral, secretaria de Amílcar Cabral, que tenía oficinas en Dakar.

«De allí, por tierra, atravesamos 400 kilómetros, que es la distancia de Dakar a Zinguinchor, un pueblo de Senegal cercano a la frontera con Guinea Bissau. En ese trayecto hay que atravesar un río y una franja de diez kilómetros de otro país denominado Gambia.

«El que me llevó hacia Zinguinchor, fue Luis Cabral, hermano de Amílcar Cabral, en un Peugeot 400. Llego a ese lugar donde permanezco dos o tres días. Me entrevisto con los jefes militares más importantes que operaban en el norte de Guinea Bissau, porque como era el primer cubano que llegaba allí, me estaban esperando. Me reúno con el jefe del Frente Norte, Osvaldo Vieira y otros. Me hacen una despedida y salgo con un grupo guineano. Al llegar a la frontera, parte del colectivo se queda conmigo y la otra permanece en Yiriban, en el lado de Senegal. Hago una caminata por un terreno abrupto que para mí fue terrible. Alrededor de cuatro a cinco horas demoré en llegar desde la frontera a la primera base guerrillera que se llamaba Zambulla.

«Cuando regresé, ese recorrido lo hice en 45 minutos, porque tenía 80 libras de menos y además llevaba un año caminando en el terreno. Hacemos noche en ese lugar y de madrugada seguimos camino hacia la próxima base, denominada Maqué. Ya habíamos tenido que beber agua en malas condiciones. Allí el agua potable es la de los ríos, y ellos acostumbraban a hacer unos hoyos en la tierra, bien marcados y escondidos, para que se llenaran cuando lloviera. En el curso del camino, sacaban esa agua con tierra y era la que desde ese momento empecé a ingerir.

«Cuando llego a la base de Maqué ya las diarreas comenzaron a hacerme estragos, pero no por eso dejé de comer lo que nos encontrábamos en el camino.

«En esa región el tiempo no se cuenta por el reloj, sino por distancia, es decir, medio día de andar, dos días de andar, que es lo que tardas en llegar a un lugar.

«Nuestra comida era la misma que la de los guineanos y una sola vez al día. Por la noche, en una palangana echábamos un poco de arroz con pedacitos de carne, huesos, que en algunas ocasiones nos los pasábamos unos a otros para chuparlos, y por supuesto, todo con las manos. Nos acostumbramos a comer el arroz metiendo la mano en las cacerolas, no había cubiertos, no había nada. Por la mañana tomábamos cocimientos de cualquier tipo de hojas y si era de naranja, mejor. Calentábamos el agua y le echábamos las hojitas, y eso fue lo que tomamos durante mucho tiempo. Eso era en el norte, ya en el este, en Madina de Boé, teníamos frijoles pero eran tantos que llegó un momento en que a un compañero le enseñabas uno solo y vomitaba.

«Cuando arribo a la segunda base guerrillera, ya llevaba dos días de andar y llegué bastante mal. Me revivió un líquido constituido por una especie de leche condensada con agua, pero muy caliente, y recuerdo perfectamente que me lo tomé y caí rendido. Al otro día de madrugada seguimos profundizando dentro del país y llegamos a la base de Moré[s] donde hacía pocas semanas los portugueses habían lanzado un bombardeo y todavía se podían apreciar los destrozos.

«Allí estuvimos un día y seguimos hasta que alcanzamos la base donde permanecí alrededor de seis meses: Saará (1). Ya aquí estaban dos médicos del grupo que se habían adelantado, pues viajaron por avión de Cuba: un ortopédico, Teudi Ojeda y un clínico, Pedro Labarrere, los dos militares. La base de Saará estaba en la profundidad del norte pero prácticamente en la mitad del territorio y muy cerca de la capital de Bissau. Llegando a esa base, estaban organizando un ataque a Bissau, pero no con el fin de tomar la ciudad sino para tener a las autoridades en tensión. Esa acción fue dirigida por un compañero que era el jefe de la seguridad del territorio norte, el caboverdiano Irenio de Nascimento.

«Teníamos un arsenal pequeño de medicamentos, instrumental quirúrgico, pero muy elementales, para resolver problemas que se presentaran en ese tipo de lucha.

«El campamento estaba en cualquier lugar pues como medida de seguridad había que trasladarlo constantemente. Llegó un momento en que detectaron la base y la ametrallaron varias veces.

«Tras permanecer seis meses en Saará, me designaron a un Big Grupo (2), integrado por 72 hombres con determinado armamento para realizar ataques en varias partes. El jefe era un comandante guineano que se llamaba Julián. De esa forma, empecé a moverme con ellos a los distintos lugares y tuve la oportunidad de participar en varios ataques.

