quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas


Dossiê O massacre do chão manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (1)


1 - O massacre do chão manjaco (Abril 1970): perguntas e respostas

2 - Major Pereira da Silva: uma memória e uma referência

3 - O enquadramento histórico da Guerra da Guiné, após 1970
Comentário de L.G.:
O Afonso merece um especial tributo por parte da nossa tertúlia. Há largas semanas, mesmo meses, que tem vindo a preparar este dossiê, a fazer investigação por conta própria, a consultar fontes primárias e secundárias. Com a honestidade intelectual, o rigor, a sensibililidade, a persistência e o patriotismo que eu lhe reconheço. Neste espaço de tempo, trocámos alguns mails e pusemos também o Leopoldo Amado ao barulho, entre outros membros e não-membros da nossa tertúlia.
No seu último mail, já deste ano, o Afonso acrescentou mais os seguintes esclarecimentos:

"Já agora aproveito para dizer que uma ou outra resposta (às dúvidas) poderão não ser definitivas. E dou este exemplo: à questão Quem foi o autor material da mutilação dos majores, à catanada?, existem três versões diferentes: Guade Nam Indami (Leopoldo Amado), Júlio Biague (Manuel Catarino) e André Gomes (João Varanda).

"Poderá, eventualmente, uma ou outra questão de somenos importância vir a suscitar outros eventuais depoimentos ou testemunhos que servirão à total clarificação deste que terá sido, provavelmente, o mais brutal e sanguinário comportamento do PAIGC, durante a guerra da Guiné (massacre).

"O trabalho, mesmo singelo, é um contributo para essa clarificação. O objectivo era esse.
E, no essencial, as respostas parecem-me dignas de todo o crédito.

"E já gora referir isto ou esta correlação: Num certo e longínquo dia de Maio de 1970, ao embarcarmos em Bissau, de regresso à Metrópole, deparámos com as quatro unas, lado a lado, no fundo do porão. O onde, quem e porquê não foi revelado, e sabemos a razão. Hoje ainda pesquisamos e procuramos as respostas a algumas dessas interrogações. Quase 37 anos depois ! "
_________

1 - O massacre do chão manjaco (Abril 1970): dúvidas e respostas
por Afonso M.F. Sousa


Tentativa de clarificação do massacre do Pelundo (NW da Guiné)


Hoje ainda se faz a dissecação do massacre do chão manjaco, ocorrido a 20 de Abril de 1970, a NW do Pelundo. As respostas às interrogações que tem suscitado, algumas das quais apresentamos aqui, partem de narrativas exemplares, pessoais e directas, de homens que viveram a violenta e dura guerra da Guiné e foram contemporâneos(*) desta que terá sido a maior barbárie cometida pelos independentistas. As respostas ficam como contributo para a história global de um conflito que envolveu toda a Nação.

(*) Leopoldo Amado (LA), Luís Graça (LG), João Tunes (JT), João Varanda(JV), Júlio Rocha (JR), João Godinho(JG) e eu próprio. Apresentam-se os dois elementos que ainda não são membros da nossa tertúlia:

(i) O Júlio Rocha foi furriel miliciano da CCAÇ 2586, do BCAÇ 2884 (comandado pelo Ten Cor Romão Loureiro). Esteve no Pelundo (até Julho de 1970) e em Teixeira Pinto, no CAOP, onde conheceu então os três majores. Estava de férias quando foram assassinados, em Abril de 1970. Vive hoje na Cova da Piedade, Almada.

(ii) João Godinho (hoje capitão reformado, vivendo em Évora) era na altura o 1º Sargento da CCAÇ 2586.


Dúvidas e respostas


De quantos elementos era composta a nossa delegação para esse encontro ?

Três majores, um alferes e mais dezena e meia de tropas portuguesas (nativos). Outra versão fala em 2 jipes, um com os 4 oficiais (europeus) e o outro com 5 militares (africanos) - um total de nove elementos.


Este encontro era o último. A que se destinava ?

Visava a realização de uma cerimónia solene que consagraria a entrega de armas e munições por parte dos guerrilheiros do PAIGC, na qual até se previam paradas militares dos contingentes guerrilheiros a serem integrados no exército português.
(LA).


Terá havido fugas de informação entre os comandantes guerrilheiros do chão manjaco e apoderadas pela direcção do PAIGC, que justifiquem este repentino recuo e rejeição do pré-acordo de rendição ?

