sábado, 10 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

Guiné > Bissau > Brá > Companhia Caçadores Paraquedistas 122 > Emblema








Guiné > Bissau > Brá> 1970 > Os meus grandes amigos da Companhia de Caçadores Paraquedistas nº. 122: O Hoss e o Rodrigues. Em cima: O primeiro a começar da esquerda é o famoso Hoss, assim conhecido por todos incluindo os familiares, e julgo também o staf dos CTT, porque bastava escrever na carta ou no aerograma no endereço HOSS Paraquedista, sem SPM nem nada, que a correspondência lhe ia chegar às mão. Era 1º Cabo Enfermeiro (julgo eu). O segundo era o Soldado Manuel Conceição Rodrigues, que era meu amigo desde há muitos anos, quando ele esteve a trabalhar na construção dos Estaleiros da Lisnave. Daí quando ía a Bissau, em vez de ficar no Depósito Geral de Adidos, ía comer, beber e pernoitar no quartel de Brá com estes meus grandes amigos. O terceiro da fotografia sou. Na fotografia do meio, vê-se o Hoss a aparar um murro no estômago, como mandavam as regras. Na terceira foto em grupo, estou (à esquerda) e o Rodrigues (à direita).

Também tinha amigos nos Fuzileiros, pois sou natural da Cova da Piedade, onde está instalada a Base Naval do Alfeite, e por esse facto conhecia alguns. E enquanto estive em terras da Guiné, eu era... Parafuso... Sabes o que é ? Vou-te contar uma estória, mais uma estória de Bissau (1).

Fotos: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.

Paraquedistas, Fuzileiros e... Parafusos
por Tino Neves (2)


Camarada Luís Graça:

Já há algum tempo que não participo no envio de histórias ou simplesmente a comentar algum assunto/tema, mas não tenho deixado de ler todos os e-mails para mim enviados, assim como visitar o blogue sempre que posso.

Desta vez, vou contar uma, aliás duas numa só, ou seja uma está inserida no contexto da outra. Vou tentar ser objectivo, pois o tema é um pouco complicado. É sobre duas Forças Especiais, de muito respeito: à parte dos Comandos, os Paraquedistas e os Fuzileiros foram as Forças mais sacrificadas no teatro de guerra da Guiné. Tem-se falado pouco nelas, pois na nossa Tertúlia não consta nenhum elemento dessas mesmas Forças (julgo eu) (3).

A estória é-me contada em 3ª ou 4ª mão, foi-me contada por uns amigos paraquedistas, portanto é a sua versão (deles, paraquedistas).

Então é assim:

Não tenho a data do acontecimento, mas julgo ter sido em 1968.Houve um jogo de futebol de onze no campo do Benfica. Não me recordo, ao certo, do nome completo do clube de futebol. Sei que era de Bissau, só me lembro que era do Benfica.

Os contentores eram obviamente os Fuzileiros contra os Paraquedistas, o jogo estava a correr muito bem, mas a um dado momento gerou-se uma troca de mimos, na assistência, entre as claques que chegaram mesmo a vias de facto (ou seja pancadaria).

Os Fuzileiros, estando relativamente perto do aquartelamento deles, correram a armarem-se, ou pedir reforços, não sei, mas os Paraquedistas aperceberam-se disso e foram em seu encalço. A praça que estava de guarda na porta de armas do quartel, apercebendo-se do que se estava a passar, chamou o Cabo da Guarda e perguntou-lhe o que deveria fazer neste caso. Foi-lhe dada ordem de disparar, o que fez, originando a morte de um Paraquedista.

A partir daí, qualquer Fuzileiro não se podia relacionar com Paraquedistas, e vice-versa, pelo que acontecia muitas vezes pancadaria entre ambos e, quando acontecia, cada um ia chamar o seu Camarada protector. O Protector dos Fuzileiros era um Cabo (julgo eu) chamado Lages, e da parte dos Paraquedistas também havia um Cabo, Enfermeiro,conhecido por Oitenta.

