segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2079: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (3): Actividade das NT




Ferreira Neto, ex-Cap Mil, CART 2340 (Canjambari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69)






História da CART 2340

Actividade das NT

Fevereiro – 1968
Operações:

Amigo Bom

Dia 13 - 2 Grupos de Combate (um Grupo da CART e um Grupo da CCAÇ 3 ), que constituíam o agrupamento III, da referida Operação, deslocaram-se para Jumbembem, onde pernoitaram.

Dia 14 - O agrupamento III, deslocou-se para a antiga povoação de Sare Samba Seidi, situada na margem Leste da Bolanha de Sinchã Mansaroto, onde pernoitaram.

Dia 15 - Às 08h00, por ordem transmitida pelo PCV, o agrupamento III assaltou o acampamento IN de Sinchã Mansaroto.
As NT por falta de experiência iniciaram logo a destruição do acampamento.
O IN emboscado nos arredores do mesmo, contra atacou as NT que destruíam o acampamento, constituído por cerca de 80 casas em 500 metros de extensão.
Só um grupo de combate conseguiu manter ligação com o PCV que pediu o apoio aéreo.
Uma parelha de T-6 veio apoiar o agrupamento que já se encontrava disperso.
Do combate resultou: 10 mortos IN confirmados e outros mortos e feridos prováveis. As NT sofreram 1 morto e 4 feridos africanos (dois soldados e dois carregadores).
O Agrupamento não conseguiu ligação entre os seus grupos dispersos, que retiraram em direcção a Jumbembem. Um dos Grupos permaneceu na zona de acção durante algumas horas, só retirando mais tarde.
Durante a acção um dos comandantes do pelotão e uma praça tentaram arrastar um morto e um dos feridos, no entanto, cansados e perante a ameaça de caírem em poder do IN e por não terem munições foram obrigados a abandoná-los.
As forças constituintes do agrupamento III regressaram no dia seguinte a Canjambari.

Da nossa acção resultou o seguinte:

80 Casas de mato destruídas
5 Cunhetes de munições destruído
3 Metralhadoras pesadas destruídas




Foto 1> Guiné> Canjambari 1968> Ex-Cap Mil Ferreira Neto

Comentário:
Foi a nossa primeira operação. Dias antes fui convocado para Farim, a fim de tomar conhecimento dos planos. O Comandante do Batalhão 1932, ao qual a minha Companhia independente estava agregada, disse-me que a minha Unidade iria tomar parte da operação conjunta com a CART 1691, pelo que eu disponibilizaria dois Grupos de Combate e que iria ser comandada por um dos alferes. Não sei se o Comandante do Batalhão ou outro dos oficiais superiores sugeriu que era melhor ser eu a comandar para ver como era e que além disso o meu pessoal como inexperiente só daria apoio à companhia actuante.

Foi o que aconteceu. Só que quando seguíamos em direcção ao objectivo recebo ordens para atacar umas casas de mato que se encontravam à nossa esquerda. Assim fomos, atacámos, incendiámos. Estando abrigados atrás de montes de baga-baga, eu dizia aos meus homens: - Calma, o pior já passou.
Mas não, o IN como era normal, quando se sentia atacado, abandonava o seu poiso e guarnecia os seus morteiros previamente instalados fora do acampamento e com o tiro regulado para o mesmo. As NT, foram literalmente, dispersas em vários grupos. O meu composto apenas por mim, dois soldados nativos, o soldado clarim, o rádio telefonista e dois carregadores. Para orientação dispus de uma bússola, oferecida pelo meu compadre, que me permitiu atingir Jumbembem.

A realçar, quando atravessávamos uma bolanha, ouvimos via rádio ordem do Major de Operações instalado no avião, que iam bombardear a bolanha, disse ao rádio telefonista: - Avisa que estamos no meio da bolanha.
Resultado só havia comunicação num sentido. Estávamos a pôr pé em terreno seco, quando ouvimos as granadas rebentarem atrás de nós.

O relatório que fiz sobre a Operação não agradou ao Major que me convocou para Farim e disse, que o relatório não justificava a minha acção. Respondi-lhe que relatava a verdade. Depois de troca de impressões pouco amistosas, ofereceu-se para redigir o relatório. Sem comentários.

As nossas relações a partir daí não foram das melhores. Em futuro próximo tentou sem êxito culpar-me de certos fracassos da sua responsabilidade.