Os autos de interrogatório aos dois guerrilheiros do PAIGC mostram ter havido fugas de informação entre os comandantes e que chegaram à direcção do PAIGC. Esta, apercebendo-se do perigo que representaria uma hipotética rendição das suas forças no Norte (onde o futuro da guerra se jogava, sobretudo a NW, no chão manjaco), decidiu pela medida extrema, decisão essa, irónica e curiosamente, executada por alguns dos comandantes do PAIGC, comprometidos com a rendição e que terão tomado esta rápida mudança de propósitos para obviar a serem punidos com a pena capital, por quebra da cadeia de comando militar, dentro do PAIGC.
(LA)

Carlos Fabião tem uma interpretação muito diferente para esta viragem do PAIGC:

«O PAIGC apercebeu-se de que precisava de tempo para se rearmar, reequipar conseguir arranjar-se no chão manjaco. Então começou a negociar a missão connosco. Penso que, desde o princípio, houve falsidade nos propósitos do PAIGC, porque eles só queriam ganhar tempo. Aquela reunião iria ser a última, em termos operacionais, porque eles já tinham prometido várias vezes a sua rendição e nunca se tinham rendido. Os nossos iam reunir-se com o PAIGC mas esses encontros eram vulgares. O General Spínola tinha estado em alguns.

"O PAIGC ficava sempre em estudar as formas de rendição, mas no momento em que iam fazer a rendição falhava outra vez. Este grupo foi dizer-lhes que era a última conversa que iam ter». Pensa Carlos Fabião que era a última conversa que iam ter os homens do PAIGC. Assassinaram-nos nessa altura.(Não fica, de todo, claro quem é que ia dizer que seria o último encontro. Por ironia do destino, foi mesmo o último).

O historiador guineense Leopoldo Amado tem, quanto a este assunto, opinião diferente da de Carlos Fabião. O PAIGC tinha, no chão manjaco, bases militares em Coboiana-Churo, Burné, Belenguerez, Dal e Ponta Matar, mas quase não tinha acções ofensivas junto do exército português e, em consequência disso, a sua possibilidade de controle de populações estava muito restringida. Segundo ele, o PAIGC não tinha a intenção de ganhar tempo para se rearmar, mas sim para adequar um novo dispositivo táctico-estratégico, na região do chão manjaco, onde evidenciava um certo desfalecimento face à campanha de Spínola Por uma Guiné Melhor.
Guiné > Região do Caheu > Chão Manjaco > Pelundo > 1974 > "Chegada do PAIGC ao quartel do Pelundo para substituir a soberania portuguesa.( Foto que me foi gentilmente enviada por João Lemos, ex-Alferes Miliciano que viveu, naquele quartel, a independência da Guiné-Bissau)" (João Tunes)





Guiné > Região do Cacheu > Chão Manjaco > Pelundo > "Aqui, neste quartel, vivi uma parte da guerra colonial na Guiné. No Pelundo, perto de Teixeira Pinto (hoje, Canchungo).(Foto que me foi gentilmente enviada por João Lemos, ex-Alferes Miliciano que viveu depois, no mesmo quartel, a independência da Guiné-Bissau) " (João Tunes)


Fotos: © João Tunes (2004) (com a devida vénia. vd. Blogue Bota Acima > 30 de Abril de 2004)


O desfecho deste encontro foi uma consequência da existência de contradições no seio do PAIGC ?

É praticamente confirmado que os entendimentos estratégicos entre as cúpulas do PAIGC estavam a atravessar um momento complicado, fruto de rivalidades entre líderes e, principalmente, entre o bureau político e o militar e entre guineenses e caboverdianos. Os encontros com exército português foram estabelecidos por guerrilheiros, ao nível de bigrupo, descrentes num projecto vitorioso, face a essa restrição/descoordenação das cúpulas. Caminhavam para uma dissidência do PAIGC.Tinham já opiniões divergentes. Estavam já próximos ou mesmo consonantes com os argumentos dos negociadores portugueses e acompanhavam a notória evolução sócio-económica que estava a ocorrer no chão manjaco.
Mas o clima de suspeições entre as hostes do PAIGC fez-se sentir. A sua direcção ter-se-á apercebido da traição de alguns dos seus e das consequências terríveis que poderiam advir da concretização deste objectivo. Alguns dos negociadores, apercebendo-se do destino que lhes estaria reservado, a liquidação, pura e simples, e numa estratégia de última hora (sob pressão dos mais próximos ?) terão invertido, de forma radical, o seu propósito e quiseram eles próprios protagonizar o sangrento desenlace da operação, com o objectivo de disfarçarem a sua conivência, perante os superiores do PAIGC.

Terá havido discrepância de informações entre a PIDE em Teixeira Pinto e a PIDE em Bissau, que justifique o desfecho do encontro ?

