sábado, 11 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2041: Da Suécia com saudade (4) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (4): Aventuras de Maiorais

1. Da Suécia, com saudade, como sempre pelas mãos do nosso camarada José Teixeira, chegou até nós mais esta estória do ex-Alf Mil José Belo (que vive na Suécia desde os anos 70). Quase não dá para acreditar que seja verdadeira, de tão louca que é. Ao nível das melhores comédias inglesas.
Os Maiorais da CCAÇ 2381 (1968/70) estiveram em Buba, Quebo, Mampatá e Empada .(CV)

2. Aventuras de MAIORAIS

Gandembel tinha-se tornado nome tristemente célebre na Guiné de 1968/69.
Verdadeiro quartel mártir, era atacado dia sim, dia sim, por tudo o que era armamento pesado na posse do inimigo. Este, pretendia a todo o custo, obrigar as nossas tropas a abandonar uma área que já então controlava.

Os abastecimentos ao isolado aquartelamento, eram efectuados por "colunas de sacrifício", em condições de difícil descrição, quanto a perigos e esforços.

Em tentativa de aliviar o crescente estrangulamento que o inimigo ia exercendo sobre a guarnição mártir, foi decidido o desencadear de algumas espectaculares operações de tropas Pára-quedistas.

Os guerrilheiros foram apanhados em total surpresa. Nas acções iniciais obtiveram-se avultados êxitos, tanto em material capturado, como em acampamentos destruídos, assim como elevado número de baixas causadas.

Houve então um período de curtas semanas em que a área acalmou, enquanto o inimigo procurava reagrupar-se.

A ocasião, e o facto das tropas pára-quedistas continuarem estacionadas na zona, foi aproveitado para inesperada visita à mesma, por parte do (salvo erro) Comandante da Região Aérea da Guiné e Cabo Verde (ou seria o Chefe do Estado Maior da Força Aérea? Confesso que à distancia de quase quarenta anos não recordo o detalhe!). Era, no entanto, uma visita a ser explorada em termos políticos, como evidente demonstração do controlo efectivo da zona(?) por parte das nossas forças.

O senhor Brigadeiro(?) realmente apareceu na data marcada, sendo desembarcado de um helicóptero em Aldeia Formosa. Daí, seguiu em coluna auto para Gandembel, que se situava a umas dezenas de quilómetros a Sul. Duas Companhias de Páras, mais duas Companhias de Atiradores, mais uma Companhia de Milícias Nativas, foram utilizadas na escolta e cobertura desta simples deslocação do senhor General.

Dos destacamentos isolados, e que se situavam entre Aldeia Formosa e Gandembel, (1) também foram destacadas forças para montarem emboscadas de protecção ao itinerário.

Como seria de esperar, o apoio aéreo não faltou ao chefe da FA, tanto em helicópteros-canhão como em parelhas de jactos Fiat e velhos T6. Nunca víramos tantos, nem a zona fora tão assiduamente sobrevoada como nesse dia. A coluna não foi atacada no seu deslocamento, apesar de terem sido levantadas dezenas de armadilhas e minas.

Dois apanhados na Feira Popular

Num dos isolados destacamentos, um alferes e um furriel, sentados sob frondoso mangueiro, olhavam num misto de ironia e incredibilidade todo o circo aéreo que se verificava já há longas horas.

"Isto parece a Feira Popular!" - Disse um deles.

"Não vamos perder esta oportunidade de cumprimentar o nosso General!"

Dirigiram-se para o jeep, e arrancaram calmamente pela picada em direcção a Gandembel.

O que conduzia, seguia desarmado. O outro, empunhava impressionante machado Fula utilizado em cerimónias da etnia.
Ao chegarem ao último destacamento da zona controlada, (2) ninguém queria acreditar na história de que iam sozinhos, estrada fora, para cumprimentarem o... senhor General!
Daí para a frente ninguém passava sem se fazer acompanhar, pelo menos, de duas Companhias reforçadas, e de apoio aéreo ou de artilharia de Aldeia Formosa. Mas eles, rindo à gargalhada, aceleraram o jeep e desapareceram na picada.

Foram quilómetros em que o jeep voava sempre que a estrada o permitia, ou, em lentidão de desespero, contornava buracos de explosões anteriores de minas.

Passada mais de uma hora de percurso, começaram a ouvir os motores das viaturas da coluna que regressava já de Gandembel com o ilustre visitante.

Foi com espanto, mas também com alívio, que os picadores descobriram o jeep e os dois senhores nele sentados. O comandante da coluna decidiu então, visto o jeep ter passado há tão pouco, colocar todo o exausto pessoal nas viaturas e arrancar de imediato.

Invertendo o jeep, o alferes e o furriel estavam agora à cabeça da coluna.