Meses mais tarde, soube através do Capitão Miliciano adstrito à Acção Psicológica, de alguns factos que originaram a situação relatada.

Dentro da Acção Psicológica dia 13 ou 14 de Fevereiro, foi detectado o acampamento, que eu ataquei. Foram lançados panfletos convidando o IN a entregar-se pois que a tropa era boa etc. etc.

Resultado o IN, destacou um Bigrupo do Senegal, que fixou por flagelação o pessoal de Jumbembem, passando nas calmas a reforçar o acampamento objecto do meu ataque.

Março – 1969

Dias 25/26 - Na execução da Ordem de Operações n° 6, do COP 3, 2 Grupos de Combate emboscaram o Corredor de Sitató, em Dando Mandinga.

Dia 26 - 09h00, houve contacto com grupo IN, constituído por cerca de 10 elementos. As NT, causaram ao IN um morto confirmado e a apreensão de armamento e documentos.

Factos Importantes:
Dia 24 - Comandante Militar, Chefe dos Serviços de Saúde, uma equipa médica e o Comandante da CART, chegaram Canjambari com o fim de inspeccionarem o pessoal. O resultado da inspecção deu como operacionais 3 oficiais, 4 sargentos e 38 praças.

Comentário:
Antes de ir de licença tive informação de que alguns dos meus soldados urinavam ou evacuavam sangue. Suspeitei do pior, de haver mais atacados pelo mal, mas que por pudor não confessavam. Por isso, formei a Companhia e disse: - Sei que alguns de vós tem estes sintomas e que por vergonha não dizem. Quero também informar-vos que se trata de uma doença que tem cura desde que seja tratada a tempo, portanto quem tem estes sintomas dê um passo em frente.
Logo cerca de meia dúzia o fizeram.
Dei ordem para o furriel de transmissões, enviar para Farim uma mensagem relatando o facto.

Quando regressei de licença, em Bissau tomei conhecimento que uma equipa médica e comando militar se iam deslocar a Canjambari, pelo que integrei essa equipa.

Na reunião havida na Sede da Companhia, foi parecer da equipa médica que os soldados contagiados e provavelmente a maioria da Companhia estariam contaminados pelas águas. (Tinha sido uma época anormalmente seca. O poço que dispunha no aquartelamento tinha secado e a nossa fonte de água era proveniente um poço de grande diâmetro situado fora do perímetro do aquartelamento cheio de animais rastejantes mortos).

Uma das altas patentes militares teve então a ideia de que a água devia ser fervida, respondendo então um dos médicos que tal não poderia ser feito para a água do banho.

Resultado, a Companhia tinha que ser evacuada na quase totalidade para Bissau.

Abril – 1969

Dia 12 - 2 Grupos de Combate emboscaram o Corredor de Sitató em Dando Mandinga com contacto. O IN pôs-se em fuga tendo sido abatido 1 elemento ao qual foram capturados documentos.

Outras acções:
Dia 3 – 1 Grupo de Combate fez e recolha em Canjanbari-Praça duma Companhia de Pára-quedistas que actuou na zona de Canjambari IN.

Factos Importantes:
Dia 2 - Cerca das 19h30, devido a um curto-circuito, manifestou-se um incêndio numa caserna-abrigo que se propagou a um paiol existente no mesmo abrigo, tendo-a destruído completamente.

Comentário:
Tínhamos recebido há poucas horas o municionamento proveniente de Farim.
Foi uma noite autenticamente de S. João. Granadas de bazuca, de morteiro, cartuchos de G3, etc. tudo a ir pelo ar. Ninguém foi ferido. No entanto as viaturas estiveram em perigo, valendo a acção de dois elementos da Companhia para evitar o pior.

Anos mais tarde soube numas das reuniões anuais, que o tal curto-circuito, foi devido a uma churrascada de chouriço, que provocou o incêndio.

No dia seguinte, como atrás descrito, recolhemos os pára-quedistas. Durante a refeição da noite foi-me dito confidencialmente pelo Tenente-Coronel dessa Unidade, que era ideia do Comando Territorial, que eu permaneceria em Canjambari apesar da minha Companhia estar na sua quase totalidade em Nhacra. Ainda mais, os Pára-quedistas seriam os indigitados ou uma Companhia de Comandos, mas que eles se tinham manifestado contra e parece que Spínola aceitou, o que me custa a crer.