É provável que em Bissau (no QG e na PIDE) tenha havido uma avaliação mais fria e realista dos riscos do que quem estava no terreno (Teixeira Pinto). Estes, pelo desenrolar dos vários encontros e o clima de confiança reinante, provavelmente já ansiavam por este dia e por uma grande vitória ou viragem no evoluir da guerra. Naquele momento já nenhuma regressão era possível e entende-se bem porquê.
Por isso é que estes valorosos militares têm sido e sempre o serão como autênticos exemplos de amor patriótico. Eles foram para o encontro cientes da necessidade da consumação do processo mas também sabiam os perigos que correriam e a prova disso mesmo é a carta que um dos majores deixou escrita à esposa, na qual confessava o seu receio pelo desfecho da operação. A alguma eventual apreensão, sobrepôs-se a noção do dever de militar, a noção da irreversibilidade do processo e um entusiasmo, a quente, em que a probabilidade de êxito também se terá sobreposto a cenários pessimistas.
Num panorama destes, julgo que os majores foram corajosos e temerários, mas não inconscientes nem imprevidentes (o cenário era para aí de 95% de probabilidade de sucesso e o êxito seria grande). Obviamente que o que mais impressiona nisto é a forma bárbara como acabaram com eles mas os factores de efeito psicológico não são as traves mestras da guerrilha e da contra-guerrilha?
(JT)

Os majores trabalhavam em íntima colaboração com o inspector da PIDE em Teixeira Pinto ?

Sim, principalmente com o major Joaquim Pereira da Silva, que tinha um papel primordial na obtenção de informações, na infiltração de informadores, etc.

Spínola tinha informações junto e dentro da direcção do PAIGC ?

Sim, a partir da direcção da PIDE, em Bissau.

Spínola já tinha estado em algum encontro com o PAIGC ?

Sim, no primeiro.(JV).

Onde se realizou esse encontro ?

Junto a Umpacaca.(A cerca de 43,44 Km a NW de Bissau - 12,56 Km a Sul do Pelundo e a 25,96 Km a Sul de Jolmete).

Que outros encontros são conhecidos ?

Pigane, Capunga, Jolmete…

O objectivo do PAIGC seria mesmo tentar a captura de Spínola ?

Segundo um depoimento de Luís Cabral, datado de 13 de Janeiro de 1995 (quando se encontrava exilado em Portugal), não estava nos planos do PAIGC a morte dos interlocutores. A intenção era prender o General Spínola.

A tese de que Spínola teria, 2 dias antes deste acontecimento, vindo a Lisboa para uma reunião com Marcelo Caetano, a pedido deste, não tem fundamento ? Ou, realizou-se ainda a tempo de estar na Guiné no dia do encontro com o PAIGC ?

Várias fontes confirmam que Spínola quis ir, pessoalmente, presidir à rendição e só foi disso dissuadido no último minuto. É sabido que, logo após o incidente, esteve no local e perante aquele cenário, de todo inesperado, foi visto a chorar convulsivamente. À sua frente, estendidos na picada, estavam aqueles militares de elite e seus homens de confiança.

Não teria o mínimo de sentido que Spínola, perante a previsibilidade de sucesso desta acção, de efeitos tão relevantes para o evoluir e o desfecho da guerra, viesse a Lisboa nas vésperas do encontro que marcaria o epílogo das negociações que já decorriam há alguns meses. Esta notícia só teria sentido em jeito de justificação para a sua dissuasão, no último momento.

A selvajaria do comportamento dos guerrilheiros do PAIGC não terá sido acicatado por estes terem verificado que Spínola não estava presente ?

Todos os indicadores parecem apontar para essa probabilidade, visto que Spínola teria deixado entender o seu propósito de estar presente. O objectivo essencial, nas congeminações do PAIGC, era a sua captura, conforme os seus altos dirigentes vieram, anos depois, a confirmar.

Quem convenceu Spínola a não comparecer ao encontro fatídico?

Quase a certeza que foi Silva Cardoso, responsável pelas informações no Quartel-
-General (QG), Bissau.(JT)

Quem foi o autor material das punhaladas que consumaram o massacre ?

De acordo com dois autos de interrogatório a dois guerrilheiros do PAIGC capturados após o acontecimento, ficou a saber-se que um deles (Guade Nam Indami) foi o autor material desses golpes fatais. Este era o mais lendário e temível de entre os comandantes de bigrupo. Representava a maioritária massa combatente balanta, na elite combatente do PAIGC. Perante a PIDE, conseguiu dissimular as suas responsabilidades no PAIGC e iludi-la sobre a sua participação na matança. Ainda nestes dois autos se confirma que um ou outro major, após ter sido metralhado, ainda resistia, quando finalmente foram finados à punhalada. São conhecidos alguns pormenores da chacina, mas porque ferem sensibilidades não se abalança a total descrição.(LA)

Um familiar de um dos massacrados militares refere que um deles foi finado com uma catanada no estômago, outro com decepação da cara (também com catana) e que outro tinha um punhal espetado na zona do coração. (Não foi ainda possível confirmar se este dado é correcto ou está deturpado, mas tudo parece indicar que o acto terá sido inexorável e selvagem).

