terça-feira, 13 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos


1. Mensagem do Manuel Lema Santos. Comentário ao post de João Tunes (1) :

Caros ex-Camaradas da Guiné e Amigos Tertulianos,

Nem sempre o silêncio representa acordo e muito menos uma voz tonitroante significa razão ou peso adicional na média ponderada do resultado final.

Muito recentemente manifestei a minha clara opinião sobre o significado da palavra desertor (2), com a ideia subjacente de não voltar a desejar participar, mesmo calado, num debate que envolva um étimo desse tão negativo quilate emocional.

Exigem-mo, em consciência, o meu próprio percurso pessoal partilhado com mulher e filhos. Adicionalmente, a lembrança de um pai que eu e mais dois irmãos já não tivemos ocasião de abraçar no regresso e de uma mãe que para lá disponibilizou simultaneamente 3 filhos, reforça atitude e solidifica o conceito. Um na Marinha, eu próprio, outro no Exército, meu irmão e médico do Batalhão 1933, ambos simultaneamente na Guiné e ainda uma irmã, em Angola, por via de ter casado com um oficial da FAP. Participação tripartida nas Forças Armadas, a que apenas escapou, na razia e casualmente, um quarto irmão mais novo.

Não terá sido uma heroína a minha Mãe, mas prestigiou o exemplo de muitos milhares de Mães, Mulheres, Noivas, Namoradas, Madrinhas, Amigas ou mesmo simples Conhecidas que, num amargurado silêncio pela conivência imposta, ainda recorreram a insuspeitas reservas de coragem para manterem a regularidade dos aerogramas, das cartas, do contacto possível, transmitindo alegria e coragem onde já não havia muito de ambas para partilhar.

Ainda, em jeito de conclusão, permitam-me acrescentar à lista o meu sogro, coronel do quadro do exército, reformado, oriundo do Colégio Militar, que ao longo do percurso militar que escolheu foi premiado com prisão na Índia em 1961 - esteve em frente de um pelotão de fuzilamento -, duas comissões de serviço como comandante de companhias em Angola (ferido em combate) e Moçambique (mais tarde). Posteriormente, para fechar e já como major, adjunto no EM de um dos sectores na Guiné nos anos 70 de onde foi evacuado com úlcera gástrica. Notável foi o simples regresso e apenas uma úlcera. Aparentemente, claro. Sossobrou a pessoa, fechada para a vida que nós ainda vamos conseguindo viver.

Não me recordo de alguém me ter falado em emigrar, fugir, dar o salto, em português muito claro, desertar, nem ser aconselhado a tal por algum familiar ou amigo.

Tenho a firme ideia de que não conseguiria conviver hoje com essa ideia e de ter de passar a evitar o memorial junto à Torre de Belém que visito com frequência mas nunca como culto. Antes sim, num misto de Homenagem e Paz, de consciência tranquila.

Quando solicitei ao Luis Graça a minha admissão num blogue de ex-combatentes da Guiné, com este nome, foi exactamente isso que fiz.

Se o deixar de ser, deixará de ter sentido a minha permanência no blogue, ainda que com a salvaguarda da admiração e respeito que ganhei por alguns camaradas que aqui já tive o prazer de conhecer.

Um abraço para todos,

Manuel Lema Santos
ex-1º tenente da reserva naval (1965-1972)
ex-Imediato no NRP Orion (Guiné, 1966/68)

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