Dias depois recebo a visita do General Spínola, que me disse ir mandar abrir um furo artesiano e até construir uma piscina. Perguntei-lhe quando estava previsto reunir-me com os elementos sobreviventes à doença, ao grosso do pessoal que estava em Nhacra.

A resposta foi aquela, que eu já sabia: - Você fica aqui até ao fim da sua missão.
Eu muito inocentemente disse: - Sr. Governador, parece -me lógico reunir-me à Companhia que trouxe da Metrópole.
Ao que ele retorquiu: - Já disse fica aqui nomeado por escolha.
Se eu fosse oficial do Quadro não havia dúvida que ficaria todo babado. Era um Miliciano…

E assim foi. Fui mesmo o último a deixar Canjambari em fins de Junho.

Junho - 1969

Factos Importantes:
A CCAÇ 2533 que veio substituir a CART 2340, em Canjambari, chegou a esta localidade no dia 3 de Junho de 1969, recebendo o Treino Operacional que durou até ao dia 17 de Junho de 1969.

Entretanto o pessoal recuperado recolhia a Nhacra, onde a pouco e pouco se ia integrando na actividade operacional.

A partir do dia 12 de Junho o pessoal da CART, passou a executar a actividade operacional em virtude da companhia que ocupava Nhacra, ter ido ocupar outro sector.

A actividade no sector de Nhacra, foi de moldes diferentes daqueles do sector de Canjambari. Assim todas as operações realizadas foram de carácter rotineiro, sendo de realçar a quantidade de acções realizadas

As patrulhas eram essencialmente de contacto com as populações, visando uma acção psicológica, e a recolha de notícias, pelo que, normalmente um enfermeiro as acompanhava.

As emboscadas tendiam a evitar que pessoal fizesse cambanças ilegais nos rios Geba e Mansoa, e nos caminhos de prováveis infiltrações IN.

NOTAS SOLTAS:
A tabanca de Canjambari era constituída por 6 casas e 80 nativos. A de Jumbembem, maior número de casas e cerca de 400 nativos.

Tive o gosto, numa das primeiras acções de conquistar a população de instalar luz eléctrica nas casas dos homens grandes.


Foto 2> Guiné> Canjambari> Capitão Ferreira Neto parte mantanha com Homem Grande



Foto 3> Guiné> Canjambari> Ferreira Neto com crianças nativas



Foto 4> Guiné> Canjambari> Distribuição de mangos pela população



Foto 5> Guiné Canjambari> Inauguração de furo artesiano. Primeiros clientes


Fotos: © Ferreira Neto (2007). Direitos reservados.

Como Capitão sempre fui criticado pelos meus alferes, porque só os avisava no dia de acção.

Quando recebia de Farim, o envelope com o carimbo Secreto, já sabia que ia haver bernarda.

Lia a ordem de operações e era um só preocupado com o que iria acontecer.

E eram os constantes adiamentos das Operações que me mantinham numa expectativa constante e desgastante.

Disse simplesmente aos alferes: - Se eu vos informar, vocês dizem aos furriéis, estes aos soldados, estes ao pessoal da tabanca e estes… Já basta um preocupado.

E a propósito de Operações Militares.
Recebi como de costume o envelope secreto. A Operação Heróis Ilustres marcada, creio, que para Agosto de 1968, resumidamente era qualquer coisa como isto:
Dez grupos de combate, que montariam emboscadas em pontos diferentes e a determinadas horas diferentes. Cada grupo actuaria na sua vez após o bombardeamento (APAR) do objectivo, tomaria de assalto o mesmo e iria emboscar noutro ponto a uma determinada hora.
Isto para os dez grupos com objectivos diferentes movendo-se com capim com dois metros de altura.
Não queria acreditar no que lia, mas que poderia fazer? Como de costume não transmiti aos alferes.
Adiamento sucessivos e entretanto chega a minha vez de entrar de licença. Chamei o alferes Mota, o mais antigo, e mostrei-lhe a ordem de operação.

Exclamação dele: - Meu capitão, isto é de doidos!

Desejei-lhe felicidades e parti.

Não há dúvidas que essa minha licença foi vivida com o que poderia ter acontecido.

Quando regressei estava tudo muito calmo e a minha primeira pergunta foi como tinha corrido a Operação. Então o alferes com a alegria estampada no rosto disse-me que não se tinha realizado.

