quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1554: As nossas mulheres (1): As que ficaram na retaguarda (Luís Graça /Paulo Raposo / Paulo Salgado / Torcato Mendonça)

Lisboa > Algés > Administração do Porto de Lisboa > Fevereiro de 2007 > Âncora, junto à famosa Torre VTS, desenhada pelo Arquitecto Gonçalo Byrne. Metaforicamente falando, as nossas Mulheres, mães, esposas, irmãs, namoradas, amigas ou simples madrinhas de guerra foram, para muitos de nós, combatentes, uma importante âncora, na rectaguarda.

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.

Ainda a propósito da trágica estória do Fernando Gaspar Ribeiro (1). Comentários recentes de vários membros da nossa tertúlia:


1. Do Paulo Raposo:

Olá, Luís. Mais uma vez te tenho de tirar o chapéu. Pois nem todos os dias há tempo e disponibilidade para estar atento a todos. Bem hajas, rapaz. Estás a fazer história.

Vai um beijo para a amiga que nos escreveu. Todos nós tinhamos uma Maria que ficou na retaguarda. O Fernando ficou por lá e nós voltámos, a história também podia ter sido escrita de outra maneira.

Em Cutia estive três vezes em 1967. De passagem para uma operação ao Morés, emboscado toda a noite perto do trilho IN que passagem próximo e a bater a zona depois de o pessoal de Cutia ter sofrido uma emboscada à saída de Mansoa, que deu um ferido (...). El Almançor

2. Do editor do blogue:

Paulo: Não se trata de fazer história (pelo menos, com H grande), mas apenas a de estarmos minimamente atentos uns aos outros e tirarmos partido do facto de sermos um grupo em rede, de podermos explorar as imensas potencialidades que é a interacção e em comunicação em rede...

Repara: nem esta mulher nem o César Dias (ex-furriel miliciano da CCS do BCAÇ 2885 que esteve em ou passou por Cutia, entre 1967 e 1969) pertencem à nossa tertúlia, ou estão na nossa lista de e-mails... E mesmo assim vieram ter connosco, por via do nosso blogue (que já tem 184 mil visitas)... Dramas como este que nos foi relatado, fazem parte da nossa história trágico-marítima... Têm no mínimo metade dos mil anos da nossa identidade como portugas... Isso deve dar-nos também algum alento, força, coragem... Obrigado a todos.

3. Do Paulo Salgado:

Vivam Todos! Deste meu canto, aqui em Gaia, e num finzinho de tarde, queria deixar a minha partilha - para as Mulheres e Noivas, e Mães, para todas sem excepção. A elas se deve muito do que fomos durante meses a fio (claro que alguns nem madrinha de guerra tiveram, por opção!). Recordo o Mendes - onde estarás tu, meu portador da metralhadora, transportador de fitas de balas e meia dúzia de granadas? - que, casado, com uma filha (ou filho?), ficava completamente desvairado quando a Dornier chegava sem um aerogramazinho para ele! Era bebedeira a jorros, era choro que nem criança, era agressividade - ele, um bom rapaz que, ao outro dia se desfazia em desculpas!

Vede bem: como pôde um homem sobreviver? Como foi possível que a maioria - que jovens que éramos! - tenha sobrevivido!

Para Vós, Mulheres, que sofrestes, que aguentastes a criação de filhos, que suportastes a solidão de um quarto vazio, que chorastes sobre os lençóis, que erguestes as preces aos céus, vão nossos louvores.

Ainda hoje nos aturais - nos nossos devaneios passadistas, nas conversas sobre sortes e fraquezas que tivemos e que não nos cansamos de repetir nas reuniões das companhias. E, à medida que o tempo decorre, melhor reconhecemos a imensidão do Vosso apoio!

Para Vós, um grande agradecimento. Paulo Salgado

4. Do Torcato Mendonça:

(...) aquele grito sem som, lancinante por um amor não realizado. Sente-se um aperto no peito, mais próprio ou mais vulgar, em homens como nós. Estivemos lá, sentimos, vivemos a vida e a morte, os mutilados, a brutalidade do gesto na acção, nosso ou de outros, em ambos os lados da contenda. São marcas indeléveis para todo o sempre, por isso melhor a compreensão a solicitações destas.

(...) Quantas mulheres lançam, ainda hoje, gritos de silêncio ou saudosamente recordam, na solidão, no seu íntimo, aqueles que outrora amaram e uma causa, uma loucura, desta vida, da vida deles, prematuramente, os fez separar!?

Oxalá esta mulher tenha a resposta que merece. Oxalá.

Sabes, parei e voltei. O sol já se escondeu por detrás dos montes. É uma hora mais triste ou mais propícia à meditação, a estarmos mais perto de nós. Velho tonto…

Devia guardar ou apagar este matraquear de teclas. Vale a pergunta recebeste as mensagens e anexos? Por um blogue melhor, livre, solidário em abraço a todos os que acham que este mundo deve, tem que, ser mais fraterno. Eu fico-me, meu caro camarada…e acredito… Chato eu sou! Um abraço, Torcato Mendonça

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 24 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1544: Quem conheceu o Furriel Mil Art Fernando J. G. Ribeiro, morto na picada de Binta-Farim em Julho de 1973 ? (Luís Graça)

3 comentários:

Klatuu o embuçado disse...

Meu caro senhor, antes de mais aproveito para o cumprimentar e congratular por este espaço, que já acompanho do anterior.

Sou pessoa interessada pelas coisas militares - vai-me perdoar não lhe dizer quem sou, mas prefiro o conforto do anonimato, sabendo, como o senhor sabe, que nem sempre uma máscara esconde um vilão ou um cobarde - e considero o seu blogue do melhor que já li sobre a amargurada memória do papel das Forças Armadas em África.

Interrompo o meu silêncio de leitor atento, para o informar que usei uma foto do seu blog num post do meu - como é óbvio indiquei a proveniência.

Os melhores cumprimentos!

P. S. E que nada o espante... muitas vezes o que deve ser dito... precisa de falar a língua de outros públicos para que possa ser entendido... e ter eficácia.

Klatuu o embuçado disse...

Já agora aproveito para lhe indicar a leitura de umas coisas que escrevi em meu outro blog, de que penso que gostará, principalmente deste texto: http://gothland666.blogspot.com/2006/05/o-heri.html
... mas tomo a liberdade de lhe aconselhar também este e os links para onde remete: http://gothland666.blogspot.com/2006/09/aquele-que-vai-morrer.html

Homens como o senhor, lúcidos e democratas, fazem-me sentir orgulho nesta nossa maltratada Pátria!

Klatuu o embuçado disse...

Ah, já me esquecia... também tomei a liberdade de fazer bom uso de um comentário seu, sem o qual o meu post perderia o sentido...
Espero que isso não lhe provoque qualquer incómodo, de boa fé o fiz - e porque não poderia deixar de referir a sua bem humorada referência aos «góticos»... Não resisti! :)

P. S. Gente do meu sangue também combateu nas Áfricas, nos três Ramos das Forças Armadas - sei bem do que se fala neste seu espaço.