segunda-feira, 5 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1564: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (7): Fogo no capinzal

Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > Dulombi > 1971 > Mina anticarro (A/C) levantada entre Dulombi e Palai Numba.


Guiné > Zona Letse > Subsector de Galomaro > Dulombi > 1971 > As minas antipessoais (A/P) que acompanhavam a A/C.


Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > 1971 > Jantar: Da esquerda para a direita, os Alferes Barata, Santiago, Ravasco, Alf Estagiário do CPC, Correia, MacMillan e Barros.


Foto: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados.


VII Parte das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72).



Uma semana após a abertura da picada ligando Saltinho-Chumael-Galomaro, via Pulom, recebo ordem para me apresentar na sede do batalhão, com o meu grupo de combate. Aí sou informado para seguir para Dulombi,onde iremos participar numa operação - como sempre esqueci o nome - com a duração prevista de três dias.

Distribuídos por dois Unimog 404, chegamos a Dulombi, onde nunca tinha estado, ao cair da noite. As instalações eram muito mais precárias que as existentes no Saltinho. Naquela noite, além do Pel Caç Nat 53, havia também um grupo de combate da CCAÇ 2699, estacionada em Cancolim, pertencente também ao batalhão de Galomaro. A companhia de Dulombi era a CCAÇ 2700, comandada pelo Capitão Carlos Gomes, que conhecera, em Outubro de 1970, na minha viagem no Dakota, de Bissau para Bafatá, era eu um periquito, com três dias de Guiné (2).

Estávamos em Abril de 1971, quase no fim da época seca, e os comentários ao jantar davam a entender que a operação poderia ser complicada.

Às cinco da manhã estava tudo preparado para arrancar, 2 Grupos de Combate da CCAÇ 2700, o Pel Caç Nat 53 e o Gr Com da CCAÇ 2699. Já tinha saído um Gr Comb, com Milícias, picando o itinerário que seguia até à tabanca (abandonada) de Palai Numba, onde nós deveríamos chegar nas viaturas.

Na frente da coluna seguiam as viaturas de Dulombi, seguidas pelas do Pel Caç Nat 53, sendo a coluna fechada pelas viaturas que transportavam o pessoal de Cancolim. Comandava este pessoal, saído de Dulombi, o Cap Carlos Gomes, sendo os Gr Comb da 2700, comandados pelos Alf Mil Correia e Barros, sendo o Alf Mil Mac Millan o comandante do Gr Comb da 2699. Eu, como era lógico, comandava o 53.

Teriam passado pouco mais de trinta minutos, pára tudo repentinamente. Há um militar vindo lá da frente, que vem informar todas as viaturas da detecção de mina(s) na picada. Digo ao meu grupo para se apear, instalando-se, com o máximo cuidado, não vá haver por ali mais minas A/P ou armadilhas.

Depois de instalado, informam-me, através do AVP 1, que vão tentar levantar uma mina A/C. Passa mais de uma hora, quando voltam a informar terem sido detectadas nas redondezas seis minas A/P, que irão levantar. Passa mais um tempo indeterminado, até finalmente, informarem que foi tudo levantado, o grupo de picagem já tinha seguido, e nós iríamos prosseguir dentro de meia hora.

Passado este tempo, retomamos os nossos lugares nas viaturas,e inicia-se o andamento da coluna. O quarto Unimog, da 2700, seguia à minha frente, guina, desviando-se do buraco, onde tinha estado a A/C, há um rebentamento, uma nuvem de terra, saltamos instintivamente para o chão procurando abrigo. O que acontecera ? Houve uma mina A/P que não fora detectada, tendo sido pisada pela roda traseira esquerda, quando aquela viatura se desviou do buraco. Não havia ferimentos pessoais, apenas o pneu e jante tinham ficado danificadas. Mais uma espera, para mudarem a roda. Após a mudança, lá seguimos em direcção a Palai Numba, onde chegamos por volta das treze horas,parecendo que era previsto estarmos naquele local às dez mas as previsões falham…

Iniciamos o percurso apeado. Era uma fila imensa e, à nossa frente, estendia-se uma bolanha sem fim, coberta de capim seco. Seguíamos pelo meio deste capim e há um dos tipos de Cancolim que seguiam atrás do 53, que deve ter atirado uma beata para aquele capinzal. Apercebemo-nos, atrás de nós, que está o capim em chamas e a progredir na nossa direcção. Somos sobrevoados por um heli, que entra em contacto connosco, via rádio, mas não nos consegue ver, tal é a fumarada. O fogo avança, não se vê mata, onde nos refugiarmos, naquele mar de palha a arder.

Começamos a ficar apreensivos e começamos a correr. Ao fim de alguns minutos de corrida e de quase pânico, avistamos um tufo de mata, no meio do capinzal. Acelera-se o passo, ainda mais, e lá conseguimos chegar àquele abrigo de mata que teria pouco mais que um hectare. Ardeu tudo à volta daquelas árvores. Tínhamos estado à beira de um desastre. Claro que ninguém sabia quem atirara o cigarro.

Voltou a aparecer o heli, que facilmente nos localizou, já sem fumo, no interior daquele tufo de mata. Era o Gen Spínola que vinha saber como estava a decorrer a operação pelas nossas bandas. Havia mais militares envolvidos na operação, tanto deste lado, como do outro lado do Corubal. Chegamos à margem deste rio perto do anoitecer, onde nos instalamos para passar a noite. No dia seguinte dois Gr Comb seguem a margem do rio para montante e os outros dois para juzante. A missão era encontrar possíveis locais de cambança e aí montar emboscadas.

Não encontramos qualquer vestígio de passagem do rio. Voltamos a reunirmo-nos, no dia seguinte logo pela manhã. Vimos passagens de Fiats e helis e ouvimos muitos rebentamentos para os lados do Cheche e do Boé, no lado de lá do Corubal.

As viaturas foram buscar-nos, onde nos tinham deixado dois dias antes, tendo regressado a Dulombi sem problemas.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

(2) Vd. post de 12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado

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