Em café, esplanada ou qualquer espaço onde houvesse confrontos entre Fuzileiros e Paraquedistas com os seus respectivos Protectores, não restava nada que ficasse de pé.
Quando os dois Cabos se encontravam no mesmo passeio, um deles tinha que mudar , porque ambos não se podiam cruzar.

Uma dada altura os Fuzileiros resolveram vingarem-se do Cabo 80, e sabendo que o 80, quase todos os dias antes de se recolher no quartel de Bissalanca, ia visitar a sua bajuda, que ficava relativamente perto, mas tinha que passar por alguns sítios isolados, resolveram fazer-lhe uma espera.

No dia combinado, o Cabo 80 quando já estava de regresso ao quartel, ouviu um cão a ladrar e, como o seguro morreu velho e o acautelado ainda é vivo, ele agarrou num pilão, não viesse o cão morder-lhe, mas para grande espanto dele, não foi o cão que apareceu, mas sim sete ou oito Fuzileiros armados de facas de ponte e mola.

Ele percebendo-se que também estava armado (e bem armado) com um grande pilão na mão, foi só despachar os Fuzileiros e, quando chegou ao quartel, telefonou para o Hospital para que os fossem buscar.

Após todos estes acontecimentos, os meses foram passando, e foram chegando novos militares para ambas as Forças, e esses novos militares começaram a confraternizar com amigos, vizinhos ou familiares vindos da Metrópole. Esses foram alcunhados de PARAFUSOS, o que eram uma grande desonra porque não eram PARA(quedistas) nem FUZ(ileir)OS... Eram uns híbridos, PARAFUZOS...

Espero que esta triste estória não passe disso mesmo, uma estória, e que tanto os FUZOS como os PARAS não levem a mal eu vir aqui contá-la, e que a vossa amizade hoje e sempre esteja bem FORTE e bem APARAFUSADA.

Pois como disse atrás, os Fuzileiros e os Paraquedistas foram (e são) umas grandes e respeitáveis Instituições, e com Grandes Homens e Valorosos Guerreiros. Dos Fuzileiros, só conheci - aliás vi várias vezes em Bissau, sempre à civil - um rapaz novo assim como nós, lourinho e sempre bem acompanhado. Tentei saber quem era, e alguém me contou que era um Fuzileiro e que só tinha uma farda, (um camuflado e um chapéu de palha). Era o Setúbal.
E da parte dos Paraquedistas, conheci vários entre eles, o Hoss assim era conhecido por todos: a correspondência que recebia dos amigos e própria família só dizia Hoss - Paraquedista, mais nada, nem sequer o SPM ou Guiné, e ela chegava-lhe semopre às mãos.

Junto fotos - eu com o meu amigo de longa data, desde a Metrópoloe, o Rodrigues, mais o Hoss, no aquartelamento de Bissalanca (Companhia Caçadores Paraquedistas nº. 122) em 1970. O Hoss assim como o Oitenta, ambos Cabos Enfermeiros, foram bastante condecorados. O Oitenta não cheguei a conhecer mas conheci (vi várias vezes em Bissau) também um grande Homem e combatente que na altura também diziam que ele tinha a cabeça a prémio. Estou a falar do Capitão na altura, hoje Coronel na reforma, Terra Marques.
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último post desta série: 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

(2) Vd. post de 3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71).

(3) Tino, não é verdade: O Jorge Santos, que é um tertuliano da primeira hora, pertenceu a uma companhia de fuzileiros, embora tenhfa estado em Moçambique. O Vitor Tavares e o Manuel Rebocho foram paraquedistas...

1 comentário:

victor simoes disse...

Caro Luís Graça. Como me recordo bem do BCP Nº12 em Bissalanca. Aínda era míudo e convivia muito com o pessoal Páraquedista, jogava basquetebol na equipa de miúdos que o Capitão Novo (Força Aérea) treinava. Recebi também aí a influência para me alistar nos Páras em 1981, como voluntário aos 18 anos.

Um grande abraço