A causa disse-me, foi o General Spínola ter ido ao comando do Batalhão, e ao ver o plano das operações, o ter rasgado na cara do comandante, dizendo: - Mais uma Operação condenada ao fracasso.

O Alferes Pereira, Comandante do Pelotão Nativo da CCAÇ 3, era um excelente alferes, beirão, pequenino, era adorado pelo seu pessoal. Era ele que guardava o dinheiro e controlava os gastos dos soldados. Isto devia-se sobretudo, aos consumos de cerveja. Tudo corria bem e quando necessário havia os correctivos por parte do alferes que tinha de saltar para chegar à cara do prevaricador que sempre aceitava o correctivo por estar de acordo com o seu sentido de justiça.

O Pereira termina a sua comissão e é substituído por outro alferes ao qual recomendei que procedesse da mesma forma. Tal não aconteceu, e comecei a ter problemas devido às bebedeiras frequentes que o pessoal nativo tomava. Decidi que o cabo cantineiro tomasse nota das garrafas consumidas (67 cl). Para meu espanto verifiquei que o consumo médio era de nove garrafas por soldado. Quer dizer que havia alguns que superavam aquele número.

Quero referir-me também ao nativo da tabanca de nome Sori.

Este fula-forro, tinha um carácter muito inventivo, de tal forma que tomou a iniciativa de fazer na sua casa um dispositivo anti-morteiro, o seu telhado era constituído por uma caixa cheia de areia. Era o único da sua etnia e muito invejado pelo restante pessoal da tabanca.

Outro lado, era a nobreza do seu carácter. Certo dia, apareceu-me fazendo queixa de um soldado-auto, que lhe tinha morto uma galinha com a viatura. Disse-lhe: - Não te importes Sori, que o soldado paga-te a galinha. Ao que ele respondeu: - Capitão, não é pela galinha, mas sim pela forma que o soldado me tratou.
Chamei o soldado obrigando-o a pedir desculpas e pagar a galinha.

Em 10 de Setembro de 1968 a 15.ª Companhia de Comandos reforçou Jumbembem, no mês seguinte a 7 de Outubro, foi considerada inoperacional.

Em 2 de Novembro a 16.ª Companhia de Comandos reforçou Jumbembem. Cerca de um mês depois queriam também considerar-se inoperacionais. Só que desta vez o Comandante do Batalhão se impôs, dizendo que tinha uma companhia com 13 meses, outra com 11 meses e outra com 7 meses e nunca foram consideradas inoperacionais com a mesma actividade operacional dos Comandos. De relevar que as referidas Companhias de Comandos tinham alimentos frescos quando necessitavam e fornecidos via aérea e nós as outras uma vez por mês, via terrestre.

Era norma antes do embarque fazer as análises. Devido às demoras que normalmente se verificavam entre estas e o embarque era como certo muitos voltarem a serem infestados por parasitas.

Tal facto levou as chefias a procederem às referidas análises após o embarque. No Uige tínhamos um Capitão Médico que chefiava a correspondente equipa. Estas análises eram as rotineiras e tal como se faziam em terra.

Contactei o médico citado e relatei-lhe o que sucedera à minha Companhia. Em boa hora o fiz, porquanto o médico me disse que tais análises não estavam previstas.

Aconselhou-me a fazer pular o meu pessoal, antes da recolha da urina, pois que, se tornava necessário fazer soltar os vermes que se alojavam na parede interna da bexiga.

Assim procedi, e coloquei o pessoal aos pulos na coberta do navio, tal como uma dança guerreira índia. Eu próprio, no meu camarote, fiz uma sessão de pulos.

Resultado. Detectados cinco casos de contaminação.

Haveria mais histórias para contar, pequenas histórias, no entanto relevantes para o enriquecimento do carácter de quem as viveu.

Ferreira Neto
ex-Cap Mil
CART 2340
___________________

Notas do co-editor CV:

Vd. Post de 30 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2072: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (1): Mobilização, Deslocamento para o CTIG e Alteração ao Dispositivo

Vd. Post de 1 de Setembro de 2007> Guiné 63/74 - P2075: História da CART 2340 (Ferreira Neto) (2): Actividade inimiga

1 comentário:

Anónimo disse...

breve nota ao editor:
este post remete, obviamente por lapso, para outros dois anteriores, reportados a... "2008"
Saudações cordiais.