Notícia publicada no Jornal Tal & Qual, em 3 de Maio de 1996, assinada por Manuel Catarino, refere protagonistas diferentes na consumação desta barbárie:

“Os Majores avançam decididos e chegam ao ponto estabelecido para o encontro. Mal sabiam eles que um grupo de guerrilheiros entrincheirados esperava um sinal do comandante Inácio da Silva para os abater com saraivadas de metralha. Raul Passos Ramos, um combatente de excepção e um dos mais condecorados oficiais portugueses, foi o primeiro a saltar do jipe. O guerrilheiro Júlio Biague vai ao seu encontro, como combinado e, quando está suficientemente perto, dispara com raiva a metralhadora. Magalhães Osório, Pereira da Silva e o alferes Mosca, que o acompanhavam, ainda tentaram fugir. Nem uma arma tinham levado com eles. Foram abatidos e os corpos mutilados à catanada. Spínola estava para ir a este encontro com a guerrilha – mas, na véspera, fora demovido de acompanhar os seus homens”.

Não sei até que ponto este detalhe corresponde, de forma fidedigna, ao desenrolar do acontecimento e se Júlio Biague foi, efectivamente, o autor material da chacina.

Embora tenha derivado de entendimento prévio, porque terão os majores ido sem segurança e desarmados para este encontro ? As nossas tropas poderiam ter feito uma segurança dissimulada e de proximidade !
Aquele era o culminar de vários encontros e negociações anteriores em que tudo tinha corrido às mil maravilhas, havendo conquista total de confiança de parte a parte. E com escolta e armas não havia encontro (das vezes anteriores, também os do PAIGC apareciam desarmados).

O que falhou do lado do exército português ?

Não existe uma explicação profunda. A este propósito, diz Ramalho Eanes: “No vazio dramático criado, importava perceber o que falhara, quais as intenções do PAIGCV, e impedir que as populações da área (manjacos, fulas e mandingas) sucumbissem ao medo e caíssem nos braços do PAIGCV.

"Chegados a Teixeira Pinto, eu, o major Luz de Almeida e o comandante do CAOP, coronel Alcindo, encarregámo-nos desta árdua tarefa. Aumentou-se discretamente a actividade operacional e intensificaram-se as reuniões com os chefes locais, nas quais comparecíamos desarmados e apenas com o intérprete, para mostrar quanta confiança nos mereciam.

Acelerámos, também, as acções do Programa de promoção socioeconómica, em curso, com a introdução de novas espécies de arroz, recuperação de bolanhas e reintrodução da tracção animal. Tudo em coordenada cooperação com técnicos agrícolas africanos, e com o administrador local, homem tão competente, quanto entusiasta e humano. Lembro, com saudade e não sem orgulho, o muito - afinal tão pouco - que em conjunto fizemos”.

Qual o local, exacto ou provável, do massacre ?

De acordo com um testemunho actual do então 1º Sargento da CCAÇ 2586 (Pelundo), João Godinho, responsável pela passagem do relatório da fatídica ocorrência, esta terá ocorrido quase a meia distância entre o Pelundo e Jolmete, na picada, onde a densa vegetação dá lugar a uma clareira de chão aberto.
Analisado o percurso actual, vislumbra-se um espaço descerrado da mata (lado esquerdo da picada, no sentido Pelundo-Jolmete), nas coordenadas de: Lat. N. 12.1641667 e Long. W. 15.912385 (a 7 Km do Pelundo e a 8,65 Km de Jolmete). Estrada plana, à altitude de 28 m. O terreno, de um e do outro lado da picada, inclina ligeiramente para esta. A estrada começa depois a descer (direcção de Jolmete), passando, num espaço de 1000m, de 28 para 8m de altitude. A tabanca mais próxima, Cachabate, fica a cerca de 2,5 Km, a NW do local em referência.

Tudo parece indicar que terá sido este o local do trágico encontro (vd. mapas a seguir):

(pequenos vales fluviais de savana herbácea (bolanhas de Lala), com franjas de palmeiras de óleo (cibes). Nestes locais da picada, o solo ficava, por vezes, ligeiramente submerso, na estação das chuvas) (*).