Oportunidade única para cumprimentar o senhor General

Quando se preparavam para arrancar, o senhor General num impecável camuflado, engomado e ainda cheirando a armazém, e que até então tinha seguido numa viatura pesada, das últimas da coluna... por questões óbvias de segurança pessoal... dirigiu-se-lhes dizendo: - "Estou farto de apanhar pó da picada e o banco do vosso jeep sempre é mais confortável!"
Sentou-se de imediato no jeep ao lado do condutor.

"Pois com certeza meu General!" - Foi a resposta do alferes, com um sorriso amplo, e continuando a empunhar o descomunal machado Fula. E o jeep arrancou, a boa velocidade, à cabeça da coluna, em direcção a Aldeia Formosa.

Foi só quando já tinha atingido os primeiros destacamentos, largas dezenas de quilómetros depois, e perante alguns comentários apoplécticos quanto à inconsciência criminosa dos dois subalternos, por parte do responsável operacional, que o senhor General aparentou ter tido consciência de que tinha viajado todo o percurso de um dos mais perigosos itinerários da Guiné de 68, na posição de rebenta minas e protegido, unicamente, por um machado Fula... de cerimónias!

Escusado será dizer que o jeep, manobrando mais facilmente na picada esburacada, de imediato tinha deixado muito para trás as restantes viaturas com a escolta especial do senhor General!

Stockolm.Jan.80.
Aquele abraço
Joseph Belo

(1)Mampatá Forreá e Chamarra
(2)Chamarra

3. Nota do Zé Teixeira:

Esta era mais uma das estórias que eu tinha em preparação para enviar ao nosso blogue. Sou uma testemunha real de todo o acontecimento, pois estava em Mampatá Forreá de onde partiram os dois apanhados do clima.

Claro que jamais descreveria com tanto e tão rico pormenor, pois fui apenas testemunha ocular do aparato montado, no terreno, nos céus, da partida dos dois e da chegada do jeep, com mais um, este, periquito e com cara de quem se tinha borrado todo.

O autor do texto, o ex alferes José Belo, foi, com o Furriel Esteves os aventureiros, pelo que a estória verdadeira tem outro sabor.

Creio que foi a única coluna que se fez sem que o inimigo desse a cara, na picada, passada a pente fino pelos picadores da minha Companhia, quer em pleno dia como era hábito ao chegarmos a Gandembel ou a Ponte Balana.

No entanto recordo que na primeira coluna que fizemos, vimos um FIAT a deixar um rasto de fumo e cair - o primeiro, como há pouco se constatou no blogue, e, quando chegamos ao Gandembel, fomos recebidos à morteirada, pelo In.

Na Segunda, tivemos de recuar por falta de condições, depois da CCAÇ 2317, estacionada no local, que tinha vindo ao nosso encontro ter recuado com feridos e mortos.

Na terceira, levantamos 57 minas, desmontamos três fornilhos, tendo rebentado uma mina AP e quando estávamos quase a chegar, entre Chamarra e Mampatá Forreá tivemos uma espera, onde já ninguém contava, que nos provocou cinco feridos.

A quarta coluna teve o desfecho que o Belo tão bem descreve.

Outras houve, até que surgiu a última para trazer de regresso os Camaradas da CCAÇ 2317 e abandonar Gandembel definitivamente, ficando Guileje e Gadamael Porto e Mejo mais desprotegidas, pois o célebre corredor da morte ficou sem tampão.

José Teixeira
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Vd. post anterior desta série:

Guiné 63/74-P2029: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (3): Soldado Salvaterra ou mais uma peça de carne para canhão

1 comentário:

Anónimo disse...

Foi no dia 07/07/70 que nas Caldas da Rainha dei entrada na tropa onde fiz a minha recruta, mais uns outros cerca de 900 militares.

Era eu um puto de 20 anos de idade; fui parar ao pelotão do José Belo, então alferes acabado de chegar da Guiné, exibindo toda a sua magnanimidade frente a 40 miúdos completamente a leste de tudo o que era tropa.

Ao fim da primeira hora de recruta percebi que o Belo era exactamente como veio a auto definir-se na alusão que num seu artigo neste blog faz ao soldado “Salvaterra”

Quando casualmente encontrei o artigo neste blog pensei em fazer esta intervenção apenas para felicitar o Belo pelo facto muito simples de ele reconhecer, com o passar dos anos associado ao amadurecer de vida, que não há assim tanta diferença entre o alferes e o recruta, porque são dois homens que estão ali, onde a única diferença é cada um ocupar o seu lugar.

Essa foi a diferença, e o Belo reconheceu anos mais tarde, o que é de louvar, e por isso aqui estou para o felicitar por isso!!!

J.Serrão