quarta-feira, 13 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1844: Estórias do Gabu (6): Já chegámos à Madeira, ou quê ?! (Tino Neves)

Região Autónoma da Madeira > Ilha da Madeira > Maio de 2007 > Pico do Areeiro, o sítio mais alto da ilha (1818 m) a seguir ao Pico das Torres (1852 m) e ao Pico Ruivo (1862 m). Acessível por carro, é o mais visitado... Um deslumbramento... Ao fim de muitos anos (e de várias tentativas), consegui lá chegar, de carro, ao Pico do Areeiro e vê-lo, em dia sem nuvens nem frio nem chuva... Enfim, não basta chegar ao (e ficar no) Funchal, é preciso conhecer os picos e as veredas da Ilha e, claro, as suas gentes afáveis e hospitaleiras...

Esta estória do Tino Neves levanta-me uma questão (delicada): qual será exactamente a origem (e, portanto, a história) da expressão Já chegámos à Madeira ou quê ?!, que é claramente ofensiva para os madeirenses ?... Se alguém quiser, puder e souber responder, a gente agradece... Aproveito para mandar um abraço ao meu amigo e ex-camarada da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), José Vieira de Sousa, um madeirense dos quatro costados... (LG).

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.

1. Texto do Tino Neves , ex-1º Cabo Escriturário, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego (Gabu), 1969/71, enviado em 7 do corrente:

Caros camaradas Luís e Carlos:

Ontem enviei uma pequena estória de um Madeirense (1), e lembrei-me de uma outra, que resolvi primeiro analisar se a mesma teria conteúdo e que não fosse contra às regras do blogue.

Achei então, que para além de não quebrar as regras, serve a mesma para homenagear o homem que foi o ex-Sargento Ajudante Jaime Pitta, madeirense do Funchal e Porto Santo, que, sendo da GNR e para poder entrar no quadro de oficiais da GNR, teve que fazer, aos 54 ou 55 anos de idade, uma Comissão de Serviço na Guiné.

Foi para a Secretaria do Batalhão de Caçadores 2893, o meu batalhão, em rendição individual, alguns meses depois do Batalhão já estar em Nova Lamego (Gabu).

Senhor muito simpático e que eu prezava muito. Depois do episódio que vou aqui relatar, ainda mais o tive em consideração.

Faleceu em Março de 2005, com 88 ou 89 anos, depois de ter adoecido em 2003, nas vésperas de se deslocar a Lisboa para estar presente no 1º Encontro/Convívio da CCS do BCAÇ 2893, em Leiria, encontro pelo qual tanto ansiou.

Aí vai a estória. Um abraço do Tino.


Já chegámos à Madeira, ou quê?!
por Tino Neves


Foi capturado um soldado do PAIGC, e foi levado para as celas do Aquartelamento novo, de Nova Lamego (Gabu), ficando a aguardar transporte por via aérea, para Bissau.

E isso foi uma grande novidade para todos nós Como ainda nunca tínhamos visto um soldado do PAIGC, muito menos fardado a rigor, de caqui creme ou castanho claro - já não me lembro ao certo o tom - , com quico e botas de lona como as nossas, só com diferença na sola (que a deles tinha umas ranhuras que formavam umas divisas de sargento).

Toda a gente queria ver e falar com ele, pois ele falava bem português. Era um rapaz novo, de 18 ou 19 anos, e era apontador de lança-granadas-roquete, com a especialidade tirada em Moscovo.

Estava eu e mais alguns camaradas a falar com o preso, quando chega o Capitão Rodrigues (Cmdt da CCS). Oo soldado que estava de guarda ao preso, reclamou para o Capitão, de que já eram 2 horas da tarde e ainda não tinha sido substituído para almoçar. Então o Capitão pediu-me (ordenou) para ficar no lugar dele enquanto ele almoçava.

Mais tarde, ainda durante o meu posto de guarda ao preso, surge o meu Ajudante Jaime Pitta, que estava de Oficial de Dia, e vendo ali tanta gente agarrada às grades da cela para verem e falarem com o preso, resolveu correr com todos dali:

- Vá, todos embora daqui já ! - grita ele, empurrando a malta e indicando a porta de saída...

Mas eu fiquei, dizendo que não saía porque estava de guarda ao preso. Ele, não acreditando (os Cabos Escriturários não faziam guardas), tornou a repetir:

- Vá, todos embora daqui já! - e empurrando-me com uma certa violência, de tal modo que eu ía caindo.

Eu - como sempre, fui um pouco respondão, principalmente, quando me maltratavam, pois nunca admiti que me faltassem ao respeito - respondi:

- Mas o que é isto, já chegámos à Madeira ou quê ?! … (um termo muito usado nesse tempo).

Ele, o Sr. Ajudante Jaime Pitta, o Oficial de Dia, ouvindo isto, como madeirense que era, não gostou da minha resposta, e correu direito a mim com o braço no ar e de punho cerrado, gritando qualquer coisa que não entendi... Percebi é que ele tinha intenções de me agredir, pelo que fugi, pois não era oportuno fazer frente a um homem da idade dele, em fúria e um pouco tocado (bebido)... E principalmente porque ele tinha toda a razão, eu não tinha nada que responder aquilo, saiu-me...

Depois de fugir, fiquei à porta da prisão, pois não podia abandonar o meu posto, e fiquei a aguardar que ele chamasse o guarda ao preso, pois sabia que ele o faria, uma vez a G3 dele estava lá encostada à parede. quando o fez, respondi:
- Sou eu! - e pedi licença para entrar e explicar tudo.

Depois da minha explicação, ele respondeu:
- Espero que seja verdade, vamos aqui esperar por ele... - Assim que ele acaba de dizer isto, chegou o soldado, acabado de almoçar, que confirmou a minha versão.

Passadas 1 ou 2 horas depois, fez tenções de me convidar a ir ao ser quarto, e eu fui, aí vi um homem com uma grande satisfação e com uma lágrima no canto do olho, a mostrar-me fotos da sua esposa de 20 e poucos anos de idade, e sua filha bebé, e com uma das fotos de sua esposa na praia em fato de banho, dizia:
- Olha, ão é muito bonita e geitosa, a minha esposa querida?!<- É, sim - respondi eu. - Pois é - retorquiu ele - desculpa o acontecido há pouco, pois eu tinha bebido uns copos para matar as saudades dela e da minha filhinha... Aí sem mais palavras e muito emocionado, respondi que o culpado tinha sido eu em dizer aquilo, e que não fora por mal, não queria ofender, tinha saído da boca sem querer. Como já disse atrás já simpatizava com ele e, depois disto, aumentou ainda mais a minha consideração para com ele, e conto hoje esta estória em sua homenagem e que Deus o tenha em descanso._ ________ Nota de L.G.: (1) Vd. último post desta série Estórias do Gabu > 7 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1822: Estórias do Gabu (5): Nunca chames indígena a ninguém (Tino Neves)

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