«Siempre el jefe militar me decía que no me debía acercar mucho pues si perdían a los enfermeros y a mí, se acababa el servicio médico.

«El primer combate en que participé fue en la base de Sao Domingos. No sentí miedo porque en realidad no estaba en el mismo frente, pero sí los proyectiles me pasaban por encima. Los guerrilleros destruían el cuartel o parte de este, y se retiraban. Nunca trataban de tomarlo, era una guerra de guerrillas.

«Aquí también realizamos un segundo ataque, al cuartel de Guilelle [Guileje], que fue más efectivo. Tuve la posibilidad de estar más cerca del combate, nos hirieron a tres hombres. A uno de ellos pude hacerle una primera cura, rápida, y seguí con los dos heridos hasta llegar a la base. Ya por este tiempo yo había recorrido a pie casi todas las bases guerrilleras, Llador, Naga, Maqué, Saará, Moré[s], Zambulla.

«Seguimos trasladándonos constantemente con este grupo en la zona norte y más tarde comencé a tener varios problemas de salud, un paludismo crónico, una filaria, que en esos momentos no lo sabía pero después se me hizo el diagnóstico, y una lesión infiltrativa tuberculosa. Se decidió que saliera y regresara a Conakry para después de restablecido volver a entrar.

«Salí en febrero o marzo del 67 y lo hago para tratarme clínicamente. Por el mismo camino que entré, también salí, pero ya con más seguridad. Vuelvo a Conakry y permanezco un tiempo recuperándome. Ya el comandante Víctor Dreke era el jefe de la misión militar cubana.

«Más tarde me incorporo a la zona del Este a Madina do Boé donde terminé la misión. Esta región era un poco más tranquila desde el punto de vista de la guerra, aunque también se realizaron varios combates.

«Hay muchas cosas por contar. Por ejemplo en las primeras caminatas perdí todas las uñas de los dedos de los pies, se me pusieron prietas porque no estaba entrenado para eso, pero después que bajé de peso, uno de los primeros en llegar a los lugares era yo, incluyendo cubanos y nativos. Me puse tan flaco que parecía una cuerda de violín y caminaba mucho. Me ha quedado la costumbre y actualmente camino todos los días en La Habana cinco quiilómetros».

* Domingo Díaz Delgado nació en 1936 en Florencia, Camagüey. Es profesor titular de neurocirugía y vicedirector de Docencia e Investigaciones del CIMEQ.
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Nota de L.G.

(1) Saará: presumo que seja Sara-Saruol (carta de Mambonco): vd posts de:

29 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P924: SPM 3778 ou estórias de Missirá (4): cão vadio disfarçado de tigre (Beja Santos)

(...) "Soube da Tigre Vadio (1) em finais de Fevereiro de 1970, quando o Major de operações de Bambadinca me convidou para um passeio numa Dornier sobre os céus do Cuor. Foi uma viagem que permitiu medir o crescimento militar e populacional de Madina/Belel e a sua ligação a Sara/Sarauol, uma enorme base do PAIGC com um hospital de campanha" (...).

27 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças)
(...) "A missão confiada às NT era bater a área de Madina/Belel, no regulado do Cuor, a fim de aniquilar as posições IN referenciadas do antecedente e eventualmente capturar a população que nela vivesse.

"As informações de que se dispunha era que devia existir 1 bigrupo nesta região, pertencente à base do Enxalé e dispondo de 2 Morteiros 60, 1 Metralhadora Pesada Coryonov, além de armas ligeiras (Metr Degtyarev, Esp Kalashnikov, Pist Metr PPSH, etc). Admitia-se também que este bigrupo estivesse reforçado com 1 grupo de Mort 82, pertencente ao Grupo de Artilharia de Sara-Sarauol [a noroeste de Madina/Belel, vd. carta de Mambonco]" (...)

(2) Bi-grupo (habitualmente constituído por 50/60 homenos): vd. post de de Juklho de 2006 >

Guiné 63/74 - P939: A organização militar do PAIGC (Leopoldo Amado)

(...) "Essas adaptações atingiram também os bigrupos (unidade de combate originalmente constituído por 21 combatentes), mas que a dada altura atingiam as 46 pessoas, entre elementos da infantaria, minas e armadilhas, reconhecimento e artilharia (2).

"A partir de 1968 – altura crítica para o Exército do PAIGC –, Amílcar Cabral introduziu o conceito de bigrupo reforçado que normalmente atingia os 150 homens, os quais eram balanceados entre o Norte e o Sul e ainda o Leste, seja em função da necessidade de concentração de efectivos para operações de grande envergadura, seja porque o PAIGC sempre se debateu, ao longo de toda a guerra, com enormes problemas de recrutamento regular de efectivos para o seu Exército" (...).