sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1422: A derrocada do Leste e a mina que desgraçou o meu amigo de infância André, da CCAV 3864 (A. Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L3 > Nova Lamego > O António Santos no seu posto de rádio, acompanhado de dois camaradas. Operador de mensagens, por ele passavam muitas notícias da guerra. Ele acompanhou, à distância, a progressiva derrocada militar da região de Gabu.
Foto: © António Santos(2006). Direitos reservados.


Mensagem do nosso camarada A. Santos, Ex-Sold Trms, Pel Mort 4574/72, Zona Leste, Sector L3, Nova Lamego,1972/74:

Camarada, Luís Graça.

Boa saúde.

Os posts P1409 e P1410 em que se faz a recensão do livro de Benigno Fernando (1), tem referências a acontecimentos (verídicos) que se passaram na Zona Leste, sector L6. Este assunto a que se refere este post do Beja Santos, é só a confirmação do que te falei no nosso primeiro encontro, na tua faculdade (2).

Nessa altura referi também outra localidade que acabou por ser o alvo que mais embrulhos sofreu, Canquelifá, que pertenceu ao Sector L4. Já fiz uma abordagem ao tema no post 1216 (2).

O Cap Cruz, cmdt da 1ª companhia do BCAV 8323, de seu nome Angelo César Pires Moreira da Cruz (não sei se posso ditar o nome completo, mas aqui está, conforme é referido nos canhenhos da guerra) foi substituído pelo Cap Fernando Loureiro.

Isto tudo traz-me à memória um outro caso em tudo idêntico, que eu tenho feito por não lembrar desde 1973. Durante algum tempo penso ter conseguido, mas periodicamente vêm ao de cima, tento de novo esquecer mas em vão, este post do Beja Santos veio definitivamente obrigar-me a não esquecer.

No Batalhão anterior ao BCAV 8323, dois elementos que o compunham, são rapazes da minha infância, um na CCS outro na CCAV 3864, o André. Durante os 6 meses finais de 1972 e o ano de 1973 quase todo, quando passavam por Nova Lamego os meus amigos vinham ter comigo para a confraternização da praxe, conversar sobre a vidinha, e beber umas cervejas. Isto aconteceu repetidas vezes, até que um dia quando eles faziam 22 meses de comissão, o meu amigo André pisou uma maldita mina, num maldito trilho, que o desgraçou para todo o sempre, nunca mais foi o mesmo.

No nosso almoço, na Ameira, distribuí um CD onde no ficheiro em formato Excel com o título lista_unidades na célula H-773, está a palavra Sissaucunda a vermelho. Não foi por acaso, esse vermelho simbolizava o azar do nosso camarada e meu amigo de escola, das brincadeiras de há 50 anos.

Como ja contei, o Leste nesta fase terminal da guerra estava a ser muito apertado, outra nova, amigo Luís, Nova Lamego nesse tempo foi sobrevoada à noite por diversas vezes e os aviões não descolavam de Bissalanca.

Desculpa ter tomado algum do teu tempo, mas o post P1410 teve este efeito em mim, porque normalmente sou mais de ler do que escrever ou falar, talvez defeito da passagem pelas trms.

Um Alfa Bravo

A. Santos
SPM 2558

___________

Notas de L.G:

(1) Vd posts de:

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1410: Antologia (57): O Natal de 1973 em Copá (Benigno Fernando)

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1409: Bibliografia de uma guerra (16): Pirada, Bajocunda, Canquelifá, Copá: o princípio do fim (Beja Santos)

(2) Vd. post de 27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1216: A batalha (esquecida) de Canquelifá, em Março de 1974 (A. Santos)

(...) Copá foi extinto em 14 de Fevereiro de 1974, após violentas flagelações, Mareué idem em 11 de Março de 1974, mas o aquartelamento mais sacrificado foi o de Canquelifá, que sofreu flagelações a toda a hora. Neste caso a arma mais utilizada foi o morteiro 120, e houve abrigos que não resistiram.

"A 20 de Março de 1974, entrou em cena o Batalhão de Comandos Africanos, com as três companhias que dele faziam parte integrante. Saíram de Nova Lamego em coluna composta por viaturas militares e civis e dirigiram-se para o local. A operação durou 3 dias, de 21 a 23 de Março 1974. Segundo os canhenhos militares, capturaram 3 Mort. 120, 1 RPG, 2 espingardas, 367 granadas de Morteiro e deixaram 26 mortos do lado IN (do nosso lado nada dizem)...

"Mas cá o rapaz, no dia 22 [de Março de 1974], como não fazia nada, e porque o condutor da ambulância era do meu pelotão e foi chamado à pista, eu fui com ele. Chegados ao local, era um vaivém de helicópteros que traziam mortos e feridos. Eu dei uma mãozinha para pegar nas macas. Retirava dos Helis e, segundo instruções do médico, ora pousava na pista (estava morto), ora colocava num Dakota que estava logo ali (estava muito ferido)... Vi pernas destroçadas por estilhaços de não sei de quê!" (...).

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