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(*) Lala – Zona em depressão onde os solos são submersos ou com lençol freático muito próximo da superfície, na estação das chuvas. Têm estrato herbáceo de 1 a 2 metros, quase desprovida de árvores com rara excepção na sua extremidade, onde se encontra franja de palmeiras de óleo (cibe). Na Guiné-Bissau predominam as bolanhas de lala e as bolanhas de tarrafe (mangais).


Quem procedeu ao levantamento dos corpos ?

Ter-se-á levantado a dúvida se Ramalho Eanes teria comandado a força que procedeu ao levantamento dos corpos, mas tal não aconteceu, como o próprio confirma num dos seus depoimentos sobre o assunto : “um segundo tempo, vivi-o em Teixeira Pinto, como oficial de informações do CAOP. Para ali fui inopinadamente transferido, por indicação do general Spínola, para substituir um militar excelente e um homem de eleição, o major Passos Ramos, traiçoeira e selvaticamente morto (com outros militares desarmados) no Chão Manjaco, no decurso de negociações com o PAIGCV”.

De acordo com a informação recentemente recolhida junto de João Godinho, então 1º Sargento da CCAÇ 2586 (Pelundo), essa incumbência coube a militares da mesma CCAÇ 2586, sob as ordens do seu comandante, o Capitão Neves.


Como lidou o PAIGC com este delicado dossiê?

Não havendo respostas concretas, o historiador guineense Leopoldo Amado, formula hipóteses explicativas plausíveis para o acontecido :

No quadro geral da guerra colonial/guerra de libertação da Guiné, o chão manjaco e o chão fula eram (e sempre foram), de facto, os calcanhares de Aquiles do PAIGC. Disso tinha ele profunda consciência, na medida em que, sintomaticamente, Amílcar Cabral o assinalou por diversas vezes, inclusivamente, no início da guerra, quando deu a conhecer os seus estudos da estrutura social da sociedade guineense. O exército português conhecia bem essa realidade.

Por esta altura o PAIGC estava a adoptar uma postura de contemporização para melhor adequar o seu dispositivo táctico no terreno, enquanto que não é também de afastar a hipótese de que a PIDE-DGS e o exército português, assim como os respectivos serviços de informações e contra-informação, estariam, de igual modo, em todo o processo de conversações, a contemporizar a melhor oportunidade de conseguir aliciar e desmantelar a estrutura político-militar do PAIGC no chão manjaco. Também o evoluir do projecto governativo Por uma Guiné Melhor aconselhava ao avanço paulatino das negociações.

Contudo, para o PAIGC, o arrastamento, por um período relativamente longo, só foi possível porque a sua direcção delas não tinha conhecimento e, quando o teve, apressou-se a decepar completa e imediatamente o assunto, antes que a situação se tornasse irreversível.


Que vantagens imediatas para o PAIGC, resultaram deste fim inopinado das negociações ?

A direcção do PAIGC, in extremis, conseguiu várias proveitos: recuperar a guerrilha local para a lealdade absoluta ao PAIGC (depois de matarem os majores, foi-se qualquer margem de futura traição); incrementar a combatividade desses guerrilheiros locais (para se limparem da nódoa do jogo de traição em que antes tinham estado metidos); perturbar a relação das FA com as populações pelo incremento da conflitualidade militar na zona. Só não atingiram o maior objectivo: deitar a mão ou matar o próprio Spínola.


Ideia, pesquisa, compilação e edição

Afonso F. Sousa

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Notas de L.G.:

(1) Vd. alguns posts do autor:


21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1094: O abandono dos Mortos pela Pátria (Afonso Sousa)

4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P843: Ouvir as 'costureirinhas' a bordo de uma LDG (Afonso M.F. Sousa)

26 Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCIII: Saudações ao Barreto Pires (Afonso M. F. Sousa, CART 2412, 1968/70)

13 Março 2006 > Guiné 63/74 - DCXXV: Barro, CART 2412, 1968/70 (Afonso M.F.Sousa)

31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVII: Em perigos e guerras esforçados... (Afonso M.F. Sousa / A. Marques Lopes)

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIII: Barro, trinta anos depois (1968-1998) (Afonso M.F. Sousa)

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCII: A zona tampão de Barro, Bigene, Binta, Guidage e Farim (Afonso M.F. Sousa)


(2) Sobre este tópico, vd. posts anteriores:

11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco: Do Pelundo ao Canchungo... (João Tunes)

12 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXXIV: João Tunes: Do Pelundo e do Canchungo ao Catió...


7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLIII: Respeito pelos manjacos, se faz favor! (João Tunes)

27 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXVI: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes

26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco(João Varanda)

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